“Vossos juízos até o presente andavam atilados. Por que, agora, descaminham de vez?” Cícero

 

Há alguns dias atrás, estava lendo um livro chamado “Ancestrais: uma introdução a história da África”, de Mary Del Priori e Renato Pinto Venancio. Tinha uma parte que me chamou muito a atenção, pois não vemos mais isso hoje em dia em nossa sociedade, onde a palavra do homem tinha muito valor.

Nessa cultura africana quando um homem dava sua palavra ele tinha como dever cumprir-la. Sua palavra tinha valor e poderia ser cobrada até aos filhos dos filhos dos seus filhos, ou seja, seus bisnetos, até a quarta geração.

Observo que atualmente, não se pode confiar em qualquer pessoa, seja ela homem, mulher, jovem ou idoso, não existe mais para nós o poder das palavras. Vivemos na era da assinatura num pedaço de papel, chamado de Contrato Social por Rousseau.

Onde foram parar os bons costumes, porque temos que acreditar mais em um papel do que nas palavras de um ser que é igual a nós, pelo menos fisicamente. Percebo ainda que, o Homem está perdendo também, a própria dignidade. Pico Della Miràndola é um autor renascentista que tem uma obra chamada “A Dignidade do Homem”. Sua obra tinha por finalidade valorizar o ser humano. No livro ele diz que, se um homem que trabalha em uma fazenda, estiver andando de cavalo à beira de uma estrada e um carro perder o controle e matar o homem e o animal, a lei mandará indenizar a esposa do peão em cerca de 100.000,00 e, ao fazendeiro dono do quadrúpede a indenização será cerca de 180.000,00. Damos mais valor a um animal que a um ser humano.

No livro “Da Utilidade e do Inconveniente da História para a Vida” Friedrich Nietzsche diz que usamos a História de modo errado, pois não podemos viver do mesmo modo que alguma civilização já viveu, ou ainda, ir a uma guerra preparada com estratégias usadas em guerras passadas, à realidade é outra. Mas neste caso vejo que podemos ir contra a idéia de Nietzsche , pois podemos usar o exemplo da cultura daqueles que moram do outro lado do Atlântico, os africanos, para dar mais valor a nós mesmos enquanto pessoas. Usando o simples gesto de cumprir com as nossas palavras.

Apesar de sabermos que a palavra dita já não tem mais valor, insistimos em querer confiar nas palavras daqueles que julgamos ser corretos, onde podemos acabar dando com a cara no muro e ficando com a auto-estima baixa e magoados. Luiz Feracine na Apresentação da obra de Sêneca “A Constância do Sábio” diz que é “evidente que a defesa em torno de nossa dignidade humana implica repulsa a tudo quanto magoa, espezinha, fere a auto-estima e mancha a boa fama”.

Cremos que isso é verdade, pois se soubermos que vamos nos magoar querendo dar credibilidade a palavra de um ser humano, deixaremos de lado a confiança e daremos o crédito a sua assinatura. Não podemos ser hipócritas com nós mesmos. Eu acredito, mas, assina aqui por favor!

Para nos prevenirmos desse mal temos que ser sábios. Sêneca diz que ao sábio “nem injúria nem contumélia conseguem atingi-lo” e continua “Asseguro que o sábio não é vulnerável por injúria alguma. Não importa qual o número de setas que desfiram contra ele, já que o mesmo é impenetrável.” Isso porque para Sêneca o sábio não se deixa influenciar pelo meio, por isso não pode ser atingido.

Portanto, temos que ser como o sábio de Sêneca, não podemos nos deixar ser influenciados pelo meio, mas se por ventura darmos crédito a palavra de um ser humano, temos que ter consciência de que estamos passivos de nos magoar e conviver com isso como uma forma de tentativa de credibilidade à dignidade do Homem.

Temos então duas opções: mudar ou continuar. Ou mudamos nossos conceitos, adquirindo o gesto galhardo dos africanos e começamos a cumprir com nossas palavras e, com isso, em conseqüência, dar o devido valor a palavra dita por um ser humano, onde poderemos confiar e sair incólumes e satisfeitos ou continuar “pensando que um rabisco de caneta em um pedaço de papel, que chamamos de assinatura, é mais importante”.