Datas comemorativas na sociedade simbólica.

Vivemos numa sociedade simbólica. Quem me assegurou isso foi um amigo ao me questionar sobre um texto que havia escrito condenando o caráter apelativo e comercial em que se transformaram as datas comemorativas. Continuo afirmando que, no mundo capitalista, não importa o que imaginemos, sempre haverá um esperto que achará uma forma de ganhar dinheiro com uma novidade. Das maravilhas às tragédias, tudo é comercializável e potencialmente lucrativo. Para um espirito empreendedor a maior tragédia vira possibilidade de lucro. Exemplo típico é a indústria da guerra: não existe fenômeno mais trágico, terrivelmente arrasador  e, ao mesmo tempo, lucrativo. Mas somente os pacifistas querem a paz. Os empresários querem a guerra, pois dá lucro.

Mas o fato é que meu amigo me chamou a atenção para o outro lado desse mundo que circula ao redor do capital: O caráter simbólico das realidades. Não que tivéssemos entrado numa discussão Saussuriana sobre significado, significante e outras categorias e conceitos da teoria da linguagem. Não. discutimos a dimensão antropológica dos símbolos. Ou a dimensão simbólica dos comportamentos humanos. Meu amigo mostrou-me que o ser humano se comunica e se humaniza em perspectiva simbólica, pois os símbolos são expressões culturais.

Veja só: Nosso falar é simbólico. Com um colega, na rua, conversamos sobre nossa casa, por exemplo. O que ocorre? Não estamos na casa. Nem a estamos vendo, mas a representamos mentalmente. O que temos, portanto não é aquele amontoado de madeira, tijolo e cimento, mas aquilo que esse monturo representa para nós. O tijolo, em si mesmo é apenas um punhado de barro requentado, mas ganha importância no conjunto porque passará a fazer parte de algo maior que é o ambiente em que vivemos, no qual convivemos com os familiares e amigos. Então a casa não é só casa, mas ambiente de relação. A construção representa o ambiente. Por isso quando estamos longe de casa e sentimos saudades, não é a casa o objeto da nostalgia, mas o que ela significa: os bons momentos que ali vividos.

Isso que dizemos sobre a casa vale para outras realidades. E também a respeito das datas comemorativas. Páscoa, por exemplo. Não é a data o que importa, mas o que ela representa: Um elemento central na fé cristã. Esta, por sua vez, é uma fé essencialmente simbólica. O que está envolvido na simbologia pascal? Vários elementos: a cruz, o fogo, o sangue, o caminhar (procissão), orações... coelhinho e chocolate.

Na realidade o coelhinho da Páscoa não tem nada a ver com a simbologia cristã, da páscoa. Foi uma incorporação mercantil. Mas se observarmos o significado do coelho veremos que podemos também aí fazer uma apropriação simbólica. Coelho é um animal extremamente fértil prolifera-se rapidamente. Essa é uma das mensagens da fé cristã. Proliferar, ampliar o número dos que professam a fé cristã.

E o chocolate? Nada a ver com páscoa. Aliás, no tempo de Jesus o cacau era usado apenas pelos indígenas da América. Era desconhecido pelos judeus e romanos, povos envolvidos na páscoa cristã. Mas, o chocolate também pode ser incorporado à simbologia pascal. Dizem as pesquisas que ele potencializa uma substância no cérebro, aumentando a sensação de felicidade. E a esperança do cristianismo é o gozo pleno da felicidade pela.

E assim os comentários sobre os símbolos poderiam prosseguir indefinidamente. E sempre chegaríamos à mesma conclusão: todas as realidades humanas nada mais são do que representações; são, portanto, simbólicas. Símbolos que podem nos ser familiares ou completamente estranhos; aqueles que tem para nós um significado e outros completamente absurdos e incompreensíveis... mas símbolos!

E onde isso vai nos levar? Ao caos. Se vivemos num universo simbólico sem que sua compreensão seja unívoca, somos levados a concluir que as diferentes interpretações se prestam a equívocos e mal entendidos, pois as interpretações fundamentam-se em valores. Como os valores não são universais a conclusão é que os símbolos nos conduzem à dissintonia... à discórdia. Elemento de união, os símbolos se convertem em motivo de cisão.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura – RO.