Lastro filosófico que sustenta o “brasilian way of life”, e que perpassa, do cume à base (nesta ordem), a pirâmide social: “O negócio é putaria”, “Eu quero é putaria”, “Eu gosto é de putaria”. Aforismos que representam uma síntese do legado ensaístico de “Casa Grande & Senzala”, onde senhores de engenho e escravos se refastelavam em sexo e quitutes, saborosos, num ambiente quase idílico. Freyre, Gilberto omitiu boa parte dos aspectos mais desagradáveis dos primórdios dessa cultuada epopeia chamada “democracia racial”, a saber, a escravidão mesma – e sua especificidade: torturas, estupros, humilhações, assassinatos...

Com o tempo, essa estrutura psico-filosófica-sócio-antropológica foi enriquecida por práticas comportamentais sintetizadas na expressão “homem cordial” – um viés de atitudes transbordantes de afeto, que no entanto choca-se com a impessoalidade requerida no convívio da ordem republicana, liberal, capitalista, que impõe, por exemplo, a separação entre o público e o privado. Esse distanciamento, típico do caráter (ethos) das sociedades urbanas, (ah, vá lá!) civilizadas, não funciona bem no clima tropical brasileiro. Curiosamente, apesar do calor, o brazuca, “cordial”, quer a proximidade, a intimidade, o “dengo”. Pegar. Tocar. Olhar nos olhos. É o que Sérgio Buarque de Holanda chama de “ética de fundo emotivo”. Entre os mamíferos – classe biológica à qual pertencemos – isso é inadmissível. Nunca encare ou alise um cão, se ele não foi convenientemente domesticado, domado.

Nas civilizações ocidentais, “frias”, também a regra se aplica: a polidez, o respeito ao próximo e às instituições, manifestam-se por um distanciamento ritualístico – e que (veja só) reforça a individualidade, a “supremacia ante o social”, a “presença contínua e soberana do indivíduo” diante da sociedade. Os brazucas preferem vivenciar as práticas dos chamados grupos primários – família, vizinhos, tribo - para acomodar a inconsistência interior e sublimar o pavor de um mergulho na ordem impessoal das sociedades urbanas, democráticas e modernas.