As mudanças sociais, históricas e culturais que ocorreram nas últimas décadas influenciaram diretamente nas relações familiares e, portanto, na incidência da responsabilidade civil no fim do casamento.

A família concebida séculos atrás era hierarquializada, baseada no poder do “pater famílias” e sob a égide da Igreja Católica. O Estado via esta entidade como um núcleo econômico a ser tutelado e, apesar de não interferir nestas relações, pois o chefe de família era a autoridade máxima perante sua família, criava entraves para que não houvesse a dissolução do casamento.

Diferentemente da sociedade patriarcal que vigorou outrora, hoje o poder familiar é compartilhado entre o homem e a mulher e a entidade familiar encontra-se regulada pelo Estado laico e sua regulamentação jurídica. Assim, a relação familiar, agora baseada no individualismo, pode ser caracterizada pela liberdade, igualdade entre os cônjuges e a personalidade da cada um, bem como na ideia de proteção e respeito entre eles.

Diante de tais mudanças, coube ao Direito adequar-se á nova realidade social, adotando novos princípios reguladores das relações no direito de família, principalmente o de igualdade.

Dentre as principais mudanças legislativas no direito de família pode-se citar a Lei do Divórcio e a Emenda Constitucional nº 66/2010, os quais gradativamente retiraram os entraves criados anteriormente pelo Estado para o fim do casamento, como o fim de prazos para requerer a separação judicial e conversão para o divórcio, bem como a exclusão da culpa como demonstração da causa da separação.

Com a entrada em vigor das referidas normas jurídicas, foram afastadas as causas para a extinção do casamento, o que anteriormente era um dos requisitos para a separação judicial. No entanto, isto não afasta a possibilidade do cônjuge utilizar a culpa no fim do matrimônio para uma finalidade indenizatória.

A pacificação da sociedade pelo Estado Democrático de Direito é de suma importância, e tomou maior relevância perante o direito de família após o fim do poder do chefe de família na sociedade patriarcal. A responsabilidade civil, assim, assumiu contornos relevantes na proteção dos direitos dos cônjuges, não só relativamente aos de valores econômicos, mas também os relativos aos direitos de personalidade, abrangidos pela indenização por danos morais.

No entanto, a indenização por danos morais no direito de família ainda é motivo de discussão doutrinária, havendo quem acredite não ser cabível, uma vez que há sanções próprias previstas no direito de família, como o dever de alimentos, perda da guarda do filho, perda do direito de uso do sobrenome do cônjuge, por exemplo. Portanto, as regras previstas neste ramo do direito seriam suficientes para responder aos conflitos existentes nas relações jurídicas de natureza familiar.

Ainda que haja posições contrárias, aos poucos o direito de família vem acolhendo os princípios de responsabilidade civil no casamento, tendo o cuidado de não propiciar a descriminalização dos danos morais no instituto da família, de modo a patrimonializar estas relações, apenas contribuindo para sua desagregação.

Assim não tinha como ser diferente, pois com a maior proteção dos indivíduos e o reconhecimento dos direitos de personalidade inerentes a cada um, evidentemente não se pode negar estes direitos no final do casamento ao cônjuge eventualmente agredido moralmente somente por sua relação de matrimônio.

Importante ressaltar o caráter alimentar da pensão alimentícia prevista no artigo 1702 do Código Civil ao cônjuge inocente na separação judicial, não se confunde com o caráter indenizatório dos danos morais no fim do casamento, uma vez que esta obrigação alimentícia decorre do dever de assistência material que vigora no casamento e é baseado na necessidade de alimentos do cônjuge inocente e possibilidade de prover alimentos do cônjuge culpado pela separação, podendo inclusive ser aplicado juntamente com a responsabilidade civil.

Portanto, a pensão alimentícia a que o Código Civil faz referência não se trata de sanção, já que para sua fixação é necessário o preenchimento de requisitos e não compensa nem ressarce os prejuízos causados ao cônjuge agredido moralmente. Além do que, não tendo o Código Civil de 2002 feito a distinção entre as pensões alimentícias decorrentes da relação de ascendências, descendência, colateralidade, entre outros, nos permite concluir pela indiferença da origem da obrigação, correspondendo mais a um dever do que indenização.

Desta maneira, com base nos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana, bem como no respeito mútuo que deve preponderar entre os cônjuges, é de suma importância o reconhecimento da indenização por danos morais na separação judicial e no divórcio.

Nos casos em que há ofensa à imagem, reputação, honra do cônjuge e demais ofensas de cunho moral, havendo dano e demonstrado o nexo causal, ou seja, preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, não se pode afastar a compensação pela indenização àquele que sofreu tais danos por meramente se tratar de relação familiar. Haveria desta forma, restrição de direito de personalidade aos cônjuges no fim da relação matrimonial.

A doutrina no país vem reconhecendo cada vez mais estes direitos inerentes ao ser humano com aplicabilidade na separação judicial e no divórcio.

A jurisprudência brasileira, no entanto, ainda aplica com bastante zelo as indenizações por danos morais, sendo reconhecida a referida indenização pelo cônjuge quando há preenchimento de requisitos tais como a comprovação do dano, da culpa e do nexo de causalidade, além da profunda dor causada pelo outro cônjuge e se tratar de ato atentatório a um direito de personalidade, sendo que o mero descumprimento dos deveres do casamento, por si só, não são consideradas passíveis de tal condenação.

Por fim, há de se considerar a discussão sobre a falta de critérios e parâmetros objetivos em que o juiz deve se pautar para a atribuição do valor da indenização pelos danos morais, o que dificulta a equivalência dos danos morais pautados em critérios meramente subjetivos em casos idênticos, aumentando as discrepâncias dos valores aplicados nas indenizações pelos danos morais. É de se ressaltar também a ilicitude do enriquecimento sem causa no país, devendo-se atentar o juiz, às indenizações aplicadas com parcimônia.