DA PRODUÇÃO ANTECIPADA DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL INTRODUÇÃO O presente trabalho vem a explanar acerca da antecipação da produção de provas consideradas urgentes, determinadas pelo juiz no processo penal, nos casos em que ocorram a suspensão do processo quando o acusado for citado por edital e não comparecer ou não constituir advogado. Haverá cizânia quanto às quais casos existirão a possibilidade da antecipação, tendo aí uma divergência doutrinaria sobre o que seriam provas urgentes. Parte da doutrina afirma que, quando o legislador fala em prova urgente, estará ele englobando todas as possibilidades de perecimento das mesmas, incluindo a prova testemunhal no que concerne à morte da testemunha, a enfermidade grave impossibilitando a sua inquirição, como também o esquecimento dos fatos presenciados em decorrência do lapso temporal causado com a suspensão do processo. Outros entendem que a palavra urgente deve ser interpretada restritivamente, uma vez que a antecipação das provas se dará nos casos intempestivos, pois não haverá para o acusado a autodefesa e a defesa técnica, ferindo, assim, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa lhes assegurado. Diante desse impasse sobre quais casos seriam aplicados a antecipação das provas, o STJ editou uma súmula no qual estabeleceu que a antecipação se dê somente nos casos devidamente justificados e analisados pelo magistrado. DA PRODUÇÃO ANTECIPADA DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL Após a reforma no Código de Processo penal, a lei n. 9271/96 alterou o art. 366, dando-lhe a seguinte redação: ‘’ Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.’’ Ocorre, assim, a pedido do magistrado, a produção antecipada das provas consideradas urgentes no curso do processo, quando o réu for citado por edital, não comparecer e nem constituir advogado, bem como poderá pleitear a antecipação, de ofício, na fase do inquérito policial, antes mesmo da propositura da ação penal. Na fase do inquérito policial, as testemunhas que são ouvidas antecipadamente, deverão se submeter a um contraditório futuro, pois a primeira oitiva serviu apenas para declarar ao Juiz a existência do suposto delito, assim, quando do ingresso da ação penal devem novamente prestar depoimentos ao magistrado para que o mesmo possa ter uma livre convicção dos fatos ocorridos. O artigo ora em comento, permite a produção antecipada das provas desde que sejam consideradas urgentes. Mas, que provas poderiam ser consideradas ‘’urgentes’’? Vai depender do caso concreto. Conforme as lições de NUCCI: ‘’Não se deve banalizar a possibilidade de produção antecipada de provas, crendo ser regra o que vem a ser exceção. Somente as provas realmente perecíveis precisam ser efetivadas na ausência do réu, ainda que lhe seja nomeado defensor dativo. Dentre as que demandam maior controvérsia, está inequivocadamente, a prova testemunhal. ’’ (Nucci, 2011, pág. 652) Em se tratando de casos que envolvam perícias, busca e apreensão e oitiva de testemunhas, é inegável o caráter de urgência, vez que as referidas testemunhas não estão imunes a certos eventos ocorridos durante o curso da vida, como é o caso da morte, fato imprevisível, como também a mudança de endereço, de outro Estado ou até mesmo outro País, sem que ninguém saiba onde foi morar ou ficar gravemente enferma, impossibilitando dar-lhe o seu depoimento. Para NUCCI, a produção antecipada de provas é tida como uma medida cautelar, pois visa a evitar que as provas se percam. A produção antecipada das provas, para que seja legítima, deverá se assentar sobre duas bases: o binômio relevância e urgência. Relevante será a importância e o valor de tal prova frente ao caso apreciado pelo magistrado; e será urgente, quando houver a possibilidade de perca da prova com o decurso do tempo, nos possíveis casos acima descritos. O juiz deverá respeitar e analisar fielmente o referido binômio, uma vez que estará invertendo o procedimento natural do processo, produzindo provas definitivas em momentos intempestivos, nos casos permitidos pela lei. Contudo, é vedado ao juiz, com o intuito da busca da verdade real, tornar-se um juiz investigativo, pois essa não é a sua função, tendo que permanecer e agir, antes e durante o curso do processo, com imparcialidade. Deverá, no curso do processo, requisitar a instauração de produção de provas para dirimir eventuais dúvidas acerca de ponto relevante, mas sempre agindo de forma secundária às partes. Para alguns doutrinadores, a antecipação da prova não seria viável, pois afetaria a autodefesa e a defesa técnica assegurada ao acusado. A autodefesa consiste no direito de audiência e no direito de presença, ou seja, é assegurado ao acusado a participação, pessoalmente, no contraditório, e tomar conhecimento de todo o material probatório produzido no curso do processo. Por tal motivo, afirma-se que a participação do acusado nos atos processuais é uma consequência dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pois se o réu presenciar toda a inquirição da testemunha, poderá esclarecer algum fato controvertido ao seu advogado para que o mesmo possa fazer sua defesa consistente e plena. Não se leva em consideração todo e qualquer caso para aplicar a antecipação de provas, como nos casos de testemunhas que podem esquecer dos fatos, pois o mero risco de esquecimento não serve de contexto para a antecipação das provas, gerando constrangimento ilegal para o acusado. Conforme NUCCI: ‘’ Alguns defendem que a testemunha deve ser ouvida, porque pode esquecer o que viu ou sabe com o passar do tempo – por isso, é sempre urgente. Outros, preservando a excepcionalidade estabelecida em lei, preferem crer que somente o prudente critério do juiz poderá decidir e discernir acerca da prova testemunhal urgente, de outra, que irrelevante se apresenta. Ouvir uma criança, que tenha visto um crime, é urgente, pois o próprio desenvolvimento físico e psicológico do informante poderá alterar-se, comprometendo relevantes dados armazenados em sua memória. Entretanto, ouvir uma pessoa que, na fase policial, já declarou que apenas ouviu dizer a respeito de quem seria o autor do crime, sem fornecer nenhum outro dado relevante, é indevido. Assim, sustentamos que cabe ao prudente critério do magistrado decidir a respeito da urgência prova, sem haver qualquer tipo de generalização. ‘’(Nucci, 2011, pág. 652) Diante dessa discussão sobre os limites da antecipação da produção de provas, posicionou-se o STJ frente a esse entrave. Editou a Súmula 455 no sentido de que ‘’a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo. ‘’ A referida sumula afirma o óbvio, a antecipação se dará somente nos casos devidamente justificados e analisados pelo magistrado. Isso porque, a regra é a de que o acusado esteja presente em todos os atos processuais, assegurando-lhes o contraditório e a ampla defesa; cabendo à exceção para que seja produzido antes, diferido o contraditório para momento futuro. Mas, hoje em dia, a praxe forense é a de que basta o réu não ser encontrado e, consequentemente, seja citado por edital para que se suspenda o processo e seja decretada a antecipação das provas. O STJ, preocupado em garantir um processo equitativo limitou os fatos que poderiam ensejar a antecipação, não bastando a possibilidade de mero esquecimento dos fatos por parte da testemunha devido ao lapso temporal decorrido da suspensão do processo, requerendo, assim, uma motivação justa e concretamente fundamentada a ser avaliada pelo magistrado. Bem assim, é o entendimento majoritário da jurisprudência atualmente. HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARGUIÇÃODE NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. ACÓRDÃO QUE REPRODUZ EXATOSTERMOS DO ARESTO CASSADO POR ESTE SODALÍCIO. ANULAÇÃO EM RAZÃO DAMÁCULA NA COMPOSIÇÃO DO ÓRGÃO COLEGIADO. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADENA FUNDAMENTAÇÃO UTILIZADA ANTERIORMENTE. PRINCÍPIO DO LIVRECONVENCIMENTO MOTIVADO. QUESTÕES SUSCITADAS PELA DEFESA APRECIADAS.CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Não obstante a decisão vergastada tenha adotado como razões de decidir os mesmos fundamentos do acórdão anulado por este Sodalício,certo é que tal conduta não implica nulidade, tendo em vista que o Desembargador Relator realizou o cotejo das alegações recursais coma decisão recorrida, contemplando todas as questões suscitadas pela defesa, atuando, portanto, dentro do livre convencimento motivado. 2. A nulidade do acórdão cassado se deu em razão da mácula na formação do órgão colegiado que apreciou o inconformismo – composto majoritariamente por juízes de primeiro grau - e não por qualquer irregularidade na sua fundamentação, razão pela qual não se vislumbra qualquer constrangimento ilegal suportado pelo paciente se o Órgão Colegiado adotou idêntico entendimento e chegou às mesmas conclusões que as constantes do acórdão anteriormente proferido. 3. Tais circunstâncias afastam a alegada ofensa ao disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, já que os fundamentos que levaram o Tribunal de origem a decidir pela antecipação da produção de provas foram externados no acórdão objurgado,viabilizando, assim, o manejo dos meios de impugnação e controle cabíveis.PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. ART. 366 DO CPP. PROVA TESTEMUNHAL.MEDIDA CAUTELAR. CARÁTER URGENTE. FALIBILIDADE DA MEMÓRIA HUMANA.RELEVANTE TRANSCURSO DE TEMPO DESDE A DATA DOS FATOS. AUSÊNCIA DEPREJUÍZO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.1. Não obstante o enunciado nº 455 da Súmula desta Corte de Justiça disponha que "a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo", a natureza urgente ensejadora da produção antecipada de provas, nos termos do citado artigo, é inerente à prova testemunhal,tendo em vista a falibilidade da memória humana.2. Não há como negar o concreto risco de perecimento da prova testemunhal tendo em vista a alta probabilidade de esquecimento dos fatos distanciados do tempo de sua prática, sendo que detalhes relevantes ao deslinde da questão poderão ser perdidos com o decurso do tempo à causa da revelia do acusado.3. O deferimento da realização da produção antecipada de provas não traz qualquer prejuízo para a defesa, já que, além do ato ser realizado na presença de defensor nomeado, caso o acusado compareça ao processo futuramente, poderá requerer a produção das provas que entender necessárias para a comprovação da tese defensiva. 4. Na hipótese vertente, o temor na demora da produção de prova se justifica pelo fato do suposto delito narrado na denuncia ter ocorrido em 2005, isto é, aproximadamente 5 (cinco) anos antes de proferido o acórdão que determinou a produção antecipada de provas,correndo-se enorme risco de que detalhes relevantes do caso se perdessem na memória das testemunhas, circunstância que evidencia a necessidade da medida antecipatória. 5. Ordem denegada. CONCLUSÃO Diante do que foi explanado no presente trabalho, a antecipação das provas tidas como urgentes no processo penal durante a suspensão do processo, devido ao não comparecimento do acusado ou a não constituição de advogado quando citado por edital, é possível nos casos devidamente justificados e fundamentados pelo magistrado, devendo a este analisar acerca das possibilidades de aplicação da antecipação, conforme a súmula 455 do STJ. Contudo, ainda persiste a divergência doutrinária sobre a possibilidade de antecipação das provas nos casos em que a testemunha que presenciou o fato tido como delituoso, poderá, com o decurso da suspensão do processo, esquecer-se do que presenciou. Se faz necessário, uma avaliação realizada pelo magistrado do caso concreto apresentado para, ao seu ver, se haverá a possibilidade da antecipação de determinadas provas, sem ferir o contraditório e a ampla defesa do acusado, principio que lhe é assegurado constitucionalmente. Por isso, que a súmula do STJ veio a disciplinar o entrave ocorrido entre os doutrinadores. BIBLIOGRAFIA http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21287921/habeas-corpus-hc-210388-sp-2011-0141466-6-stj. Acesso em: 16 abr. 2013. http://devidoprocessopenal.com.br/2010/09/02/nova-sumula-do-stj-regula-a-producao-antecipada-de-provas-no-processo-penal/. Acesso em: 16 abr. 2013. GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Súmula 455 do STJ: produção antecipada de prova. Justificação. Disponível em http://www.lfg.com.br - 15 de setembro de 2010. Acesso em: 16 abr. 2013. MARCÃO, Renato. A produção antecipada da prova no art. 366 do Código de Processo Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003 . Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2013. NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza Nucci. – 7.ed.rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2011.