No Ensino Médio, as aulas de História muitas vezes são ministradas de maneira na qual o estudante memoriza um conjunto de datas, nomes, locais e eventos. Com estes conceitos absorvidos na memória, o estudante estará “apto” a realizar um exame de admissão a uma Universidade, como querem acreditar os gestores educacionais e mesmo os próprios estudantes. Outros professores, no entanto, ministram suas aulas com o estímulo do pensamento crítico do estudante. Incentivam a pesquisa, incentivam o debate entre as diferentes interpretações e apresentam as diversas estórias que, em conjunto, alicerçam o entendimento da História.

            Iniciei os estudos secundários no início da década de 1990, período no qual o Brasil passava por uma transição política e econômica, e via-se surgir o Neoliberalismo, ainda tímido, mas com a intenção de impor sua ideologia capitalista suprema, que o mercado deveria comandar os rumos da vida do homem, que o Estado deveria ser mínimo, que o dinheiro deveria ser a mola-mestra do cotidiano. Na escola em que estudei, no entanto, tive a oportunidade de ser aluno de um professor de História que conseguia perceber antecipadamente que a tendência neoliberal poderia apresentar, além de uma ou outra vantagem às nações, uma série de problemas sociais, desigualdades e desafios para as gerações que vivessem o advento e estabelecimento deste modelo econômico. Em suas aulas, quando queria debater sobre o problema, citava Karl Marx.

            Segundo Marx (ou melhor escrevendo, segundo o professor citando Marx), na história da humanidade existiram vários modelos econômicos que se sucederam, e para que houvesse cada sucessão foi necessária uma revolução. Assim ocorreu com o sistema coletor que foi sucedido pelo Feudalismo; o Feudalismo sucedido pelo Capitalismo; e, por fim, haveria em breve uma grande revolução que aniquilaria o Capitalismo e permitiria o estabelecimento definitivo do Socialismo. À época, o mundo ainda era polarizado entre um bloco de países capitalistas e um bloco de países socialistas, liderados pela União Soviética. Acreditava o professor que o bloco socialista seria o grande vencedor, tal qual Marx, que afirmava que a sociedade comunista seria a síntese final da história humana, sem substituto posterior.

            Duas décadas depois, reencontro a afirmação de Marx em meu processo de doutoramento, em outro ambiente intelectual e histórico. Como mostrou a História, o Socialismo perdeu sua força, e as nações comunistas se renderam ao Capitalismo. Não houve revolução, e o mundo se encontra cada vez mais adepto da filosofia econômica neoliberal, com poucos focos de resistência no mundo. As ideias neoliberais foram aceitas com tamanho sucesso, que a ideia de que “não há alternativa” parece ter sido absorvida, inclusive, por intelectuais progressistas de acordo com Boaventra de Souza Santos (2002). Houve uma retomada da ideia do mercado autorregulado que não veio acompanhado pelas lutas e por um pensamento crítico elaborado. Esta situação, no entanto, começa a mudar nos últimos anos com o nascimento de um ativismo contra a globalização hegemônica que se manifesta, por exemplo, na realização das edições do Fórum Social Mundial. Assim, com a inviabilidade exposta pelos sistemas econômicos centralizados e autoritários, com o colapso dos países socialistas no final dos anos 80 e no início dos anos 90, pela derrocada de seu principal adversário e pela insuficiência de experiências alternativas concretas, o capitalismo terminou por configurar-se no final do século XX e início desse novo milênio como modelo único.

Observa-se, portanto, que a globalização neoliberal e o modelo de acumulação capitalista forçam a criação de um impasse já que não houve a formulação de uma alternativa econômica concreta que desse conteúdo à crítica anti-hegemônica e que fosse ao mesmo tempo viável. Por isso se torna de especial importância o pensar e o agir combinados, teoria e prática estruturadas e viáveis.

A teoria tradicional e a teoria crítica.

 

De acordo com Tenório (2002), teoria tradicional é o conhecimento positivista que visa basicamente o conhecimento e não uma transformação social; realiza-se pelo método empírico e gera proposições generalizáveis. Os acontecimentos sociais são considerados neutros, análogos aos que são considerados nas ciências exatas. As teorias críticas, por sua vez, têm duas características principais: são guias para a ação humana, uma vez que esclarecem aos seus agentes quais são seus verdadeiros interesses, os quais lhes viriam trazer uma verdadeira emancipação; têm conteúdo cognitivo. Ao invés das teorias tradicionais que são de cunho objetivo, as teorias críticas são reflexivas. Sendo reflexiva a teoria crítica, esta deve investigar as interconexões dos fenômenos sociais e observá-los de acordo com o momento histórico daquela sociedade. De acordo com Faria (2007), a Teoria Crítica é constituída do pensamento radical, em seu sentido filosófico de raiz; da fuga à subversão da razão e da busca do humanismo. Seu atributo é transformar a realidade social, amparada em fundamentações teóricas que procuram entender tanto as relações sociais quanto os sujeitos e sua inserção nestas relações, nos grupos e organizações.

Boaventura afirma que a afirmação fundamental do pensamento crítico não se reduz ao que existe. A realidade deve ser vista como um campo de possibilidades em que a teoria crítica deve ampliar, por meio da reflexão e experimentação de alternativas e formas de sociedade mais justa. Ou seja, a teoria crítica tem uma característica transcendente aos acontecimentos e interconexões sociais, não se restringindo apenas ao que existe, mas propondo a melhora da realidade de um determinado momento. Uma sequência de teorias críticas é a própria dialética que deixou de ocorrer quando se estabeleceu um pensamento tradicionalista. Quando o capitalismo configurou-se como modelo único incontestável, por exemplo, depara-se com a falta de teorias críticas embasadas e a dificuldade de representação desta elaboração.

Qual a dificuldade em se construir e determinar os limites de uma Teoria Crítica?

A dificuldade que existe em se criar uma teoria crítica alternativa ao capitalismo possivelmente esteja no fato de não ser conhecida as realidades locais. Boaventura afirma que:

“A realidade qualquer que seja o modo como é concebida é considerada pela teoria crítica um campo de possibilidades e a tarefa da teoria consiste precisamente em definir e avaliar a natureza e o âmbito das alternativas ao que está empiricamente dado. A análise crítica do que existe assenta no pressuposto de que a existência não esgota as possibilidades da existência e que, portanto, há alternativas suscetíveis de superar o que é criticável no que existe. O desconforto, o inconformismo ou a indignação perante o que existe suscita impulso para teorizar a sua superação.” (SOUSA SANTOS, 2001, p.23)

Embora a natureza e a qualidade moral da sociedade causem desconforto e indignação, existe uma dificuldade de se pensar em outra forma alternativa ao que se vive. O ponto fraco se encontra no fato de a sociedade ser um produto de vontades particulares, consequência do pensamento capitalista, e não pode existir uma razão transparente enquanto o homem agir sem que suas ações sejam pensadas como atos que afetam um organismo que, na verdade é coletivo. A consequência dessa ausência é o organismo irracional vivido na sociedade atual. Boaventura de Sousa Santos (2001) relaciona dois fatores responsáveis pela dificuldade em se elaborar uma crítica. Inicialmente, a concepção da sociedade como uma totalidade. O homem é multicultural e esse fato é apenas considerado nos estudos das ciências sociais ou nas configurações interdisciplinares. Como o modelo transplantado não funciona, também não funcionaria um único princípio de transformação. Os tipos de dominação são múltiplos, como são múltiplas as resistências e os atores que as protagonizam. Como outro fator, a crise sobre o que é o desenvolvimento. Constatou-se que a industrialização não é o motor desenvolvimentista. Ela esteve assentada na natureza e incapaz de perceber a relação de destruição desta e da sociedade. Assim, na situação atual, percebe-se que os países mais ricos têm transferido suas atividades industriais para países de periferia. Estes, por sua vez, não atingem o mesmo nível de desenvolvimento que os países-sede das indústrias. Os países ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres, com a industrialização por trazer desenvolvimento para apenas uma pequena parcela da humanidade.

Em sua obra Desenvolvimento como Liberdade, que rendeu o premio Nobel de Economia a Amartya Sem, ao autor define outro tipo de desenvolvimento que consiste na existência de cinco liberdades instrumentais: a liberdade política, que se constrói sob a democracia participativa; as facilidades econômicas, segundo as quais as pessoas têm a oportunidade de utilizar recursos econômicos para o consumo, produção e trocas, além de terem acesso ao crédito; as oportunidades socais, que são a liberdade substantiva do indivíduo que somente a poderia alcançar enquanto tenha, por exemplo, direito à educação e à saúde; as garantias de transparência, que só ocorre quando as três primeiras liberdades existem; nela as relações soam mais claras, assim que não há necessidade de transações ilegais, corrupção e irresponsabilidades financeiras; e a segurança protetora, que seria o auxílio aos desempregados e suplemento de renda a quem necessita. Sen defende a ideia de que somente quando os indivíduos possuem liberdade pode existir o desenvolvimento econômico e humano. Os dois fatores citados por Boaventura de Sousa Santos como os responsáveis pela dificuldade que existe de se formular uma teoria crítica - o pensamento único e a concepção de desenvolvimento - são trabalhados: o primeiro, sob uma panorâmica da ciência econômica, como acontece a padronização do comportamento capitalista; o segundo, por meio do espaço (como afirma Milton Santos), em que a técnica e o desenvolvimento devem ser adequados, e onde também a economia é um elemento intrínseco, embora esse fato seja normalmente ignorado.

Referências Bibliográficas:

 

FARIA, José Henrique de. As organizações e a Sociedade Unidimensional. In: Análise Crítica das Teorias e Práticas Organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007 a. p. 241- 258.

______. As organizações e a Sociedade Unidimensional. In: Análise Crítica das Teorias e Práticas Organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007 b. p. 241- 258.

SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico Científico Informacional. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.

 

SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

 

SOUSA SANTOS, Boaventura. Produzir para Viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

________. A Crítica da Razão Indolente: Contra o desperdício da Experiência. São  Paulo: Cortez, 2001.

TENÓRIO, Fernando Guilherme. Tem Razão a Administração? Ensaios de Teoria Organizacional e Gestão Social. Ijuí: Editora Unijuí, 2002.