DA SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A LEI 9.656/98

                                                         Eduardo Sousa Araújo

                                                         Diogo Cruvinel Batista

                                                         Renato Cleber Machado

                                                        João Manoel Cardoso Honorato

 

Nesta caminhada observa-se que a mola que impulsiona a responsabilidade do Estado junto ao setor público de saúde é a nossa Carta Política de 1988, diante a relevância do setor público de assistência a saúde, constata-se, que a mesma concede com liberdade à iniciativa privada quanto à prestação de serviço a saúde para contratar e estabelecer convênio; destaca-se na Seção II - Da Saúde, porém, especialmente nos arts.196, 197, 199, 200 e seguintes da CF/88.

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.”[1]

O que nos fica evidente, a considerar aplica-se também ao art.199 da CF/88 no que tange a assistência a saúde é livre à iniciativa privada, que poderá participar de forma complementar do SUS, segundo diretrizes fixadas pelo Poder Público, por outro lado, a realidade tem nos demonstrado que prepondera num sistema capitalista, não tem conseguido sustentar o auto custo para sua manutenção, assim falência do sistema previdenciário de assistência a saúde.

  Enaltece-se assim, o art.196, que a saúde deve ser prestada a todos que dela necessitem (princípio da universalidade), em igualdade de acesso. A leitura do dispositivo apresenta a saúde como um direito, que, como vimos acima, é tanto um direito fundamental como um direito social, referindo também que a saúde é também um dever do Estado.

Fazendo uma analise mais detalhada acerca do disposto no art.197 da Constituição Federal, afirma o conceituado Manuel Gonçalves Ferreira Filho, entende que a fiscalização e controle devem ficar a cargo do Poder Público, direto e indiretamente.

“em relação aos serviços e ações de atendimento à saúde, o texto prevê por um lado a edição de uma legislação que as regulamente, fiscalize e controle. Por outro lado, admite que as ações de saúde sejam prestadas por serviços instituídos pelo Poder Público, diretamente ou por este indiretamente, por meio de pessoas ou instituições conveniadas ou contratadas”[2].

 O controle dos serviços de saúde ao legislador ordinário no art. 197, a criação e fixação de diretrizes do Sistema único de Saúde art.198,  a participação da iniciativa privada, em caráter complementar, na assistência à saúde art.199, e o estabelecimento de atribuições do Sistema único de Saúde em caráter exemplificativo art.200.

Em termos gerais, a lei 9.656 de 1998 é avaliada como um importante instrumento para coibir os abusos das operadoras de planos de saúde contra os consumidores. Poucos ousariam defender abertamente a não intervenção estatal sobre as operadoras de planos de saúde. Os conflitos só se manifestam quando se discute qual é o objeto e a intensidade da regulamentação.

Uma linha de argumentação postula que a regulamentação visa corrigir/atenuar as falhas do mercado. Dessa maneira os temas que se tornaram objeto da regulamentação, como a ampliação de cobertura e o ressarcimento ao SUS, o registro das operadoras, o acompanhamento de preços pelo governo, obrigatoriedade da comprovação de solvência, reservas, técnicas, a permissão para a atuação de empresas e capital estrangeiro.

Para outros, respaldados pela ótica dos direitos dos consumidores e defesa da autonomia médica, as políticas governamentais devem estar direcionadas à garantia do acesso e qualidade da assistência aos clientes dos planos. O foco é impedir as restrições ao atendimento e, portanto, a negação da utilização de procedimentos. Nesse caso, a ênfase não é o controle da seleção de riscos, que é até aceita pelos consumidores, desde que incluída com clareza nos contratos. A intenção é que os consumidores e médicos decorram antes da defesa da não-interferência das operadoras sobre o consumo de serviços de saúde, ou seja, da liberdade de utilização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos, do que de uma aliança contra a seleção e menos ainda de críticas ante a distribuição desigual da exposição aos riscos.

Sob as luzes desenhou-se a resistência das empresas médicas e seguradoras às ampliações de cobertura e as ameaças de quebra das operadoras de menor porte face às exigências de demonstração de solvência. O que se discutia era o acerto da dose da regulação governamental, o peso da mão do Estado sobre o mercado. Esses conflitos foram reinterpretados pelos ministros da Fazenda e da Saúde, que se tornaram defensores respectivamente: de uma regulação governamental de menor intensidade institucionalizada através da Susep e da ação mais efetiva do Estado a ser protagonizada pelo Ministério da Saúde.

Assim o debate em torno da elaboração da lei 9.656 teve o mérito de desvelar um elenco de abusos das operadoras contra os clientes e remeter devidamente à esfera pública as atribuições de regulação e controle da assistência intermediada pelas empresas de assistência médica suplementar. No entanto, não logrou elaborar proposições efetivas para a regulação das extensas interfaces público-privadas da gestão dos riscos à saúde.

Destaca-se em primeiro lugar o recuo dos exércitos governistas no que se refere às ampliações de cobertura. Pressionado por grandes seguradoras e entidades de defesa do consumidor, o Ministério da Saúde desistiu da obrigatoriedade da adaptação dos contratos antigos às inclusões das coberturas previstas pela legislação (Medida Provisória 1908-17). As ameaças de elevação brutal dos preços dos prêmios perante os requerimentos de ampliação de cobertura, exemplificadas para uma assistência médica suplementar constituída exclusivamente por clientes de planos individuais tipo executivo, legitimaram, na prática, o direito do consumidor de "optar" por manter-se vinculado a um plano mais barato, com coberturas restritas.

Isso incidiu diretamente sobre outro pilar da regulamentação: o ressarcimento ao SUS, concebido para desestimular o atendimento de clientes de planos de saúde em estabelecimentos da rede pública e privada conveniada. À ampliação de cobertura deveria corresponder idealmente um "ressarcimento zero". Mas a análise, embora superficial, dos obstáculos à implementação do ressarcimento ao SUS traz elementos ainda mais esclarecedores sobre a imbricação dos provedores de serviços públicos e privados. De outro lado, operadoras argumentam que seus clientes optam espontaneamente pelo SUS e por isso estariam desobrigadas de ressarcir tais despesas. Embora qualquer previsão sobre possíveis desdobramentos do ressarcimento ao SUS seja precipitada, em função do estágio inicial da operacionalização da legislação, existem indícios relativos à inocuidade de medidas eminentemente tecnocráticas sobre os tradicionais mecanismos de transporte de clientes entre o público e o privado.

A regulação pública dos planos privados de saúde requer a construção de novas relações de compartilhamento de riscos à saúde entre Estado, empresas empregadoras e famílias. É necessário esmiuçar e rever painel de seleção de riscos utilizado pela base unificada de provedores de serviços de saúde e torná-lo mais permeável às demandas e necessidades dos clientes do SUS e dos planos de saúde.

Apesar disso a divisão entre sistema público e privado segue baseada na idéia de clientes pagantes e não pagantes. Outras dimensões como a organização e o financiamento da oferta de serviços dos subsistemas privados ainda não foram suficientemente estudadas. O desenvolvimento de pesquisas sobre a assistência médica suplementar é fundamental para o aprofundamento do conhecimento sobre o sistema de saúde brasileiro e certamente contribuirá para repor os sentidos do conceito de saúde que, no âmbito da assistência suplementar, foi reduzido a um rol de procedimentos médico-hospitalares.



[2] . FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentário à Constituição Federal de 1988, São Paulo: Saraiva, 1990. p.59.