DECISÃO COLEGIADA EM JUÍZOS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA: atraso no tempo processual ou maior segurança para os juízes? [1]

 

 

Márcia F. Brito Dourado[2]

Tassia Monayne Duarte de Melo[3]

Sumário: Introdução; 1. Os princípios processuais penais; 2. A segurança física dos magistrados em decorrência das sentenças proferidas; 3. A decisão colegiada e a celeridade do processo; Considerações Finais; Bibliografia.

 

 

RESUMO

O presente artigo visa tratar da Lei nº 12.694/2012 que regulamenta a possibilidade de o juiz singular, que julga processo de organização criminosa, realizar convocação de mais dois magistrados para realização de qualquer ato processual. Analisaremos no que concerne a essa convocação se esta poderá acarretar em prejuízos temporais para o processo. Observaremos quanto à segurança física do juiz, como esta é tratada e que nova leitura a ela é dada, posto que a lei promulgada aparenta dar mais segurança aos magistrados, ao passo de que o réu não saberá de quem partiu a decisão a ele proferida por tratar-se se hipótese de decisão colegiada.

PALAVRAS-CHAVE: PROCESSO PENAL – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – LEI Nº 12.694/2012 – ATOS PROCESSUAIS

 

 

INTRODUÇÃO

Partilhamos do convívio de uma sociedade em que encontramos criminosos que possuem conduta extremamente violenta quando contrariados. Tal aspecto é mais proeminente ao observarmos com olhos críticos e imparciais o comportamento daqueles que integrantes de organizações ou facções criminosas são condenados a cumprir penas das quais perdem sua liberdade de ir e vir e passam a ser vigiados dentro de complexos penitenciários. Por comporem uma organização que dificilmente serão pequenas, tais criminosos contam com a ajuda dos outros integrantes fora dos presídios.

Essa ajuda exterior pode colocar em risco a vida daquele magistrado de primeira instância, que nem sempre recebe a devida e incessante proteção do Estado. Magistrados que condenam criminosos, em especial àqueles de organizações criminosas comumente recebem ameaças com o fim de fazê-los mudas o posicionamento pronunciado na sentença.

Fornecer o artifício de ocorrer determinados atos processuais  realizados por um colegiado em primeira instância sobre os crimes cometidos por integrantes de organização criminosa, traz uma segurança para o juiz. Mas, fica a dúvida se o tempo processual será o mesmo. Se tal lei ao beneficiar o juiz, não implicará em prejuízo à celeridade do processo.

Para efeitos de elaboração deste trabalho entende-se que a organização criminosa tratada na Lei nº 12.694/2012 corresponde ao crime de formação de quadrilha ou bando tipificado no artigo 288 do Código Penal Brasileiro vigente.

  1. 1.                  OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS

A edição da Lei 12.694/2012 que permite a formação de uma espécie de colegiado no âmbito do juízo de primeira instância, formado por juízes de primeiro grau de jurisdição com a finalidade específica de julgar crimes executados por organização criminosa, tem sofrido várias críticas por parte da doutrina, pois suprimiria algumas garantias constitucionais importantes que compõe o sistema penal brasileiro.

A lei foi sancionada aproximadamente um ano após a exposição midiática do assassinato da juíza Patrícia Acioli, e em resposta a pressão externa geradas em ocasião das denúncias de supostas ameaças recebida por pelo juiz Paulo Augusto Moreira Leite e pela procuradora Léa Batista que atuaram no processo que levou a prisão do traficante Carlinhos Cachoeira.

Contudo, a lei, no âmbito doutrinário, é conhecida por desconstituir a identidade do juiz e caracterizar a figura do juiz sem rosto. Aprioristicamente no art. 6º, onde está previsto que no momento da declaração das sentenças não ficará contida nenhuma menção ao voto divergente, a doutrina acusa a lei de ferir o direito de o réu ter ciência dos argumentos que fundamentaram a decisão que repercutirá diretamente na sua vida de forma integral.

As medidas assecuratórias tomadas pela lei violariam o princípio da publicidade, ao suprimir o direito de uma das partes e também de toda comunidade de fiscalizar a atividade jurisdicional. Segundo Renato Brasileiro:

O princípio da publicidade traduz-se na garantia do acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo revela uma clara postura democrática, e tem como objetivo precípuo assegurar a transparência da atividade jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comunidade (grifos nossos. 2012).

           

Para Luigi Ferrajoli a publicidade é mecanismo que:

[…] assegura o controle tanto interno co, externo da atividade judiciária. Com base nela os procedimentos de formulação de hipóteses e de averiguação da responsabilidade penal devem desenvolver-se à luz do sol, sob o controle a opinião pública e, sobretudo do imputado e do defensor. Trata-se de um requisito seguramente mais elementar e evidente do método acusatório (FERRAJOLI, 2006).

E é neste ponto que é questionado a legitimidade do disposto no Art. 1º, §§ 2º e 6º. Em face do princípio da publicidade. A respeito das hipóteses de restrição a publicidade dos atos processuais, Renato Brasileiro leciona:

segundo o art. 5º, inc. LX, da Carta Magna, a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social exigirem. De modo semelhante, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos também prevê que “o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário ao interesse da justiça” (Dec. nº 678/1992, art.8º, §5º). (BRASILEIRO, 2012)

Outra questão que vem sendo enfrenta pela lei é divergência quanto ao principio do juiz natural:

O princípio do juiz natural deve ser compreendido como o direito que cada cidadão tem de saber, previamente, a autoridade que irá processá-lo e julgá-lo caso venha a praticar uma conduta definida como infração penal pelo ordenamento jurídico. Juiz natural, ou juiz legal é aquele constituído antes do ato delituoso a ser julgado, mediante regras taxativas de competência estabelecidas pela lei (BRASILEIRO, 2012).

De uma análise imatura é possível que pode ser compreendida da lei uma fuga do princÍpio do juiz natural, afinal ela prestigia a figura do juiz sem rosto, o qual não pode ser identificado. Além disso, prevê a formação de um órgão julgador que poderá ser formado exclusivamente para julgar um crime. Supostamente um claro indício de formação de tribunal de exceção, contrariando assim a Carta Magna Brasileira em seu art. 5º, XXXVII, onde fica proibida a criação de tribunal de exceção. E tratados e convenções internacionais, dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Dec. nº 678/1992, art.8º, nº1) e o art. 9º e art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovada na Assembleia Geral da ONU, realisado em Nova York em 16 de dezembro de 1996.

Porém, em uma análise mais densa pode extrair que a concessão para formação de colegiado que lei não apronta o princípio do juiz natural porque o juízo que irá julgar já é constituído antes de ocorrer o crime. Isto é, todos os juízes competência criminal de primeiro grau de jurisdição ficam alertados que podem ser sorteados para compor um colegiado sempre que um colega magistrado se sentir a necessidade, como forma de tentar preservar e proteger a integridade do magistrado. Ademais, a formação do colegiado em primeira instância não é uma imposição legal, o qual tem que obrigatoriamente ser formado quando ocorrer o crime provindo de organização criminosa, é uma medida facultativa que foi permitida ao juiz sempre que ele se sentir intimidade no exercício de sua atividade jurisdicional.

     Muitos afirmam que a personalização é um elemento intrínseco do uso da toga. A identidade física do juiz seria inafastável e se expressaria na vinculação da pessoa magistrado aos processos que teve a fase instrutória iniciado por ele. A Lei 11.719/2008 ao CPP, no art. 399, § 2º, estabelece que essa vinculação se desse de forma obrigatória, logo uma vez iniciado um processo por determinado juiz, este mesmo teria que encerrá-lo, não sendo admitido que o trabalho seja sentenciado por outro magistrado. A crítica a esse respeito reside no fato que os juízes que irão participar do proferimento da sentença não terem várias fases do processo, e mesmo assim suas decisões serem fundamentais. E ainda não serem divulgados os votos divergentes poderia cercear a possibilidade de ampla defesa do réu.

O princípio da identificação física do juiz está assegurado porque o mesmo juiz acompanha todo o processo, do começo ao fim, e ele só poderá pedir que o colegiado seja formado quando por motivo do exercício da função se sentir em risco. Bem como estabelece o Art. 9º, da mesma lei.

O art. 93, IX, da CF em conjunto com o  art. 381 do CPP declara que a decisões judiciais precisam obrigatoriamente virem acompanhadas de motivação, isso significa que esta regra irá se construir enquanto atributo constitucional em âmbito processual. Esta medida bloqueia a possibilidade que o Poder Judiciário tome decisões arbitrárias. Este princípio expressa a participação igualitária das partes e democrática a toda a sociedade na busca e fiscalização dos pronunciamentos judiciais, da oportunidade de poder contestá-lo ou impugná-los, e ainda permite a verificação magistrados que figuram bons aplicadores do
direito, que vislumbra mais que mera subsunção do fato á norma, e sim desejam proferir sentenças que sejam justas.

E é exatamente neste ponto que a Lei 12.694/2012 apresenta seu ponto mais controvertido, pois como poderá o réu, impugnar dos todos os argumentos que achar contestáveis se a motivação da decisão que o julgou não é divulgada integralmente? Na verdade isso configuraria uma restrição ao princípio da ampla defesa do réu. Portanto, o “joio” dessa lei estaria contido no §6º que disciplina que as decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro. E, ao meu ponto de vista, essa divergência poderia ser suprida pela divulgação do voto divergente, a ressalva seria em não divulgar o nome do magistrado que proferiu o voto, ficando subentendo que um daqueles magistrados participante do colegiada o preferiu, mantendo o objetivo protetivo do juiz. Além disso, trazer o voto divergente a luz, possibilita que o réu impugne ou aluda o voto vencido em um possível futuro recurso.

  1. 2.                  A SEGURANÇA FÍSICA DOS MAGISTRADOS EM DECORRÊNCIA DAS SENTENÇAS PROFERIDAS

A segurança física dos juízes somente é levada em conta na maioria das vezes quanto àqueles que trabalham em varas criminais. E por tratarem com pessoas de índole duvidosa, tais juízes acabam que por receber “certa” proteção do Estado que é maior em relação aos juízes que têm o seu trabalho realizados em varas de outras naturezas (Ex.: Varas Cíveis, de Família, de Cartas Precatórias)[4].

Torna-se ainda mais nítida essa proteção ao realizar a leitura da lei que inspira este artigo, a Lei nº 12.694/2012, no que tange à referência dada à nova forma de procedimento para cumprimento de atos processuais quando se tratar de organização criminosa.

Art. 1o  Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:

I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;  

II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;  

III - sentença;  

IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;  

V - concessão de liberdade condicional;  

VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e  

VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.  

§ 1o  O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.

§ 2o  O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.  

§ 3o  A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado.  

§ 4o  As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.  

§ 5o  A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.  

§ 6o  As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.  

§ 7o  Os tribunais, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a serem adotados para o seu funcionamento.  

Art. 2o  Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.  

Art. 3o  Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente:  

I - controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais;  

II - instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes;  

III - instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.  

Tal lei permite ao meritíssimo que no decorrer dos atos processuais praticados por ele, referentes ao processo julgador de organização criminosa, que convoque mais dois juízes com o fim de realizar determinado ato processual em colegiado, e sobre o conteúdo da decisão tomada por unanimidade ou maioria dentre os três, os réus não saberão de quem partiu a decisão. Assim, se mantém o voto como secreto e juiz responsável pelo processo “estaria” isento de forma teórica de provável represália que possa partir daquela organização criminosa afetada pela conduta estatal realizada por meio do juiz.

Beneti ensina que “a magistratura nos tempos modernos, tem de se adaptar à realidade à pletora de processos (2003. p. 10)” e que podemos dividir o exercício da magistratura em dois tipos de processo, a magistratura em massa e a artesanal, nos interessa neste momento a artesanal.  Na qual representa

a magistratura do caso concreto, do caso único, especial, determinado, cujos pormenores temos que verificar passo a passo, ponto por ponto, ao sabor das dificuldades e angústias dos singulares casos marcantes, que se destacam do volume geral de processos (BENETI, 2003. p. 10).

Dentro do conceito de magistratura artesanal é que a maioria dos processos de organização criminosa é (deve ser) analisada. Tendo em vista que por tratar-se de conduta criminosa que envolve diversos agentes, pois para configurar tal crime é necessário o concurso de mais de três pessoas. O processo em geral é (deve ser) minucioso ou demorado, podendo tratar-se de uma quadrilha de formação simples ou um forte esquema criminoso envolvendo inúmeros agentes do crime dispostos em diversos locais com condutas previamente estabelecidas e valores altos em questão, o que não é raro.

Hungria define que o crime de quadrilha ou bando (organização criminosa) é uma reunião estável ou permanente (que não significa perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes. A nota da estabilidade ou permanência da aliança é essencial (apud GRECO, 2011. p. 809).

A posição do Superior Tribunal de Justiça quanto à formação de quadrilha ou bando é a seguinte:

PARA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE QUADRILHA, BASTA EXISTIR  A PROPÓSITO DE ASSOCIAÇÃO DO AGENTE AO GRUPO CRIADO COM A FINALIDADE DE PRÁTICA DE CRIMES, SENDO DESNECESSÁRIO ATRIBUIR-LHES AÇÕES CONCRETAS (STJ, RHC 7.363/RJ, REL. ANSELMO SANTIAGO, J. 7/5/1998).

Faz-se necessário explanar acerca do que é entendido sobre o crime para que haja a compreensão concreta que uma organização criminosa é de fato organizada. De que, os agentes inseridos no contexto são cientes do que fazer e por isso podemos dizer que a organização criminosa é um grupo fechado, que se protege como achar melhor e contra quem os atingir de forma a “prejudicá-los”. “Existem casos em que os inimigos da magistratura independente agem abertamente contra ela” (DALLARI, 2007. p. 47).

E que como manda a lei deve haver publicidade nos atos processuais, pondo em risco a vida pessoal do magistrado que não deveria se confundir com o exercício da função.

Podemos afirmar que o princípio em tela (publicidade dos atos processuais) é compatível com o sistema acusatório adotado hodiernamente, pois não há como estabelecermos um processo legal com o chamado  actum trium personarum sem a publicidade dos atos que lhe são inerentes (RANGEL, 2012. p. 14).

É dever do juiz tornar público os atos processuais, sendo que com o advento da nova lei aos magistrados de primeira fora concedida uma “certa proteção” em relação a atos processuais concernentes a julgado de organizações criminosas em poderão fazer uso da figura do juiz sem rosto. Pois

para que o Poder Judiciário garanta os direitos  e realize a justiça é necessário que ele seja materialmente bem aparelhado, mas isso não é o suficiente, sendo extremamente relevante que os juízes tenham preparo adequado  e sejam conscientes de suas responsabilidades. Mas, além disso, (sic) tudo e como requisito prévio e essencial é indispensável que a magistratura seja independente (DALLARI, 2007. p. 46).

Com a lei em ascensão dar-se-á nova proteção aos magistrados, é garantida a publicidade dos atos processuais, será exercida a imparcialidade do juiz. Isso já está entendido, mas e quando ao tempo de duração do processo? Como se dará a duração do processo com essa nova figura presente nos atos processuais?

  1. 3.                  A DECISÃO COLEGIADA E A CELERIDADE DO PROCESSO

 

A sociedade atual é regida pelo tempo, onde a velocidade é a força motriz que estabelece o fluxo das relações no mundo de hoje. Como já dizia Cazuza “o tempo não pára”, “e nessa incessante corrida, o tempo rege nossa vida pessoal, profissional e, como não poderia deixar de ser, o próprio direito” (AURY LOPOES JR, 2012).

Uma frase muito comum nos países capitalistas é “tempo é dinheiro”, mas, o que é consenso em todo o mundo é que tempo é o espaço onde constitui a vida. Em consideração a duração do tempo que se realiza um processo penal, o tempo do qual se refere é o tempo que o réu deve aguarda para que possa tomar conhecimento de quanto tempo de vida lhe será privada a liberdade ou restringido um direito.

Em relação ao tempo de andamento do processo destaca Aury Lopes Jr:

o processo não escapa do tempo, pois ele está arraigado na sua própria concepção, enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são realizados numa determinada temporalidade. O tempo é elemento constitutivo inafastável do nascimento, desenvolvimento e conclusão do processo, mas também na gravidade em que são aplicadas as penas processuais, potencializadas pela (de)mora jurisdicional injustificada (AURY LOPES, 2012).

A Lei nº 12.694/2012, além das duras críticas que recebe em função dos questionamentos se ela violaria princípios do direito penal; outra divergência que pode ser observada é quanto à desaceleração ao andamento normal do processo.

Nesse ponto, dois aspectos importantes podem ser verificados; o primeiro diz respeito ao andamento do próprio processo para o qual se convocou o colegiado. Pois nesse processo no lugar de ser colhido apenas o parecer do juiz responsável pela vara onde ocorreu o crime, é preciso que seja despendido tempo para que seja colhido o parecer dos outros magistrados, que necessitarão de ainda mais tempo pra que possam analisar satisfatoriamente os autos processuais e conseguirem formar sua cognição a respeito do caso debatido. Uma vez que não participaram da fase instrutória, da produção de provas e das audiências.

Outro viés desta lei é uma exceção ao principio da improrrogabilidade da jurisdição, uma vez que feito o sorteio dos nomes dos juízes que irão compor o colegiado, e juntamente com o juiz natural irão exercer atividade jurisdicional em jurisdição que não é a sua. Por essa lógica, podemos concluir que a lei permite uma invasão passiva da territorialidade de jurisdição que o juiz natural consente ao juiz sorteado para que ocupe naquela ocasião e exclusivamente para aquela finalidade, que seja o auxilio na produção da decisão dos crimes praticados por organizações criminosas ocorrido na vara pela qual é responsável, exercer atividade jurisdicional.

Quando um juiz assume a responsabilidade de realizar atividade jurisdicional em outra vara que não seja a sua, mesmo que pelo curto lapso temporal deixa de dar provimento ás próprias demandas de sua vara, ou seja, contribui para o engarrafamento do trânsito dos processos que tinha que resolver, mas não o fez em virtude da tarefa extra prestada em outra jurisdição.

Nesse sentido, a Lei nº 12.694/2012 acaba comprometendo a devida celeridade do processo e violando o direito do réu de ser julgado em um prazo razoável (art. 5º, LXXVII, CF). A respeito do prolongamento do processo penal leciona AURY LOPES JR que “a perpetuação do processo penal, além do tempo necessário para assegurar seus direitos fundamentais, se converte na principal violação de todas e de cada uma das diversas garantias que o réu possui”. Em outra passagem AURY valendo-se do pensamento de BECCARIA afirma:

Demonstrava (Beccaria) a preocupação com a (de)mora judicial, afirmando que, quanto mais rápida for a aplicação da pena e mais perto estiver do delito, mais justa e útil ela será. Mais justa porque poupará o acusado do cruel tormento da incerteza, da própria demora do enquanto pena ( LOPES, 2012).

O processo deve observar aos requisitos legais e não deve ser negligenciado seu tempo em andamento. O juiz deve ser imparcial e seguir o que diz a legislação, e a lei em discussão pode alterar um pouco o tempo processual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Destarte, a partir do estudo realizado para elaboração deste artigo, entende-se que, a Lei nº 12.694/2012 ascende como medida protetiva de emergência quanto à segurança física dos juízes de primeiro grau. Percebe-se que com o apelo midiático à crimes cometidos contra juízes o legislador teve pressa em elaborar qualquer norma que abrandasse o anseio publicitário em maximizar situações decorrentes da violência sofrida por magistrados responsáveis por julgamentos de organizações criminosas que demonstram frieza e sede de vingança quanto aos juízes que proferem decisões desfavoráveis aos integrantes dessas redes criminosas organizadas.

Entretanto a conduta do legislador não foi atenta à todas as consequências decorrentes da lei editada. Em geral o que acontece é isto. A mídia ou população pressiona o legislativo que age, porém sua ação nem sempre é coerente por tratar-se ação apressada sem atentar-se para todos os detalhes.

A lei federal poderá alterar o tempo do processo, mas ela vem com o intuito de garantir maior proteção ao magistrado que em decorrência do processo que tem nas mãos sente sua segurança física e para além do cargo ocupado, está ameaçado. A lei abrange principalmente aqueles juízes que estão efetivamente ameaçados. Ou seja, protege em tese àqueles que sofreram ameaças reais e fictas. Os que recebem ameaças e os que temem pela sua vida.

BIBLIOGRAFIA

 

 

BENETI, Sidnei Agostinho. Da conduta do juiz. ed. 3 rev. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

DALLARI, Dalmo de Abreu.  O poder dos juízes. ed. 3. rev. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. ed. 5. Niterói, RJ: Impetus, 2011.

 

IBCCRIM. Lei do juiz sem rosto viola garantias constitucionais. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/site/noticias/conteudo.php?not_id=14068. Acesso em: 11 de out de 2012.

 

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. v. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

 

LOPES JR. Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

RANGEL, Paulo.  Direito Processual Penal. ed. 20. São Paulo Atlas, 2012.

 

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006.

 


[1] Trabalho apresentado à disciplina de Direito Processo Penal I ministrada pelo Professor Cleopas Isaías Santos para obtenção de nota.

[2] Acadêmica do 6º período de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[3] Acadêmica do 6º período de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[4] Tal conclusão é facilmente perceptível com a observação do comportamento dos juízes do Fórum Desembargador Sarney Costa, em que juízes de varas criminais transitam nas dependências do Fórum acompanhado de policiais armados, enquanto que os demais juízes não recebem o mesmo tratamento.