DAS ALTERAÇÕES DA PRISÃO EM FLAGRANTE E A LEI 12.403/2011 

Humberto Farias de Alencar Filho[1]

Taciane Braga Araújo²

Vagda Horrana da Silva Barbosa Lima³ 

Resumo: O instituto da prisão em flagrante consiste num dos mais importantes meios através do qual o Estado exercita seu mister de cuidar da segurança da coletividade, uma vez que permite à autoridade policial o recolhimento imediato do indivíduo que pratica ato delituoso ao cárcere para garantir a pretensão punitiva estatal futura. Esse tipo de prisão já passou por inúmeras modificações, das quais a mais recente foi à operada pela Lei 12.403/2011. Com essa inovação legislativa, explicitou-se o caráter pré-cautelar da prisão em flagrante, dentre outras alterações extremamente relevantes. É com o intuito de fazer um levantamento de quais foram essas mudanças, bem como os seus impactos teóricos e práticos dentro do Ordenamento Jurídico que se lança essa produção, procurando, com base em abalizada doutrina a respeito, colher informações que possam aclarar mais como se configura esse relevante instituto jurídico hodiernamente.

Palavras-Chave: Prisão em Flagrante – Inovação legislativa - Conversão em preventiva

1. INTRODUÇÃO

O direito de punir do Estado é o meio pelo qual a sociedade civilmente organizada encontrou para proteger valores importantes à vida cotidiana, através da aplicação de uma sanção penal à transgressão das normas que tutelam esses bens jurídicos relevantes.

A prisão é um dos meios pelo qual a prestação jurisdicional desse direito de punir estatal é efetivada. Por ela, priva-se a liberdade da pessoa humana para garantir a contraprestação à sua conduta ilícita, para prevenir que ela reitere na prática criminosa e até mesmo para que a coletividade tome por “exemplo” essa punição para não se incorrer nas mesmas falhas.

Hodiernamente, o instituto da prisão encontra diversas configurações, organizadas para satisfazer determinadas pretensões estatais. Há o tipo de prisão que serve para satisfazer a sociedade de forma direta, atingindo o fim acima descrito, que é a advinda da sentença penal condenatória irrecorrível, a prisão por excelência. Além dela, todavia, há formas de prisão que servem para satisfazer a futura aplicação do Direito Penal, qual sejam as prisões acauteladoras da tutela jurisdicional.

Destaca-se, ainda assim, como alvo da presente produção, um tipo específico de prisão que requer muita atenção, que é a prisão em flagrante. Trata-se de um tipo sui generis de prisão, seja por sua excepcionalidade, seja por sua atual compreensão no ordenamento jurídico brasileiro, modificada recentemente por novel legislação processual.

Este trabalho tem o intuito de esclarecer como se fundamenta a prisão em flagrante delito, se estas estão em conformidade com a nova Lei 12.403/11, fazendo uma abordagem comparativa-indutiva da sua nova configuração no nosso Ordenamento. Utilizou-se o método de abordagem dialético-descritivo, valendo-se de pesquisas bibliográficas qualitativamente avaliadas.

2. DA PRISÃO EM FLAGRANTE

 

A prisão em flagrante é um dos meios de ação estatais mais importantes, sendo ela um mecanismo de defesa do Poder Público de imediato, que reprime a pessoa em sua liberdade, quando esta vir a ferir a ordem jurídica. “A origem etimológica da palavra flagrante deriva do latim ”flagrans”,” flagrantis”, verbo “flagare” (queimar), que significa ardente, abrasador, evidente. Quem tem por objetivo a imediata garantia da tutela de um bem jurídico maior, qual seja a segurança da coletividade.

O art. 302, do Código de Processo Penal (CPP), consta quais as situações que podem ser consideradas o flagrante delito:

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

O flagrante delito pode ser classificado em 03 (três) modalidades. Que são: flagrante próprio, flagrante impróprio e flagrante presumido. O flagrante próprio está tipificado no art. 302, I e II do CPP, que acontece quando o agente ativo da ação está efetivamente cometendo o delito. A prisão está ocorrendo no momento exato em que a pessoa está perfazendo a infração.

Parte da doutrina diz que esta hipótese de flagrante é em sentido estrito, pois o agente é preso ao estar cometendo a infração penal. Corresponde a certeza visual de que há um crime sendo cometido. No inciso II o flagrante é quando o agente acabou de cometer o ato infracional, fugindo logo em seguida. Nesta hipótese de flagrante a doutrina é divergente, ao dizer que o flagrante do art.302, II, é hipótese de quase flagrante e não de flagrante próprio, porém, não é a doutrina majoritária. Segundo Fernando da Costa Tourinho, “prisão em flagrante delito é, assim, a prisão daquele que é surpreendido no instante mesmo da consumação da infração penal”. 

Para Júlio Fabbrini Mirabete, “flagrante é o ilícito patente, irrecusável, insofismável, que permite a prisão do seu autor, sem mandado, por ser considerado a certeza visual do crime”.

O flagrante impróprio está tipificado no art. 302, III, do CPP, ocorre quando o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração. É importante saber que a perseguição seja ininterrupta, ou seja, não importando se a perseguição durou 30 (trinta) minutos ou 48 (quarenta e oito) horas.

O flagrante presumido está tipificado no art. 302, IV, do CPP, o agente é encontrado logo depois da prática de uma determinada infração, portando instrumentos armas objetos ou papeis que façam presumir ser ele o autor da infração. Neste caso não se exige perseguição, pois os objetos encontrados com o agente por si só já se pressupõe a autoria.

O flagrante ainda pode ser dividido quanto a sua origem, que são: flagrante provocado, flagrante esperado, flagrante forjado e flagrante prorrogado; o flagrante provocado é o exemplo de uma tocaia para pegar o autor, sendo provocada uma situação em que o agente cometerá o crime, mas ao mesmo tempo ele é impedido de praticá-lo. Os tribunais superiores vêm entendendo de que se trata de crime impossível, pela súmula 145 que diz que não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

 O flagrante esperado acontece quando as autoridades policiais são informadas que em determinado dia, hora e lugar acontecerá determinado crime, então as autoridades ficam de tocaia a espera-se a consumação do crime, este ato é permitido por lei, pois não houve nenhum preparo das autoridades para que os agentes cometam o delito.

O flagrante forjado acontece quando as provas do flagrante de delito são colocadas para incriminar outrem, ou seja, quando alguém coloca a prova do crime na posse de outra pessoa para incriminá-la, esta hipótese trata do crime impossível, pois o agente incriminado nada cometeu e sim quem forjou as provas, se for uma autoridade policial poderá ele ser punido por denunciação caluniosa ou por abuso de autoridade.

O flagrante prorrogado, nesta hipótese é praticado quando existe uma organização criminosa, onde as autoridades policiais esperam o momento mais oportuno para que possam efetuar o flagrante da maior quantidade de agentes daquela quadrilha.

2.1 A PRISÃO EM FLAGRANTE ANTES DA LEI 12.403/11.

Antes da lei 12.403/11, o Código de Processo Penal oferecia apenas duas modalidades de medidas cautelares de natureza pessoal: a prisão cautelar e liberdade provisória, ressaltando que esta só podia ser concedida aquele que fora preso em flagrante.

Desta forma, a prisão cautelar era executada quando o agente se encontrava preso em flagrante delito, e ao comunicar ao Estado-Juiz, que verificava a necessidade de manter a prisão, com o objetivo de prevenir que o réu não cometesse novos crimes ou se estando em liberdade prejudique a colheita de provas ou até mesmo fuja, transformando assim a prisão em flagrante delito em prisão cautelar.

Da mesma maneira acontecia com a liberdade provisória, onde o Estado- Juiz verificando a ausência dos requisitos dará ao infrator a sua liberdade provisória.

Assim sendo, o preso em flagrante delito, estando presentes os fundamentos da prisão preventiva, o magistrado oficiado determinaria sua manutenção cautelar, até nova deliberação judicial. Sendo preso em flagrante, ausente os requisitos da prisão cautelar, ser-lhe-ia concedida liberdade provisória, sem fiança, bastando que o acusado comparecesse aos atos processuais regularmente. Destarte, inexistia uma situação intermediária que preservasse a liberdade do acusado e a eficiência da Lei Penal.

3. DAS ALTERAÇÕES DA PRISÃO EM FLAGRANTE E A LEI 12.403/11

A lei 12.403/11 entrou em vigor a partir da data de 04 de Maio de 2011, alterou os dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941 – CPP,  referentes em regular sobre a prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, além de outras providências.

As prisões, medidas cautelares e a liberdade provisória só podem ser aplicadas quando estiverem presentes dois requisitos: Código de Processo Penal, art. 282, I - a necessidade para a aplicação da Lei Penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Com a alteração da Lei, foi introduzida as medida cautelares diversas de prisão, que podem ser aplicadas na fase investigatória ou processual propriamente dita. Essas medidas seriam aplicadas quando houvesse a necessidade e adequação, relegando para segundo plano a decretação da medida cautelar privativa de liberdade, ou seja, levou a prisão para ultimo plano, há ultima medida a ser adotada.

O magistrado ao receber o auto de prisão em flagrante deverá ele relaxar a prisão, ou converte-la em preventiva, quando presentes os requesitos citados acima. Não podendo o agente prosseguir preso pelo flagrante, e sim porque existem novos motivos que ensejam a prisão preventiva.

Dessa forma, o acusado preso em flagrante, levado ao conhecimento do Juiz de Direito, o magistrado não poderá deixá-lo preso em flagrante, como acontecia antes da lei 12403/11. Se o agente não tiver motivos para a conversão em prisão preventiva, o magistrado concederá ao acusado a liberdade provisória, se for o caso, com ou sem fiança, sob pena de cometimento de abuso de autoridade.

Vale ressaltar que em caso de prisão ilegal, reza o art. 5º, XLV da Constituição Federal, será imediatamente relaxada, tendo em vista o princípio constitucional do devido processo legal.

3.1 PRISÃO EM FLAGRANTE COM DA LEI 12.403/11

Com o advento da nova Lei de Prisões, o legislador propõe minimizar a quantidade de prisões cautelares constituindo rol taxativo de exigências que uma vez atendidas possibilita ao réu responder ao processo penal em liberdade.

Disciplina o art. 282 que serão aplicadas a prisão, medidas cautelares ou liberdade provisória quando houver necessidade de tais medidas para assegurar a investigação ou a instrução criminal e nos casos expressamente previstos em lei, para evitar a pratica de infrações penais.

Na aplicação das medidas dispostas acima, deve ser observado o princípio da equidade adequando a medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

O surgimento de tais exigências para imposição das prisões medidas cautelares e liberdade provisória abriu um leque de possibilidades do indiciado ou acusado permanecer em liberdade, surgindo com isso duas ideias antagônicas: de um lado aumentará a sensação de impunidade ao ter mais réus em liberdade e de outro lado implicará a aplicação de princípio constitucional da presunção de inocência, quando se tratar de crimes com pena máxima cominada em quatro anos.

Nesta seara, buscou o legislador minimizar o dano causado ao réu inocente ao ter sua liberdade privada por antecipação e consequentemente manter menor contato com o sistema carcerário brasileiro que se encontra em situação precária e sem as mínimas condições de promover a reabilitação do preso.

Por outro lado, não haverá impunidade decorrente da nova Lei de Prisões, vez que não houve alteração quanto à aplicação da pena imposta por sentença penal condenatória transitada em julgado. O que se verá na prática é uma maior quantidade de réus respondendo o processo penal em liberdade, o que em nada modificará a sansão aplicada ao final do processo.

3.2 PRISÃO EM FLAGRANTE COMO PRE-CAUTELARES

 

Parte da doutrina defende que a prisão em flagrante possui uma natureza pré-cautelar, na mesma ideia Aury Lopes Junior diz: “a prisão em flagrante não é uma medida cautelar processual, mas sim uma pré-cautelar, no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas destina-se a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar.”.

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3.3 DA NECESSIDADE DA CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM

MEDIDA CAUTELAR

O sistema penal brasileiro se funda na ressocialização do apenado. Nessa trilha, a Lei 12.403/2011 trouxe medidas alternativas à prisão buscando promover o fim almejado pelo Estado ao educar o criminoso a não voltar a delinquir.

Frise-se que o sistema prisional brasileiro é um sistema falido, devendo ser, enquanto permanecer com a estrutura atual, o último meio utilizado para punir o réu. Pois, como demonstram as estatísticas de reincidência criminal, observa-se que não está ocorrendo a ressocialização esperada, muito pelo contrário, está instigando apenados por crimes de natureza leve a cometer crimes mais graves quando mantém contato com criminosos perigosos.

Ademais, reza o art. 84 da Lei de Execução Penal que o preso provisório ficará separado do preso condenado, o que não ocorre na prática na maioria dos presídios brasileiros, prejudicando gravemente a possibilidade de ressocialização.

 

4. CONCLUSÃO

Face ao exposto, as mudanças decorrentes da lei 12.403 de 04 de maio de 2011, são importantes e necessárias, e demandam dos operadores e dos aplicadores do direito um amplo debate. Por essa razão, não se pretendeu esgotar o tema na presente produção. Muito antes pelo contrário.

Intentou-se fornecer apenas rápidas informações a respeito das inovações que a legislação processual penal forneceu nesse relevante aspecto, tratando, de maneira concisa e objetiva, dos pontos mais relevantes que envolvem a prisão em flagrante e sua atual configuração dentro do Ordenamento Jurídico.

Sobre essas mudanças, não custa asseverar: vieram em tempo oportuno. Elas refletem uma mudança de paradigmas nos quais a própria sociedade se estrutura. O esforço do Legislador foi tentar alterar os padrões da consciência coletiva, que, às vezes, por medo, acha que a função do poder estatal é prender, punir o transgressor.

Ao adotar a nova configuração, o instituto da prisão como um todo e, mais especificamente, a prisão em flagrante se revestem de um pensamento humanista, mais voltado a uma prestação jurisdicional célere mas, acima de tudo, eficaz.

 

5. REFERÊNCIAS

             

 

NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Processo e Execução Penal/Guilherme de Souza Nucci. – 7. Ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

http://www.infoescola.com/direito/prisao-em-flagrante/

http://www.jurisway.org.br/v2/cursoonline.asp?id_curso=124&id_titulo=859&pagina=10

http://jus.com.br/revista/texto/22769/prisao-em-flagrante-analise-de-sua-natureza-juridica-dainte-do-advento-da-lei-12-403-11



1Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP-CE — Juazeiro do Norte - CE, [email protected].

2Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP-CE — Juazeiro do Norte – CE

[email protected]

3 Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP-CE — Juazeiro do Norte – CE

[email protected]