DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 33 EM FACE DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

 

 

Filipe Vieira Lima

 

 

Resumo: O presente artigo disserta acerca da proposta de emenda constitucional nº 33, assim como os efeitos sobre a aplicação do princípio da separação dos poderes, clausula pétrea na constituição brasileira, e as funções exercidas pelo Poder Judiciário e Legislativo.

 

Palavras-chave: separação; poderes; proposta de emenda; Constituição Federal; Congresso Nacional.

 

Abstract: This article lecture about the proposed constitutional amendment No. 33, as well as the effects on the application of the principle of separation of powers entrenched clause in the Brazilian constitution, and the functions of the judiciary and legislature.

 

Key words: separation; powers; amendment proposal; Federal Constitution; National Congress.

 

 

  1. 1.                 Introdução

 

 

O presente artigo tem por intuito tecer uma breve análise acerca da proposta de emenda constitucional nº 33, correlacionando-a com o princípio da separação dos poderes, defendido em clausula pétrea pela constituição brasileira, assim como com as funções exercidas pelo Poder Judiciário e Legislativo, no que tange aos distanciamentos e aproximações no conteúdo de suas atribuições quanto às produções legislativas, ressaltando os confrontos que se estabelecem entre os institutos de simples aplicação da lei.

Para tanto devemos iniciar nossa discussão estabelecendo os parâmetros pelos quais se exterioriza tal projeto de emenda, apontando de forma sumária suas principais proposições e implicações, relacionando-as aos seus efeitos sobre a separação dos poderes, suas autonomias, assim como controles recíprocos.

 

 

  1. 2.                 PEC nº 33

 

Proposta pelo deputado estadual do Piauí, Nazareno Fonteles, a emenda traz à tela relevante discussão em relação às atividades do poder judiciário, propondo a alteração de alguns dispositivos constitucionais, discutindo o que entende como excessos por parte do Poder Judiciário, que segundo o deputado estariam limitando o Poder Legislativo e se excedendo.

 

 

2.1.           Do Art. 97 (CRFB)

 

 

O projeto supracitado sugere a alteração de alguns artigos da carta constitucional, dentre eles temos o art. 97, que com sua alteração, teríamos a mudança no quórum para declaração pelos tribunais competentes de inconstitucionalidade, passando do antigo quórum de maioria absoluta para quatro quintos de seus membros.

 

 

2.2.           Do Art. 103-A (CRFB)

 

 

Por meio da alteração de tal artigo pretende o deputado alterar os trâmites em relação à criação de súmulas vinculantes, tornando o processo de certa forma mais criterioso. Com a mudança, teríamos novo quórum para a aprovação de súmula com força vinculante, que de dois terços passaria a quatro quintos.

Ademais, o que talvez seja de mais impactante alteração, a criação de tais súmulas passaria a estar condicionada à aprovação pelo Congresso Nacional, qual teria o poder, dentro de um prazo de noventa dias sob condição de aprovação tácita, de apenas após sua ratificação ver os efeitos vinculantes de tais súmulas concretizados.

 

 

2.3.           Do Art. 102 (CRFB)

 

 

Quanto a este artigo a proposta traz mais uma limitação ao poder judiciário, sendo tal limitação imposta diretamente pelo poder legislativo. Com as mudanças e acréscimos, as decisões de declaração de inconstitucionalidade nas ações diretas não produzem efeito imediato vinculante, apenas depois de se submeterem à apreciação e aprovação do Congresso Nacional, o qual postulando pela constitucionalidade da norma em pauta, leva a controvérsia à consulta popular.

Terá com essas mudanças, o Congresso Nacional, prazo de noventa dias para votação quanto à declaração de inconstitucionalidade, prevalecendo a decisão do Supremo Tribunal Federal se não findada a votação com a conclusão do prazo proposto pelo projeto de emenda.

 

 

2.4.           Da Justificação

 

 

Os argumentos tecidos pelo proponente da emenda em questão girão em torno do atual ativismo judiciário, que é identificado por Nazareno como um protagonismo exacerbado, judicializando em demasia as relações sociais, especialmente as políticas, afirmando que: “Há muito o STF deixou de ser um legislador negativo, e passou a ser um legislador positivo. E diga-se, sem legitimidade eleitoral. O certo é que o Supremo vem se tornando um superlegislativo” (FONTELES, 2011).

Com essas alterações, afirma o deputado, pretende-se resgatar a soberania popular e o valor da representação, que se encontrariam ameaçadas pela posição atual do Poder Judiciário.

A mudança no quórum para a deliberação acerca da declaração de inconstitucionalidade se encontra justificada no seu projeto pelos argumentos de que a opinião de apenas seis juízes, por mais capacitados que sejam, não possuiria o poder de suplantar o que seria a “soberania popular” defendida pelas ações do Congresso Nacional. Devendo haver, segundo crê, uma “nítida e clara homogeneidade no entendimento da Suprema Corte” (FONTELES, 2011).

O aumento do quórum para aprovação da súmula vinculante, assim como a intromissão em tal processo pelo Congresso Nacional, se suportam pelos mesmos argumentos de homogeneidade e defesa da soberania popular, evitando o que, de acordo com o deputado, está configurado no cenário atual, como, por exemplo, situações em que o STF usa de forma indiscriminada o instituto da súmula vinculante, exacerbando seu papel judicial através de condutas ativistas, sendo tais súmulas equiparadas, segundo a proposta de emenda, à força de lei.

Com o fito de justificar as ratificações criadas que ficam a cargo do Congresso Nacional, no que tange às decisões de declaração de inconstitucionalidade perante as emendas constitucionais, afirma o deputado que o Congresso interviria após as alterações como representante do povo e que em sede de controvérsia insolúvel, onde da declaração de inconstitucionalidade o Congresso Nacional discorde, o próprio povo passaria a possuir poder decisório acerca da constitucionalidade. Como ele afirma: “Assim, havendo divergências entre a posição dos juízes e dos representantes do povo, caberia ao próprio povo à última palavra” (FONTELES, 2011).

Destarte a presente proposta de emenda constitucional pretende, de forma sumária, fazer uma revisão em relação aos sistemas de criação de súmulas vinculantes, assim como do controle de constitucionalidade, defendendo um poder maior tanto qualitativamente como quantitativamente para o Poder Legislativo no que tange a esses processos.

 

 

  1. 3.                 PEC nº 33 e a violação ao Princípio da Separação dos Poderes

 

 

Um dos principais argumentos contra a presente proposta de emenda constitucional seria que a mesma estaria violando cláusula pétrea da Constituição Federal, qual seja a da separação dos poderes, encontrada no artigo 60:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

 

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

 

II - do Presidente da República;

 

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

 

§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

 

§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

 

§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

 

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

 

I - a forma federativa de Estado;

 

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

 

III - a separação dos Poderes; (grifo nosso).

 

A separação dos poderes foi teorizada de certa forma tanto por Montesquieu, quanto Locke, Aristóteles, entre outros teóricos. Todos possuem em comum a ideia de separação dos poderes, mas cabe talvez especialmente a Montesquieu a ideia de criar um equilíbrio entre as esferas de poder atribuídas ao Estado, influenciando profundamente o federalismo nascido nos Estados Unidos, com a divisão nítida, tal como as ferramentas para manter-se as divisões, entre executivo, legislativo e judiciário.

Tendo isso em mente, o teor da cláusula supracitada, presente na nossa Constituição, nos demonstra a ideia de que na nossa nação os poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, devem estar conforme o princípio supramencionado, isto é, dotados de doses suficientes de independência e autonomia para que possam se organizar e equilibrar-se no exercício das funções inerentes ao Estado, exercendo modos de controles recíprocos, buscando-se evitar quaisquer abusos de poder.

 

 

3.1.           A Violação de Clausula Pétrea

 

 

Acreditam os críticos da PEC nº 33 que com as alterações supracitadas estaria o Congresso Nacional, representante maior do Poder Legislativo, ingerindo nas funções do Poder Judiciário, limitando a sua atividade, exercendo um controle ilegítimo acerca das atividades jurisdicionais.

Postulantes dessa corrente afirmam que são descabidas as medidas trazidas pelas propostas, como por exemplo, na sugestão de participação do Congresso Nacional como ratificador da declaração de constitucionalidade, onde se sustenta que tal Casa já possui esta competência devidamente regularizada, sendo a alteração medida de interposição do Legislativo sobre o judiciário, sustentando que quanto ao controle de constitucionalidade:

 

O próprio Poder Legislativo já o realiza, de forma prévia, através da comissão permanente de constituição e justiça, podendo, ainda, ser este controle realizado pelo plenário de qualquer das casas legislativas, quando houver rejeição de qualquer projeto em votação por inconstitucionalidade (COSTA, 2013).

 

Sendo assim estaria injustificado o controle trazido pela proposta perante as declarações de inconstitucionalidade, prevendo ratificação pelo Congresso Nacional, ou decisão popular por falta de acordo entre os poderes, haja vista que já tem o Poder Legislativo antes da aprovação do dispositivo que seja identificado pelo STF como inconstitucional, possibilidade de postular por sua inconstitucionalidade previamente. Restaria então tal medida provada como exacerbação das funções do legislativo, criando um controle e uma amarra de enorme peso ao judiciário, engessando-o, qual, cumpre destacar, tem como uma das funções primordiais zelar pela guarda da Constituição Federal.

Criticam ainda quanto às alterações de quórum e aprovação pelo Congresso Nacional para matéria de criação de súmulas vinculantes, todos os argumentos fundados pela separação dos poderes, pela defesa da independência funcional de cada poder constituído para o Estado, afirmando que a criação de súmulas vinculantes não se equipara a atividade de legislar, não possuindo tais súmulas caráter de lei, pois que:

 

Falta-lhes, portanto, uma característica fundamental das leis, que é a inovação no mundo jurídico. Não merece trânsito, portanto, o argumento de que as alterações propostas pela PEC nº 33/2011, em relação às súmulas vinculantes, apenas devolvem ao Legislativo uma competência que já era dele, considerando ser este o poder cuja função típica é a elaboração das leis (COSTA, 2013).

 

 

3.2.           A Defesa da Separação dos Poderes pela PEC nº 33

 

 

Por outro lado existe corrente defensora do projeto de emenda sustentando que em vez de ferir a clausula pétrea supracitada, tal proposta estaria na verdade resgatando a separação dos poderes já desvirtuada pela forma como se vem construindo as atribuições dadas ao Poder Judiciário, em especial o poder relegado ao STF para discutir matérias de interpretação constitucional.

Com o intuito de evitar postulados encontrados no senso comum, como afirma o deputado Nazareno, de que a Constituição seria o que o STF decide o que ela é, ou que cabe apenas a Suprema Corte a última palavra acerca da Constituição, vem, segundo seus defensores, a proposta de emenda a tornar mais criteriosa e homogênea a atividade do Poder Judiciário.

Portanto a mudança para o quórum de quatro quintos para declaração de inconstitucionalidade viria para evitar situações como nas quais em que, obedecendo ao atual critério de maioria absoluta: “Uma emenda constitucional aprovada por três quintos dos votos dos deputados e senadores cai por terra com o voto de um juiz (ou seis juízes, se se quiser)” (MELHADO, 2013).

Quanto à proposta em relação às súmulas vinculantes, os defensores das alterações propostas, acreditam que as mesmas é que atualmente violariam a separação dos poderes, ao ter um caráter normativo e não jurisdicional. Vejamos:

 

Embora se refira à validade, interpretação e eficácia de normas jurídicas, a súmula vinculante caracteriza-se pela abstratividade, generalidade, imperatividade e coercibilidade. Do ponto de vista ontológico, ela não tem natureza jurisdicional. A súmula vinculante é norma jurídica, pois produz efeitos erga ominis. (MELHADO, 2013)

 

De tal forma que a alteração viria a na verdade a resgatar as funções do Poder Legislativo, de maneira que restringiria, segundo seus adeptos, a ingerência atual do Poder Judiciário nas relações sociais, políticas, etc.

De acordo com aqueles que acreditam acertadas as propostas da emenda, as alterações quanto à ratificação pelo Congresso Nacional das declarações de inconstitucionalidade, criariam na verdade um novo modelo que, distintamente dos já consolidados americano e europeu, vem a trazer uma espécie de devolução da matéria em discussão ao congresso, não constituindo, sob tal ponto de vista, nenhuma intervenção de algum poder sobre o outro, mas na verdade importante fomento à participação popular, ao promover ao povo a possibilidade de solver conflitos entre os poderes acerca da inconstitucionalidade de dispositivos específicos.

 

 

  1. 4.                 Notas Conclusivas

 

 

Não nos cabe, por breve que se constitui o presente estudo, tecer maiores e profundas análises quanto a uma teorização acerca da separação dos poderes, princípio que há séculos vem sendo tema de importante discussão acadêmica. Contudo, cumpre-nos destacar como tal instituto vem se adaptando às novas realidades.

No atual contexto vemos a sua flexibilização para que atenda as vicissitudes presentes, por meio de um maior desenvolvimento de controles recíprocos, assim como formas de ingerência entre os poderes, os quais, todavia, permanecem ainda independentes com suas respectivas funções e atribuições.

É forçoso, antes de qualquer coisa, estabelecermos a discussão em relação às diferenças entre legislação e aplicação, pois a partir daí estaríamos prontos para afirmar se as atividades exercidas pelo Poder Judiciário seriam de fato comparadas a uma usurpação do Poder Legislativo, assim desvirtuando a separação dos poderes, ou se apenas estrito cumprimento da sua função.

Tendo isso em mente, cremos que apesar de criar uma espécie de lei para o caso concreto, que por súmula vinculante, pode acabar influenciando diversos outros casos, similar a uma lei, a função jurisdicional nesse patamar é meramente de aplicação da lei, haja vista que por serem “leis” vinculadas a casos concretos, lhes falta abstratividade e generalidade, quais são características imprescindíveis de um ato que se construa como lei, qual é e deve ser apenas criada pelo Poder Legislativo, competente para tanto.

Destarte, concluímos em pesar os pontos glorificáveis que traz à mesa a proposta de emenda em discussão no presente texto, de forma que ilumina a necessária discussão acerca do atual poder exercido pelo Supremo Tribunal Federal, que como guardião da Constituição Federal, deve também ter seus guardiões, pois quer queira quer não, em suas decisões quanto ao que se toma como constitucional ou inconstitucional em certos momentos cria as rédeas da história que conduz nossa sociedade.

Todavia, é de se notar que a proposta embora acertada quanto à necessidade para que se mantenha melhor controle quanto à atividade jurisdicional, melhor dizendo, sobre seu ativismo, sobre a judicialização da política, assim como acredita o deputado Nazareno, a crescente tendência do poder judiciário legislar de maneira indireta, traz solução equivocada ao acabar afrontando princípio de imprescindível relevância, defendido como clausula pétrea na nossa carta magna.

Dessa maneira acredito ser essencial o controle recíproco entre os poderes, mas discordo quanto às formas trazidas no projeto de emenda constitucional de nº 33, por motivos de que ao limitar um poder, que seria o Judiciário, acaba na verdade exacerbando as competências de outro, a saber, o Legislativo.
Com as sugeridas alterações, como a necessária ratificação do Congresso Nacional proposta no art. 102 e seus parágrafos, assim como sua participação proposta no art. 103-A e seus parágrafos, acaba-se por tencionar e engessar os processos de adaptação e correção Constitucional, levando ao sacrífico da celeridade dos processos de guarda constitucional entre tais poderes, assim como em relação às respostas que urge a sociedade, criando prerrogativas ao Poder Legislativo que exorbitam suas competências e ferem a separação dos poderes.

 

 

  1. 5.                 Referências Bibliográficas

 

 

BRASIL. Constituição. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988

 

COSTA, Oswaldo Poll. O espírito (antidemocrático) da PEC Nº 33/2011: uma questão de validade e não de vigência. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 108, jan 2013. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12671>. Acesso em: 01 de agosto 2014.

 

FONTELES, Nazareno. Proposta de emenda à Constituição nº 33, de 2011. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=876817&filename=PEC+33/2011>. Acesso em: 01 de agosto de 2014.

 

MARTINS, Renata. Entenda o que é a PEC 33. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2013/07/entenda-a-pec-33>. Acesso em: 01 de agosto de 2014.

 

MELHADO, Reginaldo. A PEC 33 é ameaça ao princípio da separação dos Poderes da República? Disponível em: <http://www.amatra9.org.br/?p=5942>. Acesso em: 01 de agosto de 2014.