DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR

Enquanto a autocracia se caracteriza pelo distanciamento entre governadores e destinatários da norma, a democracia, por sua vez, é o regime de governo que traz, em seu bojo, uma participação mais atuante entre governados e governadores, permitindo que aqueles possam efetivamente participar da situação política de onde estão inseridos.

Para Luis Roberto Barroso (2015, p. 113) democracia pode ser definida em soberania popular e governo da maioria. Corroborando com o conceito apresentado, Dalmo de Abreu Dallari (2010, p.145) afirma que, ¨A base do conceito de Estado Democrático é, sem dúvida, a noção de governo do povo [...]¨.

Para Dalmo de Abreu Dallari (2010), é evidente que a noção de um governo do povo recebeu influência da Grécia Antiga, porém distinguindo-se claramente pela abrangência do conceito de povo. Uma vez que, em muitas cidades da Grécia Antiga, os trabalhadores não podiam participar das decisões, que acabavam sendo realizadas por um número muito reduzido de homens. Afirma ainda que foi a luta contra o absolutismo que possibilitou o florescimento da democracia como preferência política por todo o hemisfério ocidental. Como deixa claro nessa passagem (2010, p.147), ¨O Estado Democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo, sobretudo através da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana¨.

As revoluções Inglesa, Americana e Francesa foram, sem dúvidas, os movimentos que colocaram fim ao regime absolutista, fortalecendo a ideia de igualdade entre os homens, e de que os mesmos seriam capazes de se autogovernarem, dando espaço às ideias democráticas. Conforme Dalmo de Abreu Dallari (2010, p.150),

Foram esses movimentos e essas ideias, expressões dos ideais preponderantes na Europa do século XVIII, que determinaram as diretrizes na organização do Estado a partir de então. Consolidou-se a ideia de Estado Democrático como ideal supremo, chegando-se a um ponto em que nenhum sistema e nenhum governante, mesmo quando patentemente totalitários, admitem que não sejam democráticos. 

Dalmo de Abreu Dallari (2010) levanta três princípios que passaram a ser fundamentais para que os Estados cumprissem as exigências democráticas, são eles: supremacia da vontade popular, preservação da liberdade e igualdade de direitos. Ele finaliza da seguinte forma (2010, p.151),

As transformações do Estado, durante o século XIX e primeira metade do século XX, seriam determinadas pela busca da realização desses preceitos, os quais se puseram também como limites a qualquer objetivo político. A preocupação primordial foi sempre a participação do povo na organização do Estado, na formação e na atuação do governo, por se considerar implícito que o povo, expressando livremente sua vontade soberana, saberá resguardar a liberdade e a igualdade. 

1.1 O conceito de democracia enquanto soberania popular

Sendo a democracia o governo do povo, faz-se essencial desvendar o que vem a ser povo, bem como analisar o que seria governo, estando este conceito intimamente ligado à soberania.

O conceito de população não se confunde com o de povo, aquele se traduz como mero conceito quantitativo. Conforme Paulo Bonavides (2008, p.72),

Todas as pessoas presentes no território do Estado, num determinado momento, inclusive estrangeiros e apátridas, fazem parte da população. É por conseguinte a população sob esse aspecto um dado essencialmente quantitativo, que independe de qualquer laço jurídico de sujeição ao poder estatal. 

O conceito de povo, por sua vez, é mais complexo e, conforme Paulo Bonavides, divide-se segundo o aspecto político, jurídico e sociológico. Assim, povo segundo o conceito político é aquele que forma o corpo eleitoral, tendo poder decisório nos debates realizados. Conforme o aspecto jurídico, seria povo aqueles que estão submetidos a um mesmo regime jurídico, não importando, para isso, se estão em um mesmo território. Por fim, povo segundo o conceito sociológico está ligado à cultura, ao sentimento de pertencimento à um grupo, levando-se em conta os laços afetivos, os valores comuns.

Conforme a classificação de Paulo Bonavides, verifica-se que o conceito político de povo enquadra-se no conceito de cidadão, esse status, conforme o ordenamento brasileiro, é adquirido pelo alistamento eleitoral, o que possibilitará o exercício dos direitos políticos, quais sejam: voto, participação em referendo e plebiscito, apresentação de ação popular. O alistamento eleitoral é obrigatório para os maiores de dezoito anos e facultativo para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, para os maiores de setenta anos, bem como para os analfabetos, conforme o dispositivo do art.14, §1 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Conforme o caput desse mesmo artigo, a CRFB\88, adota o sufrágio universal, o que impossibilita afastar alguém do certame eleitoral em razão de discriminação negativa. Logo, cidadão é aquele que tem um vínculo jurídico-político com o Estado, no Brasil é aquele que vota e está em dia com seus direitos políticos.

No que se refere ao conceito jurídico de povo, verifica-se que se enquadra no conceito de nacionalidade. Esta é um direito fundamental de primeira geração, associada às liberdades civis e políticas. Trata-se do vínculo jurídico civil que liga o indivíduo a determinado Estado, fazendo-o componente do povo e titular de direitos e obrigações. Tem previsão no artigo 12 da CRFB\88, podendo ser adquirida pelo nascimento (originária) ou pelo processo de naturalização (secundária).

A nacionalidade originária poderá ser adquirida pelo critério Ius sanguinis, quando o indivíduo será nacional se descendente de nacional, não importando o local do nascimento. Pelo critério Ius soli, o indivíduo será nacional se nascido no território do país, independentemente de sua ascendência. O Brasil adora o chamado critério misto ou Ius soli relativo, pois há situações em que o indivíduo pode ter nascido fora do território nacional e ainda ser considerado nacional.

Para o autor Dalmo de Abreu Dallari (2010), o povo é o elemento essencial para o Estado, permitindo que este possa manifestar sua vontade. O autor, diferente de Paulo Bonavides, consagra o conceito de povo no termo de cidadão, não sendo este conceito, para o autor, limitado aos indivíduos que podem votar. Senão vejamos, (2010, p.99\100),

Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano. [...] Todos os que se integram no Estado, através da vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar o povo como o conjunto dos cidadãos do Estado. Dessa forma, o indivíduo, que no momento mesmo de seu nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão. 

Diante do exposto, verifica-se que o conceito de povo é mais abrangente do que o conceito de cidadão, ou eleitor, estando este incluído naquele. Portanto, quando a CRFB\88, em seu artigo 1º afirma que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, e complemente em seu § único afirmando que todo o poder emana do povo, resta claro, depois de estudado o conceito de povo, que este não se limita ao número de eleitores. Devendo, portanto, para a efetivação de um democracia mais abrangente, que o povo, em seu sentindo mais amplo, possa de fato ter condições de exercer o poder que lhe pertence, não sendo o voto o mecanismo suficiente para o exercício pleno desse poder.

Tendo analisado o conceito de povo, resta ainda tecer alguns comentários em relação à soberania. Há duas teorias que dizem respeito à soberania, a teoria teocrática, que fundamentava a titularidade do poder soberano à figura do rei por meio do poder divino sobrenatural, tendo essa teoria prevalecido durante o período absolutista. E a teoria democrática, que afirma que a soberania vem do próprio povo, que poderá ser manifestada de diversas formas, como a democracia direta, representativa e semidireta, conceitos que serão analisados em momento específico.

Conforme Dalmo de Abreu Dallari (2010), a soberania tem como característica ser una, uma vez que não é possível que um Estado conviva com duas soberanias. É indivisível, pois deverá ser aplicada de maneira uniforme em todo o Estado. Também é inalienável, pois não pode ser cedida. Por fim, é imprescritível, pois não existe por um tempo definido.

A democracia pode ser definida segundo seu aspecto político, jurídico, Miguel Reale somou a esses dois aspectos, o caráter social, elaborando uma terceira concepção de soberania. Segundo Dalmo de Abreu Dallari (2010), a soberania, no conceito político, preocupa-se exclusivamente em ser absoluta, deixando a parte questões sobre legitimidade e juridicidade. Com isso, a soberania sustenta-se pela força, afastando, por conseguinte, muitos Estados do conceito de soberanos. Sobre o mesmo tema escreveu Miguel Reale (2000, p.154), 

A concepção Política da soberania consiste, pois, na ideia conjunta de independência e de supremacia, abrangendo a faculdade de ordenar juridicamente de maneira originária e exclusiva. Daí a noção geral que damos de Soberania, do ponto de vista Político, como poder que tem uma Nação de se constituir em Estado, declarando, de maneira originária e exclusiva, o seu Direito. 

Já a soberania em uma concepção jurídica, Segundo Dalmo de Abreu Dallari (2010, p.80), ¨[..] leva ao conceito de soberania como o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas. [...] a grande vantagem [...] é que mesmo os atos praticados pelos Estados mais fortes podem ser qualificados como antijurídicos [...] ¨. 

Segundo Dalmo de Abreu Dallari (2010), Miguel Reale, considerando que os fenômenos do Estado são concomitantemente sociais, jurídicos e políticos, elaborou uma acepção de soberania que abrangesse essas três nuances. Diante disso, Miguel Reale (1960, p.127, apud Dalmo de Abreu Dallari, 2010, p.80), ¨formula então o conceito de soberania como poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência¨. 

Diante do exposto, percebe-se que a democracia, enquanto governo soberano do povo, significa que este deverá organizar-se para consagrar seus ideais. Vale ressaltar que o conceito de povo vai além do conceito de cidadão, enquanto possuidor de direitos políticos ativos, ou seja, direito de votar. Assim, um governo democrático deve abrir espaços de comunicação real e efetiva entre si e a população, a fim de que possa governar tendo como mote a vontade popular, fazendo valer a soberania desta. 

1.2 Breve histórico da democracia 

Segundo Noberto Bobbio (2003), há três tradições históricas sobre a teoria da democracia, que são de extrema importância para a compreensão desse instituto. A teoria clássica, ou aristotélica, que define três formas de governo, quais sejam: democracia, monarquia e aristocracia. Diferenciam-se segundo um critério quantitativo, sendo a democracia o governo do todo o povo, a monarquia o governo de apenas um e, por fim, a aristocracia seria o governo de poucos. Para Aristóteles, quando os interesses pessoais, de quem governava, se sobrepunham aos interesses dos governados ter-se-ia formas corruptas de governo. A monarquia se tornaria uma tirania, a aristocracia uma plutocracia e a democracia se converteria em demagogia. As concepções aristotélicas influenciaram todo o pensamento ocidental. 

A teoria medieval, ainda conforme Noberto Bobbio (2003), de origem romana, tem como mote a soberania popular, defende-se a autoridade do príncipe como fruto de uma concessão popular. Além disso, levanta a tese de que o povo cria o direito tanto por meio do voto como por meio dos costumes. Essa teoria permitiu a distinção entre titularidade e exercício do poder, defendendo que não importa quem exerce o poder, a titularidade sempre seria do povo.   

A terceira teoria é, também chamada de teoria de Maquiavel, refere-se à teoria moderna, que afirma existir duas formas de governo, a monarquia e a república, sendo a democracia apenas o caminho a ser percorrido até a república, que seria um governo verdadeiramente popular. 

Segundo Bobbio (2003), durante o século XIX, a discussão a respeito da democracia recebeu influência do confronto ideológico entre liberalismo e socialismo. Para o pensamento liberal, a democracia representativa, na qual as leis seriam elaboradas pelos representantes escolhidos pelo povo, seria o modelo ideal. O desenvolvimento da democracia representativa poderá ocorrer tanto pelo aumento no número de pessoas aptas a votar, quanto pelo aumento do número de órgãos representativos, quais sejam aqueles formados por representantes eleitos. Com isso, o autor conclui que a democracia, no pensamento liberal, não se apresenta como uma opção ao sistema representativo, mas sim como um complemento a este. 

Já no que se refere à ideologia socialista, a democracia apresenta-se como elemento integrante e necessário, apesar de não ser constitutivo. Diferencia-se da doutrina liberal pelo modo de se compreender o processo de democratização, pois enquanto que para o liberalismo o sufrágio universal era visto como o ponto de chegada da democracia, para o socialismo seria apenas o ponto de partida. A teoria socialista almejava mais do que um simples modelo representativo, lutando por uma democracia direta, e que o controle popular tivesse seu alcance ampliado aos órgãos de decisão econômica e não apenas política. 

Bobbio (2003) tece comentários a respeito da crítica feita a ideia de democracia como soberania popular. Segundo esta, a única forma de governo possível é a oligarquia, uma vez que apenas um reduzido número de pessoas efetivamente exercerá o poder, independentemente da ideologia que se defenda. A diferença entre os governos, no entanto, se dará pela forma como os detentores reais do poder chegaram até ele, como se organizam, se renovam e principalmente como exercem esse poder.Diante do exposto, Bobbio (ano, p.326) conclui, 

[...] pode concluir-se que por Democracia se foi entendendo um método ou um conjunto de regras de procedimento para a constituição de Governo e para a formação das decisões políticas (ou seja das decisões que abrangem a toda a comunidade) mais do que uma determinada ideologia. A Democracia é compatível, de um lado, com doutrinas de diversos conteúdo ideológico [...] 

O mesmo autor, em obra diversa, O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo (2015, p.35) reafirma o exposto acima, senão vejamos,

Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, [...] é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. [...]. até mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos ( o grupo como tal não decide). Por isso, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais procedimentos [...]. 

1.3 Modelos democráticos 

A democracia, como visto acima, não se limita a uma forma de expressão única, tendo como variável a forma de participação que a população terá. Diante disso, classifica-se a democracia em direta, indireta ou representativa e, por fim, em semidireta ou participativa. 

A democracia direta caracteriza-se, como o próprio nome esclarece, pela participação direta do povo, ou seja, é o povo quem elabora as leis, além de administrar e julgar as questões que surgirem. Segundo a explicação de Noberto Bobbio (2015, p.85) a respeito da democracia direta, 

Para que exista democracia direta no sentido próprio da palavra, isto é, no sentido em que direto quer dizer que o indivíduo participa ele mesmo nas deliberações que lhe dizem respeito, é preciso que entre os indivíduos deliberantes e a deliberação que lhes diz respeito não exista nenhum intermediário 

Consoante Paulo Bonavides (2008), a Grécia é o grande exemplo de democracia direta, isso foi possível pelas características de tal civilização. O regime escravocrata da Grécia, permitia ao homem livre dedicar seu tempo para tratar das questões públicas. Outro fator que permitiu esse modelo democrático foi a consciência dos cidadãos gregos de que precisavam se unir contra os Estados inimigos e Estados bárbaros. 

Esse modelo de democracia, porém, deixa claro sua inconveniência prática, uma vez que, com as cidades cada vez mais populosas e a diversidade de opiniões sendo valorizada, torna-se inviável a consulta de todos os cidadãos para a tomada de decisões políticas, sendo que, muitas vezes, essas decisões precisam ser realizadas de forma célere indo de encontro com esse modelo. Em concordância com Dalmo de Abreu Dallari (2010, p.152), 

Sendo o Estado Democrático aquele em que o próprio povo governa, é evidente que se coloca o problema de estabelecimento dos meios para que o povo possa externar sua vontade. Sobretudo nos dias atuais, em que a regra são colégios eleitorais numerosíssimos e as decisões de interesse público muito frequentes, exigindo uma intensa atividade legislativa, é difícil, quase absurdo mesmo, pensar-se na hipótese de constantes manifestações do povo, para que se saiba rapidamente qual a sua vontade.

Corroborando com a ideia acima de Dalmo de Abreu Dallari, Noberto Bobbio (2015, p.71) afirma, 

É evidente que, se por democracia direta se entende literalmente a participação de todos os cidadãos em todas as decisões a eles pertinentes, a proposta é insensata. Que todos decidam sobre tudo em sociedades cada vez mais complexas como são as modernas sociedades industriais é algo materialmente impossível. 

Por fim, Paulo Bonavides (2008, p.293\294) também tece comentários a respeito da difícil implementação de uma democracia direta no Estado moderno, senão vejamos, 

Demais, o homem da democracia direta, que foi a democracia grega, era integralmente político. O homem do Estado moderno é homem apenas acessoriamente político, ainda nas democracias mais aprimoradas, onde todo um sistema de garantias jurídicas e sociais fazem efetiva e válida a sua condição de ¨sujeito¨ e não apenas de ¨objeto¨ da organização política. [...] O homem moderno [...] não se pode volver ele todo para a análise dos problemas de governo, para faina penosa das questões administrativas [...] só há pois uma saída possível, solução única para o poder consentido, dentro no Estado moderno: um governo democrático de bases representativas. 

Paulo Bonavides (2008) traça as características da moderna democracia ocidental. Segundo o autor, este modelo de democracia tem como mote a soberania popular, a adoção do sufrágio universal, do pluripartidarismo, da separação de poderes, do princípio da igualdade, do Estado de Direito, da liberdade de opinião, dentre outras, bem como a existência plenamente garantida de minorias. Diante disso, resta claro que a democracia moderna encontra-se em outro nível de complexidade, não sendo possível reger-se pela democracia direta, como ocorria na Grécia. 

A democracia indireta ou representativa, por sua vez, caracteriza-se pela outorga do poder de governar aos representantes eleitos pelo povo. Consoante Noberto Bobbio (2015, p.73), 

A expressão ¨democracia representativa¨ significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte mas por pessoas eleitas para essa finalidade. 

A explicação de democracia indireta feita por Dalmo de Abreu Dallari (2010, p.156) se dá nos seguintes termos, ¨na democracia representativa o povo concede um mandato a alguns cidadãos, para, na condição de representantes, externarem a vontade popular e tomarem decisões em seu nome, como se o próprio povo estivesse governando¨. 

Já no que se refere à democracia semidireta ou participativa, existe uma combinação entre a democracia representativa e alguns mecanismos de participação direta da população, como os previstos no artigo 14º da CRFB\1988, quais sejam: plebiscito, referendo, iniciativa popular. A ação popular também encontra fundamento na Constituição Federal, entretanto no artigo 5º, inciso LXXIII. 

Tendo em vista a existência desses diferentes mecanismos de participação popular, torna-se possível criar diversos arranjos sociais. Assim, é correto afirmar que a democracia participativa não pode ser enquadrada em um conceito fixo, pois estes diversos arranjos sociais podem permitir uma atuação mais participativa, ou não, da sociedade nos assuntos do Estado. Consoante Noberto Bobbio (2015, p.86\87), a respeito do tema, 

[...] entre a forma extrema de democracia representativa e a forma extrema de democracia direta existe um continuum de formas intermediárias, um sistema de democracia integral pode contê-las todas, cada uma delas em conformidade com as diversas situações e as diversas exigências, e isto porque são perfeitamente compatíveis entre si posto que apropriadas a diversas situações e a diversas exigências, Isto implica que, de fato, democracia representativa e democracia direta não são dois sistemas alternativos [...] mas são dois sistemas que se podem integrar reciprocamente. Com uma fórmula sintética, pode-se dizer que num sistema de democracia integral as duas formas de democracia são ambas necessárias mas não são, consideradas em si mesmas, suficientes. 

1.4 Instrumentos constitucionais da democracia participativa

Vejamos brevemente os institutos, mais conhecidos, existentes no Brasil no que se refere à democracia participativa. A ação popular está prevista no artigo 5º, inciso LXXIII da CRFB\88, tem como objetivo anular ato, comissivo ou omissivo, ou contrato administrativo que ameace ou viole o patrimônio público, histórico ou cultural, a moralidade administrativa ou o meio ambiente. Tem legitimidade ativa para propor o cidadão nato ou naturalizado, ou seja, aqueles em gozo de seus direitos políticos. 

Com relação ao referendo e ao plebiscito, são institutos convocatórios dos eleitores para que opinem sobre determinado assunto, sendo a competência para autorizar a sua realização do Congresso Nacional, conforme o artigo 49, inciso XV da CRFB\88. Diferenciam-se pelo momento em que são realizados, o plebiscito deve ocorrer previamente à ação do governo, enquanto que o referendo se dá em momento posterior, com o fim de legitimar a atuação do governo. 

A iniciativa popular, por sua vez, trata-se da possibilidade de o eleitorado reunir se a fim de elaborar leis de seu interesse, para tanto, o artigo 61, §2º da CRFB\88, exige a apresentação de projeto de lei subscrito, no mínimo, por um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Diante dessa exigência resta claro que trata-se de um procedimento de pouca utilização, pois requer uma elevada mobilização social. 

Isto posto, verifica-se que os mecanismos mais conhecidos de participação popular são claramente excludentes. De início pode-se argumentar que limita-se aos eleitores, mas, como já analisado neste trabalho, o poder soberano provém do povo, sendo este conceito bem mais abrangente do que o conceito de eleitores. Além disso, tanto o plebiscito quanto o referendo dependem de uma autorização prévia do Congresso Nacional, não sendo, portanto, mecanismos a disposição do povo para que este possa se fazer ouvir pelo governo. Por fim, a iniciativa popular traz como exigência quantitativa valores abusivos, haja vista o tamanho da população brasileira. Com isso, advém a clara necessidade de divulgação de outros mecanismos de participação popular, bem como a criação de novos institutos a fim de que a população possa exercer de fato a sua soberania sobre o governo.  

No que tange a área da saúde, faz-se fundamental conhecer os Conselhos Gestores, instituto que viabiliza a participação popular, dos usuários do serviço prestado, para que possam ser ouvidos, fazendo, assim, com que tornem-se parte do processo de criação de novas políticas públicas na área da saúde. Assim, o usuário deixa de ser simples receptor das políticas pública, passando a atuar de maneira efetiva, não apenas com crítica, mas levantando sugestões para a resolução dos problemas existentes.

REFERÊNCIAS 

BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed, São Paulo: SARAIVA, 2015. 

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em  5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 26 de março, 2017. 

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 15ª ed, São Paulo: saraiva, 2008.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral. 29ª ed, São Paulo: MALHEIROS EDITORES, 2008. 

BOBBIO, Noberto. Dicionário de Política vol.1. 11ª ed, São Paulo: EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA, 2003.

BOBBIO, Noberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. 13ª ed, São Paulo\Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2015.