DEFINIÇÃO DOS TERMOS NORMATIVOS: RAÇA, COR, PRECONCEITO, DISCRIMINAÇÃO, RACISMO

 

1. RAÇA

Como definição de raça, Hédio Silva Jr. (2002, p. 14)., contextualiza:

Raça, uma categoria da biologia, designa um conjunto de aspectos bio-fisiológicos cambiantes, que diferenciam elementos da mesma espécie. Por exemplo, na espécie dos felinos ou dos caninos, temos as raças de gatos ou cães com aspectos bio-fisiologicamente variáveis, porém, isolados nas suas raças e reciprocamente hostis em ambientes comuns.

Seguindo esse raciocínio, continua:

Desde os anos de 50, após estudos realizados pela Organização das Nações Unidas, num empreendimento mundial desenvolvido por geneticistas, antropólogos, cientistas sociais, biológicos e biofisiologistas, o termo raça é considerado, ao menos sob o prisma científico, inaplicável a seres humanos. A conclusão destes estudos é de que os seres humanos formam um continuum de variações da aparência, no interior da mesma espécie, sem que estas variações afetem a possibilidade de convivência e reprodução de outros seres humanos.

 Esse foi o posicionamento segundo um entendimento biológico do tema, porém, como elemento normativo, Fabiano Augusto Martins Silveira (2007, p. 83-84) discorre:

 (...) a partícula raça  cumpre a função de detectar os grupos aos quais se aplicam os conectores preconceito e discriminação. Tem-se, com efeito, “preconceito de raça” e “discriminação de raça”. Vale dizer, preconceito e discriminação que recaem sobre determinadas parcelas pelo fato de serem apontadas como racialmente inferiores (ou simplesmente como raças). 

E continua:

 O essencial, portanto, para caracterizar o racismo (e a raça como sua idéia principal), memos do que as diferenças físicas e/ou culturais eventualmente existentes entre agrupamentos humanos, é a presença de um discurso racializante superficial, verificável do ponto de vista político-histórico e dotado de razoável repercussão social. Esse discurso, calçado no preconceito, é que grava grupos como raças, podendo ser reproduzido por falsas teorias, crenças, narrações místicas, propagandas, etc..

Por conseguinte, a palavra raça é substancializada no senso comum, num sentido profano, vulgar, permitindo aqueles grupos historicamente estigmatizados pelo preconceito e discriminação raciais.

  2. COR

 No Brasil, a cor da pele é considerada como critério para diferenciar a raça, subjetivamente, já que também pode variar de acordo com a aparência, tom da pele, segundo alguns estudiosos.

Darcy Ribeiro (2006,p.225) preceitua:

(...) a característica distintiva do racismo brasileiro é que ele não incide sobre a aorigem racial as pessoas, mas sobre a açor de sua pele. Nessa escala, negro é o negro retinto, o mulato já é o pardo e com tal meio branco, e se a pele é um pouco mais clara, já passa a incorporar a comunidade branca.”

E, com um outro tipo de percepção, Oracy Nogueira (1985, p. 88) expressa que no Brasil, a experiência decorrente do “problema da cor varia com a intensidade das marcas e com a maior ou menor facilidade que tenha o indivíduo de contrabalançá-las pela exibição de outras características ou condições – beleza, elegância, talento, polidez, etc.”

Pode ser entendido que no Brasil, dada a gradação do tom da pele (negro, moreno-claro, moreno-escuro, branco etc.), também pode se entender que o preconceito de cor incide sobre a diferença na matiz da pele, por exemplo, quanto mais clara a pele de um mulato, será enquadrado como branco, por outras pessoas ou até por ele mesmo.

Dessa forma, compreende Fabiano Augusto Martins Silveira (2007, p. 88)  que:

A partícula cor exerce, do ponto de vista legal, como elemento normativo dos crimes de racismo, a mesma função da raça, isto é, particularizar aqueles agrupamentos humanos corados pelo preconceito e discriminação (as pessoas de cor), ligando-se aos referidos conectores. Há, entre raça e cor, uma relação de especialidade, um plus, revelando que o legislador preferiu a abundância à escassez. O máximo que se pode afirmar é que a expressão “preconceito de cor” é utilizada, no senso comum, mais especificamente, para designar o preconceito dirigido à população afro-descendente, ou seja, como elemento caracterizador de uma manifestação particular do racismo, ainda que a expressão “preconceito de raça” seja potencialmente mais abrangente.

 

3. PRECONCEITO

 Segundo o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2009, p. 1380), preconceito significa:

1. Conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; ideia preconcebida; 2. Julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste; prejuízo; 3. Superstição, crendice, prejuízo; 4. Por extensão: suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc.

 O preconceito é dirigido contra a um indivíduo ou grupo de indivíduos, portanto, tem sempre um cunho negativo, ruim, grosseiro.

Define Christiano Jorge Santos (2001, p. 39) que “o preconceito representa uma ideia estática, abstrata, pré-concebida, traduzindo opinião carregada de intolerância, alicerçada em pontos vedados na legislação repressiva.”

Portanto, vale destacar que a simples elaboração intelectual do preconceito não presume crime, sendo necessária a exteriorização desse sentimento para punição do agente, ou seja, se for somente de foro íntimo, não cabe sanção, seja penal ou cível.

  

4. DISCRIMINAÇÃO

 Por discriminação tem-se o entendimento de diferenciação, distinção, restrição, dentre outros, e torna-se percebida quando ocorre a exteriorização de uma conduta.

Segundo entendimento de Walter Ceneviva[1],

 (...) o ato de discriminar consiste em ação dolosa do agente depreciando alguém, ao tratá-lo diferenciadamente, em função de sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A discriminação corresponde sempre a uma exteriorização intencional de vontade do agente, por ação ou omissão, recusando ou impedindo o exercício regular do direito pela pessoa discriminada.

 

Dessa forma, para efeito da atual Lei 7.716/89, deve-se ocorrer a segregação (negativa) dolosa, comissiva ou omissiva, a um indivíduo ou grupo de indivíduos, por pertencer a uma raça, cor, etnia, religião ou por sua procedência nacional, limitando, tolhendo ou atrapalhando o exercício de um direito regulamentado.

Vale insistir no entendimento de que a discriminação, portanto, só é factível quando algum direito destinado a todos não é observado para uma pessoa ou grupo de pessoas. Se a distinção for generalizada, não será discriminação, mas mera arbitrariedade.

 

 5. RACISMO

O racismo é definido, segundo o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2009, p. 1586) como “doutrina que sustenta a superioridade de certas raças.”

Norberto Bobbio, Gianfranco Pasquino e Nicola Matteucci expressam:

 Com o termo Racismo se entende, não a descrição da diversidade das raças ou dos grupos étnicos humanos, realizada pela antropologia física ou pela biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence, e, principalmente, o uso político de alguns resultados aparentemente científicos, para levar à crença da superioridade de uma raça sobre as demais. Este uso visa a justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que se consideram inferiores. 

Racismo, portanto, trata-se de uma doutrina sustentada pela ideia de que uma raça é superior à outra e que, assim o sendo, resulta na marginalização, segregação e separação de uma raça em detrimento de uma outra, por declarar-se superior. Conforme adota a Declaração Sobre Raça e os Preconceitos Raciais[2], em definição de racismo: 

 Art. 2º, item 2: O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas em preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as práticas institucionalizadas que provocam a desigualdade racial, assim como a idéia falaz de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente justificáveis; manifesta-se por meio de disposições legislativas ou regulamentares, e de práticas discriminatórias, assim como por meio de crenças e atos anti-sociais; obstaculiza o desenvolvimento de suas vítimas, perverte aqueles que o praticam, divide as nações me seu próprio seio, constitui um obstáculo para a cooperação internacional e cria tensões políticas entre os povos; é contrário aos princípios fundamentais do direito internacional e, por conseguinte, perturba gravemente a paz e a segurança internacionais.

 Embasado em tal definição, Hédio Silva Jr ((2002, p.35), conclui:

(...) podemos inferir que a expressão “prática do racismo”, por evidente, não exige que o agente possua destreza ou domínio científico ou retórico dos teoremas raciais, muito menos filiação de longa data ou engajamento político-ideológico às teorias raciais, tampouco que produza uma ação movida por ódio racial e que esta seja dirigida ao grupo racial no seu todo bastando que tal “prática” reflita o conteúdo nuclear da “ideologia”: uma prática baseada em critério racial, que tenha como finalidade ou efeito a violação de direitos.

Em conclusão, não pode fugir à observação do operador do direito o fato de que, na sua dimensão estritamente ideológica, sem que se exteriorize de algum modo, isto é, sem que se manifeste por meio de “práticas”, o racismo situa-se na esfera da consciência individual, bem jurídico inviolável, conforme insculpido na norma do artª 5º, VI, da Constituição Federal.

Alguns autores entendem que o racismo é espécie e o preconceito é gênero. Ainda citam que o legislador ao tratar de racismo, na verdade, queria tratar do preconceito. Por racismo, entende-se um preconceito que abrange a raça e no máximo, a cor das pessoas. O racismo não envolve preconceito de sexo, de estado civil ou de outra natureza.

Diante da Constituição tinha que vir a lei ordinária nº 7716/89, que fala em raça e cor. Essa lei pune expressamente o preconceito de raça e cor, embora, a princípio não se restringisse somente aos negros, conforme observaremos mais adiante.

                                           REFERÊNCIAS

 

BOBBIO, Norberto, PASQUINO, Gianfranco, MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de Política, 11. ed., Brasília: UnB, 1983.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p. 1.380

 SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de Preconceito e de Discriminação – Análise Jurídico-Penal da Lei 7716/89 e Aspectos Correlatos, 1º ed., São Paulo, Max Limonad, 2001

 SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do Racismo – Aspectos Jurídicos e Sociocriminológicos, 1º ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2006

SILVA Jr., Hédio. Igualdade Direito de Igualdade Racial, 1º ed, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002

 

[1] CENEVIVA, Walter. Preconceito e discriminação, Folha de São Paulo, de 31.05.1997, p. 2, c. 2

[2] Aprovada e proclamada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris em sua 20.º reunião, em 27 de novembro de 1978.