Das Questões e Processos Incidentes
Introdução

Como se sabe, no processo penal, podemos nos deparar com determinadas situações que são de grande relevância no que tange a solução da lide no processo principal. Estas situações, secundárias, merecem ser solucionadas antes do desfecho da causa principal. São, pois, o que chamados incidentes processuais.
Estes incidentes são pontos fundamentais, vinculados ao direito material, que impedem o regular desenvolvimento do processo, pois acarretam sua suspensão, ate que sejam analisadas e decidias por juízo competente, os pontos secundários referentes ao processo principal.
Objetivando mostrar de forma sucinta e clara tais controvérsias que se correlacionam com o crime ou com o processo, é que vem o presente trabalho, analisar os incidentes processuais, sejam eles: questões ou procedimentos incidentes.
Estudaremos, pois, cada uma de suas espécies, elencadas no Código de Processo Penal, que são: questões prejudiciais; exceções; incompatibilidade e impedimentos; conflitos de jurisdição; restituição das coisas apreendidas; medidas assecuratórias e, por fim, incidente de falsidade.
Destarte, abordaremos sobre cada espécie, seu conceito, princípios, pressupostos e suas interpretações judiciais. Buscando os ensinamentos dos brilhantes processualistas Guilherme de Souza Nucci, Fernando da Costa Tourinho Filho e Vicente Greco Filho, para a compreensão do tema.


1. Das Questões e Processos Incidentes:

Sabemos que o processo penal tem por finalidade resolver os conflitos preocupando-se com a materialidade e a autoria, porém antes de resolver esses conflitos, faz-se necessária a análise de procedimentos secundários, que incidem sobre o procedimento principal, merecendo solução antes da decisão da causa a ser proferida. É o que chamamos de questões prejudiciais e processos incidentes.
O nosso Código Penal dispõe sobre os procedimentos incidentes enumerando -os em: exceções, incompatibilidade e impedimentos, conflitos de jurisdição, restituição de coisas apreendidas, medidas assecuratórias, incidente de falsidade, e incidentes de insanidade mental. Analisemos, pois, cada um deles:

1.1. Questões Prejudiciais:

Segundo Vicente Greco Filho, a questão prejudicial "é uma infração penal ou uma relação jurídica civil cuja existência ou inexistência condiciona a existência da infração penal que está sob julgamento do juiz". Para Nucci, as questões prejudiciais são os pontos fundamentais, vinculados ao direito material, que necessitam ser decididos antes do mérito da causa, porque a este se ligam. São, pois, impedimentos ao desenvolvimento regular do processo.
Importante distinguir a questão preliminar das questões prejudiciais. Enquanto a primeira constitui matéria intimamente ligada ao mérito da causa, necessitando ser julgada antes desta,como exemplo a litispendência e a coisa julgada, a segunda diz respeito ao próprio processo e seu regular desenvolvimento, como já havia falado antes.
Podemos classificá-las em:
a) questões prejudiciais homogêneas, próprias ou perfeitas
b) questões prejudiciais heterogêneas , impróprias ou imperfeitas
As homogêneas dizem respeito a matéria da causa principal, e devem ser decididas no próprio juízo penal (ex. exceção de verdade no crime de calúnia ? art. 138, § 3° do CP). Já as heterogêneas vinculam-se a outras áreas do direito, devendo ser decididas por outro juízo. (ex. decisão sobre a posse, na esfera cível, antes de decidir a respeito do esbulho, previsto no art. 161, §1º, II do CP).
Estas por sua vez, se dividem em obrigatórias e facultativas. As prejudiciais obrigatórias são as que impõem a suspensão do processo criminal, enquanto se aguarda a decisão a ser proferida no juízo cível. (art. 92, CPP). Entretanto, para que haja a suspensão do processo penal é preciso que: a) a existência da infração dependa da relação jurídica cível; b) haja controvérsia séria e fundada na esfera cível; c) relacione-se com o estado civil da pessoa, somente em se tratando de parentesco e casamento. Preenchidos os requisitos da prejudicial, o juiz determinará a suspensão do processo penal até que seja decidida a questão civil em sentença transitada em julgado, a qual o juízo penal ficará subordinado. Importante, ressaltar, que durante o prazo de suspensão não corre a prescrição (art. 116,I CP)
Já nas prejudiciais facultativas, é toda e qualquer questão diversa do estado das pessoas, sendo igualmente da competência do juízo cível a sua apreciação, que podem levar a suspensão facultativa do processo penal. (art. 93, CPP) É necessário, contudo que a relação jurídica seja de difícil solução e que a ação civil já esteja ajuizada, sendo uma ação de prova possível perante o juiz civil, não havendo, pois, limitação ou proibição quanto à prova. Compreendidos os requisitos, abre-se prazo para a apreciação do juiz a acerca da suspensão ou não do processo, expirado o prazo, sem que tenha sido proferida sentença no juízo cível, o juiz criminal retomará o curso normal do processo, tendo pois competência para julgar segundo o seu próprio entendimento, diferente da prejudicial obrigatória que o juiz criminal esta subordinado a decisão proferida no juízo civil.
Durante o prazo de suspensão, o Ministério Público intervirá no processo cível para velar pelo seu rápido andamento (caso especial de intervenção do MP ? art. 82 do CPP). Da decisão que determina a suspensão, adotada de ofício ou a requerimento da parte, cabe recurso no sentido estrito, nos termos do art. 581, XVI, do Código de Processo Penal. Da decisão que nega a suspensão não cabe recurso. Esta regra vale tanto para a prejudicial de suspensão obrigatória quanto para a facultativa.
Importante, examinar, o caso de suspensão necessária não determinada pelo juiz, sendo, pois, irrecorrível a decisão, a matéria pode ser colocada em preliminar de apelação. Todavia, se o tribunal entender que a argüição é procedente, as conseqüências são diferentes se o caso é de prejudicial questão de estado: o juiz não tem competência funcional para examinar a matéria, sua sentença é nula, devendo o tribunal declarar-lhe a nulidade, mandando o processo de volta para que se proceda à suspensão, aguardando-se a sentença civil. Ou se é outra questão civil, inexiste nulidade, de modo que a sentença é válida e, reconhecendo o tribunal que havia fundada dúvida sobre um dos elementos da infração, o que justificaria a suspensão, absolverá o acusado.


2. Procedimentos Incidentes:

Os procedimento incidentes, por sua vez, compreendem: as exceções, conflitos de competência, restituição de coisas apreendidas, medidas assecuratórias, Incidente de falsidade e Incidente de Insanidade mental. Vejamos.

2.1 As Exceções:

Antes de conceitar exceções, faz-se necessário tecer algumas considerações, sabemos que o acusado poderá se defender de duas formas: a) diretamente: quando ataca a acusação que lhe é feita (negando a autoria, por exemplo), ou b) indiretamente, quando ataca o próprio processo, com o objetivo de extingui-lo sem o julgamento do mérito ou de retardar o seu prosseguimento. Esta última, é o que chamamos de Exceção.
Segundo Nucci, as exceções são as defesas indiretas apresentadas por qualquer das partes, com o intuito de prolongar o trâmite processual, até que uma questão processual relevante seja decidida. Trata-se de um incidente processual, ou seja uma defesa interposta pela parte contra o processo, para que, este, seja regularizado ou extinto. Quando conhecido pelo magistrado de ofício, podemos chamá-la de objeção, como ocorre com a exceção de impedimentos, de coisa julgada, incompetência, etc.
As exceções se divide em: a) peremptórias, quando impedem o processo e o julgamento do fato; b) dilatórias, quando prorrogam a duração do processo.
De maneira geral, o Código de Processo Penal adotou o seguinte procedimento para as exceções: apresentada a exceção, o juiz, se puder examiná-la de plano ou apenas com prova documental, pode fazê-lo nos próprios autos, declarando-se suspeito ou incompetente, ou extinguindo o processo independentemente da formação onerosa de procedimento apartado. Se, porém, houver recusa da alegação e houver necessidade de apresentação de prova, o juiz determinará a autuação em apenso, a fim de que não se perturbe o desenvolvimento do processo principal. No apenso desenvolver-se-á a atividade probatória especial. E o que acontece, por exemplo, no caso de exceção de coisa julgada.
As exceções não suspendem, de regra, o andamento do processo principal, cujo andamento poderá ser sustado, todavia, se a parte contrária reconhecer o fundamento da argüição (art. 102). É certo que na apreciação da suspensão, ou não, do processo principal, o juiz deverá levar em consideração o estado da causa e fatores como o possível perecimento da prova, a intercorrência da prescrição, etc.
Nos termos do art. 95 do Código de Processo Penal, podem ser opostas as seguintes exceções: suspeição, incompetência do juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada. Analisemos, abaixo, cada uma delas:

2.2.1 As Exceções de Suspeição e Impedimentos

Dizem respeito à imparcialidade do juiz. "Decorrem das garantias constitucionais do juiz natural e do juiz imparcial,cuja finalidade é impedir que o Estado promova, de alguma forma, a eleição do magistrado para o julgamento da causa, desequilibrando a relação processual e promovendo a parcialidade do juiz" (Guilherme de Souza Nucci)
Podem ser de suspeição quando há um vínculo do julgador com uma das partes, como por exemplo: amizade íntima ou inimizade, parentesco, relação de débito ou crédito, tutela ou curatela, dentre outros,ou com vínculo ao assunto debatido no feito (por si ou por parente seu que responda por fato análogo). Ou de impedimento, quando representa um vínculo direto ou indireto com o processo em julgamento (tenha por si ou parente seu atuado no feito).
As exceções podem ser feitas de ofício, mesmo durante a fase do inquérito policial, basta que o juiz, por escrito e com fundamentos, declare-se suspeito ou impedido de julgar a causa, remetendo o processo ao seu juiz substituto legal (art. 97 do CPP). Não havendo juiz substituto, deve o Tribunal disciplinar a matéria. Podendo, ainda, extinguir o processo nos casos de litispendência, coisa julgada, ilegitimidade ou incompetência.
E, a requerimento da parte, antes da ação penal ou depois desta. Na primeira, deve o promotor ou o querelante apontá-la por ocasião do oferecimento da denúncia ou da queixa e o réu pode fazê-lo no momento do interrogatório ou até a apresentação da defesa prévia, sob pena de preclusão. Se, posteriormente, deve a parte interessada alegá-lo na primeira oportunidade. Caso o juiz não acolha o pedido, deve a parte defender-se em três dias, determinando a autuação da petição em apenso, fornecendo a sua versão a cerca dos fatos alegados, bem como, se for o caso, oferecendo rol de testemunhas e juntando documentos. (art. 100 do CPP )
A exceção de suspeição e os impedimentos podem ser dirigidos contra o órgão do Ministério Público e auxiliares da justiça. Não contra a autoridade policial (art.107), a qual, contudo, poderá declarar-se suspeita e afastar-se do caso.
Ressalte-se que, não existe recurso no que tange a afirmação de suspeição ou impedimento. Todavia, se houver ilegalidade no caso de procedência da exceção, o afastado pode impetrar mandado de segurança porque teria direito líquido e certo a sua manutenção em atividade no processo.
É relevante dizer que, a exceção de suspeição, em regra, envolve acusação grave imputada ao juiz. Destarte, vincula o autor às alegações formuladas, de caráter pessoal, contra a autoridade judiciária, podendo ser considerada crime contra a honra. Devendo-pois, ser usada com cautela.

2.2.2 Exceção de Incompetência:

Para Nucci, é a defesa indireta que a parte pode interpor contra o juízo, alegando sua incompetência para julgar o feito, fundamentada no princípio constitucional do juiz natural. Podendo ser oposta verbalmente ou por escrito. Trata-se de situação de inadequação do foro ou do juízo em face das regras de determinação da competência.
O Código de Processo Penal em seu art. 109 abre a possibilidade de reconhecimento da incompetência do juízo em qualquer fase do processo. Exemplificando, em Vara Criminal, o juiz , após ouvir as testemunhas de acusação, constata que a morte da vítima não adveio do roubo, mas de divergências anteriores entre acusado e ofendido, não constituindo um latrocínio, mas sim um roubo seguido de furto. Reconhece-se então sua incompetência, determinando, de imediato, a remessa dos autos à Vara do Júri.
Observe-se que contra a decisão que reconhece a incompetência, cabe recurso em sentido estrito. (art. 109 CPP). E, nos termos do art. 567, a exceção de incompetência anula somente os atos decisórios.

2.2.3 Exceção de Litispendência:

É outra forma de defesa indireta, apresentada por qualquer das partes, demostrando que a causa idêntica em outro foro, ainda não julgada, razão pela qual o processo deve ser extinto. Pode ser feita a qualquer tempo, pois sua matéria não preclui. Pode ser feita de ofício.
Utiliza-se para impedir o trâmite de um inquérito, que tenha por base exatamente o mesmo fato e idêntico réu, já denunciado. Havendo dois processos com os mesmos fatos de direito e mesmo réu, deve, pois, um deles ser extinto. Para tanto, utiliza-se habeas corpus, trancando-se a investigação policial ou uma das ações..

2.2.4 Exceção de Ilegitimidade da Parte:

A ilegitimidade de parte é a inadequação da titularidade legal da ação penal, ativa e passiva, à que, de fato, está sendo colocada no processo. Pretende a extinção do processo ou o seu retardamento ate que seja corrigido o vicio de legitimidade. (ilegitimidade ad causam). Pode ser feita a qualquer tempo. Também ocorre quando os pressupostos de validade do processo não foram preenchidos.(ilegitimidade ad processum)
Decretada a ilegitimidade ad causam ou ilegitimidade ad processum, o processo pode ser o não anulado, conforme seja possível ou impossível a retificação do erro. No mais, caso o processo não seja anulado desde o início, a decisão torna-se-á irrecorrível.

2.2.5. Exceções de Coisa Julgada:

A coisa julgada é o fato que impede a repetição do processo penal sobre o mesmo fato contra o mesmo réu. É outra forma de defesa indireta contra o processo, visando sua extinção, tendo em vista que idêntica causa já foi definitivamente julgada em outro foro. Confere o princípio da vedação da dupla punição e do duplo processo pelo mesmo fato (no bis idem), possibilitando maior segurança ao indivíduo contra eventual abuso do Estado. As partes podem fazê-la a qualquer tempo, ou de ofício. Não reconhecida a exceção de coisa julgada, o recurso cabível é a apelação. (art. 593,III CPP).
Argüi-se-á, em petição à parte, por qualquer uma destas, sempre determinando a oitiva da outra. Admite-se a suscitação verbal, porém é mais incomum. Cabe recurso em sentido estrito, quando o juiz a acolher (ar. 581, III do CPP), mas não quando julgá-la improcedente. Entretanto, por configurar nítido constrangimento ilegal o andamento de nova ação penal, após a matéria já ter sido decidida anteriormente, pode ser impetrado habeas corpus para o seu trancamento.

2.3 Conflito de Competência:

O terceiro instrumento de declaração da competência é o conflito de competência que o Código denomina, em terminologia ultrapassada, conflito de jurisdição. Ocorre quando dois ou mais juízes entendem ser competentes para apreciar a mesma causa, ou ainda quando nenhum juiz a chama para si. A primeira denomina-se conflito positivo, a segunda, conflito negativo.
Parte da doutrina prefere denominar conflito de jurisdição aquele que se estabelece entre juízes de diferentes órgãos, como ocorreria entre o juiz federal e o juiz estadual, deixando a expressão conflito de competência para aquele que se fundamenta entre magistrados do mesmo órgão, como ocorreria entre juizes estaduais de determinada Comarca. Segundo Frederico Marques, em posição intermediária, o CPP equiparou a expressão conflito de competência a conflito de jurisdição.
O conflito pode ser suscitado pela parte interessada, pelo Ministério Público e por qualquer dos juízos ou tribunais que divergem. Se positivo, será suscitado por requerimento da parte ou do Ministério Público, ou por representação do juízo ou tribunal envolvido diretamente perante o tribunal competente para dirimi-lo. Ao recebê-lo, o tribunal poderá determinar a suspensão do processo principal a fim de evitar a nulidade, requisitando informações dos órgãos jurisdicionais em divergência. Se negativo, poderá ser suscitado nos próprios autos, os quais serão remetidos ao tribunal para julgamento. Na instrução do incidente poderá ser determinada diligência probatória (Súmula 59 do Superior Tribunal de Justiça).
O conflito de competência pode decorrer de atribuição quando a divergência é entre autoridade administrativas ou entre estas e autoridade judiciária. Quando se tratar de autoridade do mesmo estado, cabe o Tribunal de Justiça dirimi-los. (CF 105, I,g) Não havendo magistrado, cabe a instituição à qual pertencem. É de competência do Superior Tribunal de Justiça julgar os conflitos entre tribunais, ressalvada a competência do Supremo Tribunal Federal, ou entre tribunais e juízes a eles não vinculados e entre juízes subordinados a tribunais diferentes, como por exemplo um juiz federal e um estadual. E o Supremo Tribunal Federal, os conflitos de competência entre os Tribunais Superiores ou entre estes e qualquer outro tribunal.
Ressalte-se que, havendo conflito entre membros do Ministério Público que, durante uma investigação policial, entendem que não são competentes para denunciar o indiciado, podemos dizer que, se trata de conflito negativo de atribuições, sendo pois considerado um falso conflito de atribuição.

2.4 Restituição das coisas Apreendidas:

"É o procedimento legal de devolução a quem de direito de objeto apreendido, durante diligência policial ou judiciária, não mais interessante ao processo criminal" ( G. De Souza Nucci). Há três tipos de coisas que podem interessar ao processo penal e que poderão ser apreendidas: os instrumentos do crime, os bens proveito da infração e objetos de simples valor probatório.
Assim como dispõe o art. 91, II, do CP - "são efeitos da condenação(...) II- a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrica, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso". Desta forma, ocorre o confisco, ressalvada a posição do lesado ou terceiro de boa-fé. Uma vez apreendidas, as coisas não poderão ser devolvidas, até o trânsito em julgado da sentença final, enquanto se mantiver o interesse para o processo.
A restituição pode ser ordenada pela autoridade policial ou judiciária, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do requerente. Caso seja duvidoso, o pedido deve sera autuado em apartado, podendo o interessado apresentar provas em cinco dias. Aqui, caberá ao juiz a decisão (art. 120 CPP). Tendo certeza da propriedade da coisa apreendida, não sendo ela mais útil ao processo, deve ser devolvida a quem tem direito, sem necessidade de procedimento incidente em apartado. Entretanto, se há dúvida sobre a propriedade, e esta não puder ser resolvida durante o dilação probatória criminal, transfere-se a discussão para o juízo cível, depositando-se as coisas em mãos de depositário ou do próprio terceiro que já as detinha, desde que idôneo.
Observe-se que o prazo para requerer a devolução da coisa apreendida é de noventa dias, após o trânsito em julgado da sentença condenatória . Caso ninguém se habilite a tanto, decretará o juiz a perda em favor da União, do que foi apreendido, seja lícito ou ilícito, determinado que sejam leitoados, revertendo o dinheiro aos cofres públicos. Já os instrumentos do crime serão inutilizados ou recolhidos a museu criminal. (art. 122 do CPP)
Três são as alternativas de decisão no pedido de restituição:
a. O juiz o defere, determinando a entrega ao requerente. Dessa decisão cabe apelação, porque se trata de decisão com força de definitiva (art. 593, II).
b. O juiz o indefere, porque a posse da coisa é ilícita, independentemente de eventual condenação. O recurso cabível é, também, a apelação, com o mesmo fundamento da hipótese anterior.
c. O juiz nega a restituição porque há dúvida quanto à propriedade ou porque pode, em tese, ficar sujeita ao perdimento (CP, art. 91, II), como efeito da condenação. Essa decisão é irrecorrível, porque não se trata de decisão com força de definitiva nem está relacionada no art. 581, cabendo ao interessado recorrer à via cível para a declaração de sua propriedade, aguardar a sentença penal ou apresentar embargos nos termos do art.129 ou do art. 130 do Código de Processo Penal.
Como regra, tudo o que for pelo agente adquirido com o resultado lucrativo da prática criminosa deve ser objeto de sequestro e não de simples apreensão. Porém se o agente utiliza o dinheiro para comprar algum objeto que seja interessante para a prova do processo criminal, pode a coisa ser apreendida.

2.5 Medidas Assecuratórias:

"São as providências tomadas, no processo criminal, para garantir futura indenização ou reparação à vítima da infração penal, pagamento das despesas processuais ou penas pecuniárias ao Estado ou mesmo evitar que o acusado lucro com a prática criminosa" (NUCCI). Nesse sentido, as medidas assecuratórias são: arresto, sequestro e especialização de hipoteca legal.

2.5.1 Sequestro:

É a medida assecuratória consistente me reter os bens imóveis ou móveis do indiciado ou acusado, ainda que em poder de terceiros, quando adquiridos com o proveito da infração penal, para que deles não se desfaça, durante o curso da ação penal, a fim de se viabilizar a indenização da vítima ou impossibilitar ao agente que tenha lucro com a atividade criminosa (art. 125 CPP)
Vale, pois, o sequestro para recolher os proventos do crime, visando-se indenizar a parte lesada, objetivando, também, que alguém aufira lucro com a prática de uma infração penal. Logo, não havendo ofendido para requerer a indenização, serão os proventos confiscados pela União. Observe-se que, em regra, quando bem móveis constituem produto do crime, serão objetos de apreensão, quanto aos imóveis, na omissão do CPP, utiliza-se, por analogia, o sequestro.
É requisito para o sequestro, a existência de indícios veementes (fortes, intensos, cristalinos) de procedência ilícita dos bens. O sequestro pode ocorrer por iniciativa do MP, do ofendido, do representante legal, herdeiros, por autoridade judicial condutora das investigações ou o próprio magistrado, agindo de ofício. (art.127 CPP). Em qualquer hipótese o recurso cabível é a apelação. Quando tratar-se de defesa apresentada por terceiro de boa-fé caberá embargos de terceiro. (art. 129 CPP)
Decretado o sequestro, determinará o juiz a expedição de mandado para a sua inscrição no Registro de Imóveis, nos termos do art. 239 da Lei 6.015/73. Feito isto, não mais será possível que o imóvel seja vendido a terceiros de boa-fé. Caso seja o imóvel objeto de compra e venda, a despeito do sequestro, o terceiro que o detiver, perderá o bem, que será vendido em hasta pública, encaminhando-se o apurado para a vítima ou para a União.

2.5.2 Arresto:

Segundo o art. 137 do CPP, ocorrerá arresto na falta de bens imóveis para assegurar pagamento de indenização ao ofendido, ou custeio das despesas do processo. Entre seqüestro e o arresto existem elementos comuns e elementos diferenciais. São elementos comuns ao arresto e ao seqüestro: a) o intuito de segurança econômica, quando qualquer fato (dos previstos na lei) permite crer-se na ofensa a direitos; b) o caráter de medida cautelar, como a detenção pessoal, os protestos, a caução, a venda judicial de objetos comerciais que tenham sido embargados, depositados ou penhorados, se de fácil deterioração etc. Um desvia o perigo do desaparecimento da coisa ? é o seqüestro; outro consiste em embargo ou impedimento, até que o devedor solva a dívida. Um supõe a questão sobre a coisa (direito real; posse); outro, a obrigação.
Os elementos diferenciais estão na cautela, que diz respeito à utilidade final da relação de direito (no arresto) enquanto concerne ao próprio objeto (no seqüestro). O seqüestro supõe a litigiosidade da coisa, enquanto no arresto existe certeza sobre a titularidade dominial do objeto. Por fim, não existe arresto de pessoa, enquanto se admite o seqüestro pessoal, como na posse provisória de filhos.
Poderá será interposto em qualquer fase do processo, pois, pode servir de preparação para a especialização da hipoteca legal. Dois requisitos deverão ser satisfeitos para poder se interpor o arresto: a) a prova da materialidade do delito; b) a existência de indícios suficientes de autoria. Os bens arrestados serão entregues a terceiro estranho à lide, que ficará responsável pelo depósito e administração dos objetos, segundo as regras processuais civis (art. 139 do CPP)
A lei possibilita um arresto prévio, cautelar, diante da possibilidade de haver demora no processo de especialização e inscrição da hipoteca legal. Assim, quaisquer bens imóveis do réu podem ser seqüestrados, para posteriormente ser objeto do pedido de inscrição da hipoteca legal, não se confundindo com o seqüestro previsto no art. 125 do CPP. O arresto provisório é revogado, se no prazo de quinze dias, não for promovido o pedido de inscrição da hipoteca legal. Note-se que esta medida, aplicar-se-á, apenas a bens imóveis, vez que é preparatória para a especialização da hipoteca.
O arresto será levantado ou cancelado, quando a sentença penal for absolutória ou houver sido julgada extinta a punibilidade. Cancelada a medida nestes dois casos, os bens deverão ser devolvidos ao acusado. Se os bens móveis arrestados, nos termos do art. 137, forem fungíveis e facilmente deterioráveis, estes deverão ser avaliados e levados à leilão público, devendo ser o dinheiro apurado, depositado ou entregue a terceiro idôneo, que assinará termo de responsabilidade (art. 137, § 1º c/c art. 120, § 5º do CPP). Se os bens móveis arrestados gerarem rendas, caberá ao juiz arbitrar uma importância proveniente destes rendimentos, a ser entregue à vítima para a sua manutenção e a de sua família.

O recurso cabível contra a decisão que concede ou não o arresto, será a apelação, como nas demais medidas assecuratórias.

2.5.3. Hipoteca legal.

É o direito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, assegura ao credor, precipuamente, o pagamento da dívida. Pode ser: convencional, a judicial ou a legal. A primeira, decorre do contrato celebrado entre o credor e o devedor da obrigação. A segunda, advém de uma sentença judicial. A terceira, a legal, é a que nos interessa, pois sobre ela que se refere o Código de Processo Penal. A hipoteca legal é aquela instituída pela lei, como medida cautelar, favorável a certas pessoas, com o fim de garantir determinadas obrigações (vide art. 827, VI do Código Civil Brasileiro).
A hipoteca legal poderá ser requerida em qualquer fase do processo. Cabe ressaltar o uso impreciso do termo indiciado na redação do artigo 134 do CPP. Mirabete alerta, entretanto, que alguns tribunais do país vêm entendo que a especialização da hipoteca poderia ocorrer antes do início da ação penal, posicionamento este, que data vênia, discordamos, pois a redação do artigo supracitado, é bem clara em dizer que a especialização da hipoteca poderá ser requerida em qualquer fase do processo.
Os requisitos necessários para a especialização da hipoteca legal são:
a) a prova inequívoca da materialidade do fato delituoso;
b) indícios suficientes de autoria.
O pedido de especialização da hipoteca legal pode ser formulado pelo ofendido (art. 134 do CPP), pela parte (art. 135 do CPP), pelo representante legal da vítima ou seus herdeiros (art. 842, I e 827, VI do CCB) e pelo Ministério Público, quando o ofendido for pobre e a ele requeira, ou se houver interesse da fazenda pública (municipal, estadual ou federal). Duas são as finalidades básicas da hipoteca, a primeira, é a de satisfazer o dano ex delicto; e a segunda, pagar as penas pecuniárias se aplicadas, e também, as despesas processuais. Deve-se ficar bem claro, que a primeira finalidade tem prioridade em relação à segunda, isto é, indeniza-se a vítima primeiro, e o que sobrar o Estado recolhe, conforme o disposto no artigo 140 do CPP. O procedimento para especialização da hipoteca legal está expresso no art. 135, caput e seus parágrafos.
No pedido de especialização da hipoteca, a parte deverá estimar o valor da responsabilidade civil, designar e estimar o imóvel ou imóveis que terão de ficar especialmente hipotecados. Recebido o requerimento, o juiz mandará proceder o arbitramento do valor da responsabilidade e à avaliação do imóvel. A petição deverá ser instruída com as provas ou indicar as provas em que se funda a estimativa da responsabilidade, com a relação dos imóveis que o responsável possuir, se outros tiver, além dos indicados no requerimento, e com os documentos que comprovam o domínio.
O acusado deverá ser citado. Feito isto, juiz ouvirá as parte no prazo comum de dois dias, que correrá em cartório, e poderá corrigir o arbitramento do valor da responsabilidade, se lhe parecer haver excesso ou ser deficiente. O valor da responsabilidade será definitivamente liquidado após a condenação, não existindo qualquer impedimento de ser requerido novo arbitramento, se qualquer das partes discordar do arbitramento realizado anteriormente à sentença condenatória.
Transitada em julgado a sentença condenatória, e não havendo discordância a respeito do arbitramento, os autos deverão ser remetidos ao juízo cível, onde deverão ser executados. A hipoteca legal será levantada ou cancelada, se o réu for absolvido por sentença transitada em julgado ou estiver extinta a sua punibilidade.

2.6 Incidente de falsidade:

Trata-se de um procedimento incidente, voltado à constatação da autenticidade de um documento, inserido nos autos do processo criminal principal, sobre o qual há controvérsia. Visa, pois, garantir o a formação de provas legítimas no processo penal, onde prevalece o princípio da verdade real, impedindo, que seja obscurecida pela falsidade trazida aos autos por umas das partes.
Instaurado o procedimento incidente de apuração de falsidade documental, com a argüição por escrito da falsidade de determinado documento constante nos autos, determinará o magistrado a autuação em apartado, abrindo prazo de 48 horas para a oitiva da parte contrária (a contar da intimação), Na seqüência, abre-se prazo de 3 dias para cada parte apresentar as provas que possui ou requerer a produção dos que não detém, julgado procedente, afastar-se-á toda q qualquer prova nociva ao acusado. Poderá ser argüida, por escrito, a sua falsidade tanto material quanto ideológica.
Para Greco, no processo penal, o incidente de falsidade não é uma ação declaratória incidental, mas é um simples incidente probatório, para subsidiar o juiz quanto à apreciação de um documento enquanto prova a influir na decisão. Instaura-se somente se houver necessidade de dilação probatória especial, que venha a acarretar um desvio do desenvolvimento normal do procedimento. Caso contrário, não há necessidade de se instaurar procedimento incidental distinto.
A argüição da falsidade, pode, ainda, ser feita por procurador, porém deve sê-lo por procurador com poderes especiais (art. 146), a fim de definir a responsabilidade pela imputação do falso. Essa exigência, contudo, só é admissível se o acusado estiver presente e puder outorgar os ditos poderes especiais, porque, se ele estiver ausente ou for incapaz, estará o defensor autorizado a fazer a argüição independentemente deles, em virtude da ampla defesa constitucionalmente garantida. A verificação da falsidade poderá, também, tendo em vista os poderes inquisitivos do juiz em relação à prova, ser determinada de ofício pelo magistrado.
O incidente encerra-se com decisão reconhecendo, ou não, a falsidade. Poderá, o juiz, ainda, somente deixar de declarar a falsidade por falta de elementos, o que não significa declaração de autenticidade e veracidade do documento. Essa decisão, em qualquer caso, terá efeito exclusivamente interno e repercutirá na fundamentação da sentença de mérito.
Da decisão que resolve o incidente cabe recurso no sentido estrito (art. 581, XVIII). Todavia, esse recurso tem menos utilidade do que parece, porque com ou sem ele o juiz ou o tribunal não deixará de apreciar a integridade do documento ao proferir a sentença de mérito, já que é em sua fundamentação que vai repercutir a fé que o documento merece.

CONCLUSÃO

Ate aqui, vimos os diversos meios de defesa indireta, ora apresentados por umas das partes ou de ofício pelo juiz, com o objetivo de prolongar o trâmite processual. Analisamos, também, a importância desses incidentes processuais no que tange a apreciação do mérito da causa principal. Pois, estes vinculam ? se ao processo principal, ocorrendo em apartado, proporcionando ao juiz a dilação da instrução ou a finalização do processo, antes do julgamento do mérito.
Ressalte-se que, as questões prejudiciais podem envolver suspeição, incompetência, ilegitimidade, litispendência, incompatibilidade, impedimentos, apreensão de produto do crime e medidas para garantir futura indenização. Todas estes, tem como alicerce os princípios do Direito Processual Penal e se perfazem por obediência a eles, o que faz com que haja a efetiva prestação jurisdicional, mesmo com o prolongamento do tramite processual.
Visam, impossibilitar a prática de abusos ou ilegalidades no curso do processo. Abrindo prazo para defesas indiretas, feitas em referência ao processo principal, que se forjadas podem levar ao cometimento de outros crimes, como por exemplo: crime contra a honra, nos casos de suspeição. Ou, de infração penal contra a fé pública, nos casos de incidente de falsidade. Devem, pois, ser alegados com cautela, respeitando o ordenamento jurídico .