Datas comemorativas na sociedade simbólica.
Publicado em 24 de abril de 2014 por NERI P. CARNEIRO
Datas comemorativas na sociedade simbólica.
Vivemos numa sociedade simbólica. Quem me assegurou isso foi um amigo ao me questionar sobre um texto que havia escrito condenando o caráter apelativo e comercial em que se transformaram as datas comemorativas. Continuo afirmando que, no mundo capitalista, não importa o que imaginemos, sempre haverá um esperto que achará uma forma de ganhar dinheiro com uma novidade. Das maravilhas às tragédias, tudo é comercializável e potencialmente lucrativo. Para um espirito empreendedor a maior tragédia vira possibilidade de lucro. Exemplo típico é a indústria da guerra: não existe fenômeno mais trágico, terrivelmente arrasador e, ao mesmo tempo, lucrativo. Mas somente os pacifistas querem a paz. Os empresários querem a guerra, pois dá lucro.
Mas o fato é que meu amigo me chamou a atenção para o outro lado desse mundo que circula ao redor do capital: O caráter simbólico das realidades. Não que tivéssemos entrado numa discussão Saussuriana sobre significado, significante e outras categorias e conceitos da teoria da linguagem. Não. discutimos a dimensão antropológica dos símbolos. Ou a dimensão simbólica dos comportamentos humanos. Meu amigo mostrou-me que o ser humano se comunica e se humaniza em perspectiva simbólica, pois os símbolos são expressões culturais.
Veja só: Nosso falar é simbólico. Com um colega, na rua, conversamos sobre nossa casa, por exemplo. O que ocorre? Não estamos na casa. Nem a estamos vendo, mas a representamos mentalmente. O que temos, portanto não é aquele amontoado de madeira, tijolo e cimento, mas aquilo que esse monturo representa para nós. O tijolo, em si mesmo é apenas um punhado de barro requentado, mas ganha importância no conjunto porque passará a fazer parte de algo maior que é o ambiente em que vivemos, no qual convivemos com os familiares e amigos. Então a casa não é só casa, mas ambiente de relação. A construção representa o ambiente. Por isso quando estamos longe de casa e sentimos saudades, não é a casa o objeto da nostalgia, mas o que ela significa: os bons momentos que ali vividos.
Isso que dizemos sobre a casa vale para outras realidades. E também a respeito das datas comemorativas. Páscoa, por exemplo. Não é a data o que importa, mas o que ela representa: Um elemento central na fé cristã. Esta, por sua vez, é uma fé essencialmente simbólica. O que está envolvido na simbologia pascal? Vários elementos: a cruz, o fogo, o sangue, o caminhar (procissão), orações... coelhinho e chocolate.
Na realidade o coelhinho da Páscoa não tem nada a ver com a simbologia cristã, da páscoa. Foi uma incorporação mercantil. Mas se observarmos o significado do coelho veremos que podemos também aí fazer uma apropriação simbólica. Coelho é um animal extremamente fértil prolifera-se rapidamente. Essa é uma das mensagens da fé cristã. Proliferar, ampliar o número dos que professam a fé cristã.
E o chocolate? Nada a ver com páscoa. Aliás, no tempo de Jesus o cacau era usado apenas pelos indígenas da América. Era desconhecido pelos judeus e romanos, povos envolvidos na páscoa cristã. Mas, o chocolate também pode ser incorporado à simbologia pascal. Dizem as pesquisas que ele potencializa uma substância no cérebro, aumentando a sensação de felicidade. E a esperança do cristianismo é o gozo pleno da felicidade pela.
E assim os comentários sobre os símbolos poderiam prosseguir indefinidamente. E sempre chegaríamos à mesma conclusão: todas as realidades humanas nada mais são do que representações; são, portanto, simbólicas. Símbolos que podem nos ser familiares ou completamente estranhos; aqueles que tem para nós um significado e outros completamente absurdos e incompreensíveis... mas símbolos!
E onde isso vai nos levar? Ao caos. Se vivemos num universo simbólico sem que sua compreensão seja unívoca, somos levados a concluir que as diferentes interpretações se prestam a equívocos e mal entendidos, pois as interpretações fundamentam-se em valores. Como os valores não são universais a conclusão é que os símbolos nos conduzem à dissintonia... à discórdia. Elemento de união, os símbolos se convertem em motivo de cisão.
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Rolim de Moura – RO.