Decifrando Antonin Artaud
Publicado em 06 de setembro de 2009 por Jeanette Soares
A obra "Antonin Artaud Teatro e Ritual" (de Cassiano Quilici) esclarece as relações teóricas nas quais o pensamento artaudiano está inserido.
Compreendemos a profundidade de suas reflexões na medida em que lemos o que está subentendido.
Artaud dialogou com uma produção intelectual relevante e foi precursor, por exemplo, de algumas temáticas desenvolvidas por Foucault.
Quilici eleva Artaud a uma dimensão teórica digna do autor do Teatro da Crueldade. Chama a atenção para as relações com o romantismo e o surrealismo, a filosofia e a antropologia. Faz contracenar com pensadores e artistas, multiplicando assim, as possibilidades de leitura de suas proposições.
O Teatro Ritual de Artaud tem como meta uma transformação do teatro, mas também pretende uma ação cultural de largo alcance.
Artaud não aceita a forma como o teatro se desenhou a partir da Renascença, caracterizando-o como um teatro psicológico.
Questiona o lugar do teatro na cultura e o lugar da cultura na vida contemporânea.
Para desenvolver uma nova concepção cultural, acaba por mergulhar nas formas pré-renascentistas e nos rituais primitivos.
Mas Artaud não quer cair na armadilha da palavra e do discurso. Mais que um falar sobre, o que pretende é propiciar uma experiência do sagrado por meio da magia e da alquimia. Dirige-se simultaneamente à dimensão orgânica, psicológica e espiritual do homem. Com sua "Metafísica na Atividade" visa dar conta de uma nova relação entre arte e vida. Define uma forma singular de experiência intelectual que se enraíza no corpo, irradiando-se e repercutindo por múltiplos planos: afetivos, sensoriais, imaginários, racionais e intuitivos.
Em Artaud, a magia e o rito deixam de ser vistos como aspectos de uma vida primitiva ou como apêndices de uma análise antropológica e sociológica. (Atualmente o rito e a magia possuem um importante status no pensamento antropológico. Cite-se os primeiros trabalhos e também os mais recentes, de Frazer, Strauss, Mircea Eliade, Turner, entre outros).
O modernismo e as vanguardas que buscaram fontes de inspiração 'etnológicas' tiveram em Frazer uma de suas referências. Em Artaud, a perspectiva evolucionista do antropólogo britânico encontra-se invertida e a ciência ocidental moderna deixa de ser vista como última etapa do desenvolvimento espiritual humano. De acordo com o moderno pensamento antropológico, resgata a dignidade do 'pensamento selvagem' e da ação ritual'.
O "Teatro da Crueldade" visa a uma transformação orgânica. Antecipando as teses de Foucault, Deleuze e Guattari, Artaud já aponta para as bases orgânicas da ordem social e para as ramificações microscópicas do poder ao afimar que "não haverá revolução política e moral possível enquanto o homem permanecer magneticamente preso nas suas mais elementares e mais simples reações nervosas e orgâncias'"...Só para finalizar, o projeto de desrobotização e desfuncionalização do corpo e a noção de "corpo sem órgãos" são fundamentais para a compreensão da obra artaudiana.