DECLARAÇÃO PRÉVIA DE VONTADE DO PACIENTE TERMINAL: Testamento Vital Maria Dulce C. Collares Moreira Thais Tavares Teixeira Anna Valéria Cabral Marques SUMÁRIO: Introdução; 1. Intervenção na morte: conceitos essenciais; 2. Possibilidade de inclusão do testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro: reconhecimento da declaração prévia de vontade do paciente terminal; 2.1. Conceitos básicos; 2.2. O atual regime jurídico brasileiro e internacional; 2.3. Instrumento garantidor da dignidade humana, qualidade de vida e autonomia privada e questões religiosas; Considerações finais. RESUMO O presente artigo tem por finalidade abordar a questão do testamento vital, como sendo a manifestação da vontade da pessoa em relação ao tratamento que deseja receber quando incapaz de expressá-la, ensejando debates de ordem de aceitação no ordenamento jurídico, de ordem constitucional quanto a princípios norteadores, sendo o principio da dignidade da pessoa humana e a autonomia privada os elencados, e de ordem religiosa quanto a questão da vida como sacralidade. Esclareceremos sobre o conceito do testamento vital e como deve ser utilizado, bem como dar uma especial atenção ao porque deve ser aceito e incluso em nosso ordenamento, permitindo ao individuo o direito de escolher as condições do seu final de vida. Palavras - chave: Testamento vital. Autonomia. Ordenamento Jurídico. INTRODUÇÃO 1. INTERVENÇÃO NA MORTE: CONCEITOS ESSENCIAIS De início ao trabalho, faz-se mister uma designação e diferenciação entre os conceitos a cerca do final da vida, de forma a introduzir o nosso assunto e obter alguns esclarecimentos. Dentre esses conceitos, trabalharemos aqui a eutanásia, a ortonásia, a distanásia, o cuidado paliativo, a recusa ao tratamento médico e a retirada de suporte vital, a não oferta de suporte vital e as ordens de não ressuscitação ou de não reanimação O vocábulo eutanásia, de acordo com Pessini, citado por Oliveira, vem a ser boa morte, é o ato do médico que “por compaixão, abrevia diretamente a vida do paciente com a intenção de eliminar a dor” (PESSINI, 2004, p.205 apud OLIVEIRA, 2012, p. 1014), nesse mesmo sentido, Singer, “morte daqueles que estão com doenças incuráveis e sofrem de angústia e dores insuportáveis, é uma ação praticada em seu benefício e tem por finalidade poupar-lhes a continuidade da dor e do sofrimento” (SINGIR, 2009, p. 185-186, apud OLIVEIRA, 2012, p. 1014). Quanto a ortanásia, Andréia Rocha explica que este termo significa “limitação médico - terapêutica”, sendo um ato médico de “não oferecer ou retirar recursos terapêuticos considerados desproporcionais ou extraordinários” (ROCHA, 2011, p.17), assim, uma limitação aos recursos médicos que apenas prolongam o processo da morte, quando o paciente já não pode mais obter a cura. A autora continua, apontando uma diferenciação entre a ortanásia e a eutanásia passiva, sendo que esta busca uma abreviação no processo da morte, de forma a dar fim ao sofrimento do enfermo através da “omissão ou suspensão de medidas médicas”, e aquela inclina-se a “impedir o prolongamento artificial da vida do enfermo, optando-se pela abstenção de medidas com o intuito apenas de prolongar o tempo de vida artificialmente, sem melhorias para a existência” (ROCHA, 2011, p.18). No concernente à distanásia, Barroso (2010, p. 23) elucida ser a tentativa de “retardar a morte o máximo possível, empregando, para isso, todos os meios médicos disponíveis, ordinários e extraordinários ao alcance, proporcionais ou não, mesmo que isso signifique causar dores e padecimentos a uma pessoa cuja morte é iminente e inevitável”. Percebemos que diferente dos demais que visam evitar ao padecimento do paciente e a exposição a tratamentos que à altura já são ineficazes a cura, esta modalidade aponta exatamente o contrário, ou seja, um prolongamento da vida de um paciente que já não tem mais chance de cura; na nossa concepção é provocar um sofrimento sem fim ao paciente, pois se dá a este uma morte lenta, ou nas palavras de Barroso, citando Pessini: “não se prolonga a vida propriamente dia, mas o processo de morrer” (PISSINI, 2001, p.30 apud BARROSO, 2010, p. 24). Os cuidados paliativos, de acordo com o conceito acolhido pela Organização Mundial de Saúde, vem a ser a abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e do alívio do sofrimento com meios de identificação precoce, avaliação correta, tratamento da dor, e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual (VIEIRA, 2009, p. 274 apud OLIVEIRA, 2012, p. 1025). É deste modo, um cuidar daquele paciente não um curar, é realizar cuidados que o deixem de maneira mais confortável “à espera da morte”, realizando higienização, visitas de psicólogos de modo a trabalhar o psicológico daquele paciente e também de seus familiares e um alívio a dor física através de medicamentos. Existem princípios acerca dos cuidados paliativos e estes foram descritos por Damião Oliveira (Revista Psique Ciência e Vida, 2010, p. 1-16 apud OLIVEIRA, 2012, p. 1026): 1. Respeitar a dignidade e autonomia dos pacientes; 2. Honrar o direito do paciente de escolher entre os tratamentos, incluindo aqueles que podem ou não prolongar a vida; 3. Comunicar-se de maneira clara e cuidadosa com os pacientes, suas famílias e seus cuidadores; 4. Identificar os principais objetivos dos cuidados de saúde a partir do ponto de vista do paciente; 5. Prover o controle impecável da dor e de outros sintomas de sofrimento físico; 6. Reconhecer, avaliar, discutir e oferecer acesso a serviços para o atendimento psicológico, social e questões espirituais; 7. Proporcionar o acesso ao apoio terapêutico, abrangendo o espectro de vida através de tratamentos de final de vida que proporcionem melhora na qualidade de vida percebida pelo paciente, por sua família e seus cuidadores; 8. Organizar os cuidados de modo a promover a sua continuidade ao paciente e sua família, sejam eles realizados no hospital, no consultório, em casa ou em outra instituição de saúde; 9. Manter uma atitude de suporte educacional a todos os envolvidos nos cuidados diretos com o paciente. A recusa ao tratamento médico, segundo Barroso (2010, p. 25) consiste na negativa de começar ou manter o tratamento médico; “após o devido processo de informação, o paciente - ou seus responsáveis - decide se deseja ou não iniciar ou continuar tratamento médico”. Esse processo segundo o autor culmina na assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e essa recusa pode ser ampla ou estrita, pelos pacientes que ainda tem a possibilidade de recuperação ou pelos que já não a tem. Por último, a retirada de suporte vital (RSV), a não oferta de suporte vital (NSV) e as ordens de não ressuscitação ou de não reanimação (ONR), merecem as considerações de Barroso: São partes integrantes da limitação consentida de tratamento. A RSV significa a suspensão de mecanismos artificiais de manutenção da vida, como os sistemas de hidratação e de nutrição artificiais e/ou o sistema de ventilação mecânica; a NSV, por sua vez, significa o não emprego desses mecanismos. A ONR é uma determinação de não iniciar procedimentos para reanimar um paciente acometido de mal irreversível e incurável, quando ocorre parada cardiorrespiratória (BARROSO, 2010, p. 26). Todas essas situações, levam a um desacerto entre a ética médica, a autonomia do paciente, às questões morais familiares e religiosas e o ordenamento jurídico brasileiro, sendo um tema central no nosso trabalho saber se esse paciente, principalmente o terminal, tem a autonomia de poder morrer, de não mais querer se submeter ao sofrimento de tratamentos sem fim e que não farão o milagre da cura, envolvendo principalmente a questão do princípio da dignidade da pessoa humana, levando a crer que se o paciente tem direito a uma vida digna, tem o direito a morrer da mesma maneira dignamente, sem um prolongamento do sofrimento. Com essas considerações, que passamos ao tema central do trabalho, o testamento vital, compreendendo esses questionamentos e outros mais. 2. POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DO TESTAMENTO VITAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: Reconhecimento da declaração prévia de vontade do paciente terminal 2.1 Conceitos básicos 2.2 O atual regime jurídico brasileiro e internacional 2.3 Instrumento garantidor da dignidade humana, qualidade de vida e autonomia privada e questões religiosas Considerando a questão da morte em pacientes terminais, levanta-se o princípio da dignidade da pessoa humana, só que, esse princípio, pode ser levantado tanto a favor como contra o testamento vital, tendo em vista as idéias de autonomia e heteronomia e Barroso as diferencia. Segundo o autor, a dignidade como autonomia é como poder individual, sendo um fundamento aos direitos humanos e fundamentais e envolvendo primeiramente “a capacidade de autodeterminação, o direito de decidir os rumos da própria vida e de desenvolver livremente a própria personalidade”, temos um “sujeito moral capaz de se autodeterminar, traçar planos de vida e realizá-los; desse modo, “decisões sobre a própria vida de uma pessoa, escolhas existenciais sobre religião, casamento, ocupações e outras opções personalíssimas que não violem direitos de terceiros não podem ser subtraídas do individuo, sob pena de se violar sua dignidade” (BARROSO, 2010, p. 40-41). Temos assim uma valorização da liberdade do individuo sobre a sua própria vida, sendo um argumento aceitável quanto a querer ter o direito de não mais viver. Quanto a dignidade como heteronomia, Barroso compreende ser como uma força externa ao individuo, tendo em conta padrões civilizatórios vigentes, “abrangendo conceitos jurídicos indeterminados como bem comum, interesse público, moralidade ou a busca do bem do próprio individuo”. O autor continua alocando que “sustentar que todos os pacientes terminais e seus familiares estão destituídos de capacidade para tomar decisões referentes aos tratamentos médicos que serão ou não realizados, toma uma não utilização da dignidade como autonomia “, assim, é simplesmente impor que essa pessoa não tem o direito de não querer mais viver, sem ao menos saber o caso concreto, levando-se em conta apenas a questão dos valores da sociedade. Costa e Thebaldi (2010), afirmam que esse principio da dignidade, deve ser entendido conjugado com o da autonomia e para definição deste, citam Godim: Uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação. Respeitar a autonomia é valorizar a consideração sobre opiniões e escolhas, evitando, da mesma forma, a obstrução de suas ações (...) demonstrar falta de respeito para com o agente autônomo é desconsiderar seus julgamentos, negar ao individuo a liberdade de agir com base em seus julgamentos, ou omitir informações necessárias para que possa ser feito um julgamento, quando não há razoes convincentes para fazer isto (GODIM, 2000 apud COSTA; THEBALDI, 2010). As autoras continuam, argumentando que no caso de um paciente terminal, que já está em estado de inevitabilidade da morte, o fato de poder intervir na sua morte é um papel de respeito a sua autonomia e dignidade, é assim, pedir que respeitem essa vontade dele; morrer com dignidade seria “ter a possibilidade de viver seus últimos momentos decidindo sobre quais os meios e métodos serão aplicados em seu tratamento”, os médicos podem ter o conhecimento de aplicar tratamentos quando necessário, mas o doente, tem a sua autonomia de “escolher sobre qual procedimento quer se submeter”, tendo em vista que “meios que apenas prolongam a vida, no entanto sem qualidade, podem não ser de seu interesse” (COSTA; THEBALDI, 2010). Dessa maneira, entendemos que uma “ofensa” não é uma pessoa querer não mais ser submetida a tratamentos, mas sim obrigar esse paciente a ser submetido a uma infinidade de tratamentos que não mais mudarão o seu destino, apenas alongando o sofrimento do paciente e da própria família, que se vê angustiada com o sofrimento de seu ente querido, sendo que ele próprio quer aceitar o fim de sua vida e ter o direito a deixar escrito que caso chegue ao ponto de não mais conseguir se manifestar, não sejam utilizados tratamentos que não queira, que a sua vontade seja respeitada. O testamento vital, assim, é um instrumento que vai garantir ao paciente a sua autonomia de pode morrer dignamente e não sendo obrigado a enfrentar tratamentos que apenas prolongarão o sofrimento. Quanto às questões religiosas, o embate vem quanto a santidade da vida, tendo em vista que para alguns “por ser um resultado de um sopro divino só pode ser retirada por disposição do criador” e para outros, “ a vida pertence a cada um com total e irrestrito poder de disposição, inclusive na decisão de quando e como morrer” (AMARAL; PONA, 2008). Quanto a essa sacralidade da vida, os autores citam Leo Pissini (PESSINI, 1995, p. 265 apud AMARAL; PONA, 2008). : A ética da sacralidade da vida utiliza um discurso parentético [exorta algo que é conhecido e intelectualmente claro]. A vida é considerada propriedade de Deus, dada ao homem para administrá-la. É um valor absoluto que só a Deus pertence. O ser humano não tem nenhum direito sobre a vida própria e alheia. As exceções no respeito à vida são concessões de Deus. O princípio fundamental é a da inviolabilidade da vida Os autores continuam, abordando que Pessini informa também que existem os que entendem diferente, de modo que a vida seja sim um dom recebido mas que “fica a disposição do individuo, com a tarefa de valorizá-lo qualitativamente. O ser humano é o protagonista, e o principio fundamental é o do valor qualitativo da vida”. Dessa maneira, fica notório que a igreja é contra a essa escolha do momento de morrer, assim, o paciente não poderia dispensar tratamentos, mesmo que significasse que estes não irão mais surtir efeito quanto à cura, ou seja, mesmo que em estado terminal. Nesse mesmo sentido entende a doutrina espírita, cujo livro dos espíritos diz: No Livro dos espíritos, os espíritos afirmam que “é sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência”, citado por um grupo espírita e a visão deste sobre o assunto, é nesse sentido de negativa ao dispor da própria vida negando-se a tratamentos: Esse ato abrevia o sofrimento de hoje, mas acarreta sofrimentos até maiores a esses espíritos ao longo de sua caminhada evolutiva e contradizem, se for o caso, o respeito dessas pessoas às leis de Deus. Nós, espíritas, temos a consciência de que a eutanásia não é um alívio. Pelo contrário, é o início de grande sofrimento para esse espírito Dessa maneira, ambas as religiões condenam por ser a vida algo que apenas Deus pode tirar, sendo que os espíritas entendem que isto refletirá inclusive em sua evolução, tendo em vista que se passa na Terra, são conseqüências e provas que esses espíritos estão destinados a passar, de maneira a alcançar mais um estágio de evolução, podendo a até pelo livre arbítrio determinar os fatores que influenciarão em uma vida mais longa ou curta mas nunca dar termo a sua vida, até mesmo porque os adeptos acreditam que Deus é maior do que a ciência, sendo esta cheia de possíveis erros e que não pode afirmar que a hora daquela pessoa tenha chegado. No mais às questões religiosas, acreditamos que nenhum ser humano precisa estar preso em virtude da sacralização a ficar contra sua vontade ligado a aparelhos e passando por tratamentos inúteis que apenas prolongam uma vida de sofrimento pessoal e familiar, mas não descartamos a intervenção divina como sendo maior que tudo, uma pessoa pode não querer passar por esse sofrimento, mas pode sua fé também intervir na situação. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS AMARAL, Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do; PONA, Éverton Willian. Autonomia da vontade privada e testamento vital: a possibilidade de inclusão no ordenamento jurídico brasileiro. Revista do Direito Privado da UEL, v. 1, n. 3, set./dez. 2008. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2013. BARROSO, Luís Roberto. A morte como ela é: dignidade e autonomia individual no final da vida. Revista da EMERJ, v. 13, n. 50, p. 19- 63, 2010. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-jul-11/morte-ela-dignidade-autonomia-individual-final-vida>. Acesso em: 07 mar. 2013. COSTA, Caroline Amorim; THEBALDI, Isabela Maria Marques. O testamento vital e a possível validade no direito brasileiro. Revista Eletrônica Jurídica da FUPACTO- Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, v. 1, n.1, Minas Gerais, p. 108- 119, ago/dez. 2010. Disponível em: < http://unipacto.com.br/revista2/arquivos_pdf/revista_eletronica_fupac_revisada.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2013 OLIVEIRA, Damião Alexandre Tavares. Dignidade da pessoa humana, cuidados paliativos e ortanásia: a visão de um juiz. Revista do Instituto do Direito Brasileiro (RIDB), p.1013- 1042, ano 1, nº 2, 2012. Disponível em: . Acesso: 10 mai. 2013. ROCHA, Andréia Ribeiro da. Análise bioética da percepção de um grupo de profissionais da classe médica acerca da declaração prévia de vontade do paciente terminal. 2011. Graduação (bacharel em ciências biológicas) - Faculdade de Biociências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2013.