De Ruas e Inti-nerários – Lendo Alexandre Furtado

 

                                                                                                                

O andarilho Furtado do Recife

            De Ruas e Inti-nerários fala muito ao leitor. Diante dos poemas, das leituras um sentimento de identidade baila no palco, que tem como cenário as ruas do Recife, e o sentimento de nostalgia canta a melodia, fazendo o leitor enxergar, mergulhar no que já não mais ver, que de tanto olhar sem poeticidade vicia a ótica adaptando-se a esse novo que destroi e não alimenta. Não há sabor do passado no novo sem itinerários.

Alexandre Furtado consegue dá identidade ao tempo, que corroi a cidade do Recife, que mastiga e devora a história. As transformações da cidade gritam! Vão-se destruindo casas, árvores e vidas. A substituição por verticalizações exageradas, fruto apenas do capitalismo desenfreado, que não traz a poeticidade e não emana leite e mel, pois não são frutos saudáveis. Há uma clara substituição do natural pelo capital. Alexandre traz em seus versos um temor lacrimal, que não haja mais sombra verde para o andarilho, que seja aglutinado pela mancha banal e antipoética das construções sem cores e sem passado.

Tece em sua escrita os sintomas do amor, com tons de dores, essas bem notórias nos contrastes das lembranças dos casarões, que se vestem de monumentos arquitetados. Diante da sensibilidade de não ouvir nenhum prédio falar ele dá voz ao seu sentimento e vai à busca da Rua da Glória, que quando criança jogava futebol. É nesse trem que o poeta embarca e consegue nos passar essa imagem cristalizada, que provavelmente não veremos mais. O leitor de alma sensível não canta um Recife morto, mas canta a cidade majestosa, atual paradoxo, com beleza e ruínas para que não se permitam o pragmatismo de não saber mais olhar. Ao gerar a sua obra resgata um grito de socorro, dado pela cidade, quando tem seus muros destruídos por rachaduras ou riscos sem arte. Pede com lágrimas implícitas o zelo dos filhos cegos que não defendem a sua história, deixando a cidade pregada numa cruz. Precisa que os seus amantes, podendo ser antigos - novos- modernos “gripados” pelo vírus recifense, se convertam em poesia. Versa o mosaico abandonado, no agora estacionamento, já arrancado pelo global sem cultura.  “De ruas e inti-nerários” trará a cidade em cada homem e o poeta foi escolhido em naturalidade para parir os fragmentos dos seus genes- raízes.

Outros poetas já cantaram Recife e construíram o sentimento nostálgico, a exemplo Manuel Bandeira...

“Mas o Recife sem história nem literatura

Recife sem mais nada

Recife da minha infância”

               

Alexandre que também bebeu em Bandeira, que já falava desse Recife se perdendo no passado, vem com um resgate do Recife que embalava a sua infância e não só canta a saudade das ruas que não existem mais. Emociona os leitores versando os convívios que ao lado do seu pai viveu...

“A glória era meu pai
cortando a rua com seu carro,
eu do lado, parceiros
em perfeito eixo”

               

                Abre-se também uma análise a cerca da poesia de Alexandre Furado que seria a   sua função social, uma vez que aparecem refletidas nos seus poemas a preocupação com o tempo e os desmatamentos culturais das ruas do Recife. O poeta versa muito bem nos versos; Tão impiedosamente castrada- “O tempo mastigará todos os nomes belos da Rua do Recife/Como fez em poucos meses com os casarões da extinta Rua Formosa/ A terra morderá as lembranças...” É a reflexão que a obra de arte faz sobre a obra de arte".  Assim, o artista da palavra faz uso das próprias palavras para defini-las e para dar significado ao seu grito.

            Na obra de Alexandre Furtado podem ser encontradas várias referências à simplicidade, quando faz a linguagem se aproximar do cotidiano, das recordações. Um mergulho nas lembranças do poeta e um deparar-se com sintomas e momentos semelhantes aos que também foram vividos. Uma viagem ao passado conduzida pela mão do poeta, que faz seus Inti- nerários com uma pena tinteira.

                A busca gloriosa de Alexandre Furtado cria um diálogo de identidade e acentuação. O tempo cronológico se envolve com as histórias de quem escreve ou ler, trazendo uma construção de imagens, sons e sensações, criando assim uma poesia.

            Ler De Ruas e Inti-neráios é fazer junto com o poeta a construção do passado, presente e sangrar pelo tão agora temido futuro. Mergulhar na leitura de cada poema é sentir que; “Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago/Dançou e gargalhou como se ouvisse música/E tropeçou no céu como se fosse um bêbado/E flutuou no ar como se fosse um pássaro/E se acabou no chão feito um pacote flácido/Agonizou no meio do passeio público/Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.” (Chico Buarque : Construção).

            Encontrar-se com a obra poética de Alexandre Furtado é realizar um itinerário geográfico e histórico introspecto, pois não se trata apenas do Recife que o homem com seu poderio desmedido destroi e castra, mas sim do Recife da infância, da cicatriz, da fala do pai, do beijo da mãe e do bolo quentinho da vó. Versa o Recife que adjetiva do natural e não fica esquecido na voz de quem o ama e o senti.