1. DO INTRÓITO

O presente trabalho acadêmico visa à reflexão sobre a principiologia do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).

No mundo em que vivemos, sem harmonia, num plano em constante transformação, deparamo-nos ainda hoje com poucas reflexões diante de um tema tão atual e comentado pelos diversos setores, eis que é de suma importância para a manutenção da dignidade da pessoa humana.

Em 1990, com o advento da Lei nº 8.078, muita coisa mudou, não obstante esteja muito aquém do que ainda deva ser alterado, porém, resta claro que o legislador já avançou no sentido de se estabelecer alguma proteção jurídica.

Em que pese existam diversos doutrinadores abordando a questão do Direito do Consumidor conforme iremos explicitar no momento oportuno, resta cristalino que até os dias atuais, ou seja, dezenove anos depois da promulgação da lei, ainda não há um consenso em relação a existência e real conteúdo dos princípios de defesa das relações de consumo.

Antes de ingressarmos neste tema propriamente dito iremos analisar a origem da sistematização legal de um Estado a partir de seus valores e princípios.

Pari passu introduziremos o leitor no âmago dos princípios fundamentais previstos no artigo 1º da Constituição Federal Brasileira, reportando-os logo em seguida para a análise pormenorizada da principiologia do Código de Defesa do Consumidor.

Finda a análise individual de cada princípio elencado mais precisamente no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, passaremos a abordar as diversas correntes doutrinárias que discorrem sobre o tema, principalmente em relação à existência de tais princípios e a sua classificação no mundo jurídico.

Em relação ao interesse difuso mencionado, analisaremos a sua conceituação e classificação doutrinária de modo que, o presente trabalho acadêmico possa trazer ao leitor ao seu contexto atual.

2. DA NORMA JURÍDICA

A partir da concepção do Estado houve a necessidade de uma padronização, um controle nas ações comportamentais dos entes que sobreviviam no mesmo território.

Assim, visando garantir e impor a sua soberani,a os respectivos Estados impunham o seu conjunto de normas cogentes, dotadas de sanção e que buscavam atingir todos os administrados visando o bem comum.

Imperioso consignar que, o significado dessa expressão "bem comum" foi sendo modificado, polido e reinterpretado de acordo com a evolução das respectivas sociedades, passando de um ideal de Estado (conservador) para um ideal de ser humano (liberal). Não é por acaso que ainda hoje verificamos choques entre as gerações de juristas, pois anteriormente nossas ações eram voltadas muito mais para o Estado do que para a nossa satisfação, o revés do que ocorre hodiernamente, principalmente diante do fenômeno da pós-modernidade (para os que aceitam tal concepção).

Não faremos nesse trabalho uma análise sucinta do conceito de norma jurídica, nem de suas características, pois isso fugiria do objetivo e do objeto do presente trabalho acadêmico, porém, de rigor verificarmos que para a consecução de seus fins mister se faz a composição de um ordenamento jurídico.

Assim sendo, resta cristalino que cada Estado fará as suas normas de acordo com as suas concepções políticas, sociais, filosóficas e porque não, religiosas. A essas concepções daremos o nome de "valores".

A partir dessas concepções é que são formados os princípios e, em razão disso, surgem as regras propriamente ditas, ou melhor, as leis em sentido amplo.

Na análise do caso concreto, podem ocorrer casos de colisão entre os princípios, razão pela qual, deveremos refletir sobre os mesmos através dos chamados postulados.

Podemos concluir, portanto, que a norma jurídica (gênero) surge a partir de valores e possui como espécies: os princípios, os postulados e as regras, ou seja, as leis propriamente ditas (lato sensu).

A doutrina diverge em relação à classificação apontada neste trabalho, porém, entendemos, que esta é a mais coerente com a nossa sistemática jurídica.

Faremos, agora, um breve estudo sobre cada uma das espécies de norma jurídica, para que possamos refletir com maior teor a principiologia do Código de Defesa do Consumidor.

2.1. Dos Valores como Fundamento do Estado

Como acima aludido, valores não são espécies normativas, pois revelam os ideais dos seres humanos.

Poderíamos conceituá-los como sendo os ideais que regem seus comportamentos nas relações interssubjetivas, pois encontram-se no plano ontológico (supranormativos e não normativos).

Imperioso esclarecermos que, os valores são inerentes ao ser que já nasce com uma carga valorativa que está intimamente subjugada em sua psique. Tal carga será lapidada de acordo com o grau de sabedoria e conhecimento que o mesmo receber ao longo de sua vida, tais como, a educação familiar, a educação e sobrevivência social, os contatos culturais e multidisciplinares também são responsáveis pela concepção dos valores do ser humano.

Não é forçoso concluirmos que, a partir da evolução do homem e da sua respectiva sociedade evoluem, também, os valores daquele ser.

Podemos demonstrar facilmente isso, a partir de situações ainda recentes em nossa sociedade, tais como: a discussão acerca do aborto, da união homoafetiva, etc.

Antigamente sequer poderíamos falar nesses assuntos, que já éramos mal interpretados por nossos pares que nos subjulgavam de pervertidos e anarquistas. Hoje a situação mudou bastante, porém, ainda vivenciamos muito preconceito e hipocrisia em nossa sociedade, mas já evoluímos.

A própria concepção de bem comum, modificou como dissemos anteriormente e podendo citar como exemplo as greves das polícias civil e federal. Antigamente os policiais eram obrigados a trabalhar em situação precária, posto que deveriam preservar o Estado em detrimento da própria vida!

Hoje essa afirmativa ainda sobrevive, porém, esse Estado tem o dever de garantir meios logísticos e funcionais para que os policiais possam desempenhar o seu serviço com a eficiência que a sociedade espera. Trataremos mais sobre esse tema no momento oportuno do presente trabalho.

2.2. Dos Princípios como Espécie Normativa

Como acima mencionado, a partir da extração de seus valores, a sociedade elabora o seu arcabouço jurídico, primeiramente, através de diretrizes que determinarão as linhas que serão de forma mais concreta adimplidas pelas regras.

As normas que dizem respeito as diretrizes são chamadas de princípios. Assim, poderíamos conceituá-los como sendo normas que visam promover um "estado de coisas".

Trata-se de hipótese normativa mais abrangente do que as regras, que por sua vez descrevem os eventos de forma mais concreta e delineada. Consequentemente, essa última determina as obrigações, permissões evedações aos administrados, ao passo que os princípios, como já salientado alhures, apontam as diretrizes do sistema.

Explicitando cientificamente, os princípios possuem maior carga axiológica, maior carga de abstração e otimização do que as regras. Entretanto, uma coisa deve ficar muito clara: as regras não podem se sobrepor aos princípios, não podem inobservar o seu conteúdo sob pena de ineficácia e ilegitimidade de seu postulado.

Havendo conflito de regras, serão os princípios que irão dirimi-lo, porém havendo conflito, ou melhor, colidência entre princípios, apenas os postulados poderão resolvê-lo.

Conforme ensina o professor doutor Rizzatto Nunes:

"Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo sistema ético-jurídico, os mais importantes a ser considerados não só pelo aplicador do Direito mas também por todos aqueles que, de alguma forma, ao sistema jurídico se dirijam. Assim estudantes, professores, cientistas, operadores do Direito – advogados, juízes, promotores públicos etc. - , todos têm de, em primeiro lugar, levar em consideração os princípios norteadores de todas as demais normas jurídicas existentes.

Nenhuma interpretação será bem feita se for desprezado um princípio. É que ele, como estrela máxima do universo ético-jurídico, vai sempre influir no conteúdo e alcance de todas as normas."[1]

Destarte, antes de analisarmos as regras, de rigor nos conscientizamos que os princípios devem seguir os valores da sociedade e, por conseguinte, as regras devem seguir os princípios, sob pena de construir um ordenamento jurídico falho, ilegítimo e ineficaz.

Mister se faz consignar que, no Brasil a própria norma tenta desvirtuar a premissa lógica acima aludida, senão vejamos: o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942) e o artigo 126 do Código de Processo Civil se apresentam com a seguinte redação, ipsis verbis:

"Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".

"Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe –á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito".

Como poderiam duas normas infraconstitucionais desvirtuarem um sistema? A resposta é fácil e lógica, não podem!

O ordenamento jurídico de qualquer país do mundo, funciona através da lógica mencionada em nosso trabalho, na primeira parte da exposição, inclusive o brasileiro, resta impróprio que alguém se valha da analogia, dos costumes, para somente depois se valer dos princípios, ainda mais os princípios gerais de Direito que fomentam por sua vez todos os ramos do Direito.

Nas palavras do professor Rizzatto Nunes, os princípios são pautados na razão ético-jurídica-universal e, portanto, concordamos com a posição da professora doutora Mirela Angelo Caldeira, no sentido que os dois dispositivos acima consignados não foram recepcionados pela nova ordem constitucional.

 

2.3. Da Regra como Espécie Normativa

Ab initio, necessário distinguirmos a diferença terminológica entre os termos: ordenamento jurídico e norma jurídica.

O primeiro nada mais é do que o próprio texto, enunciados, dispositivos legais, enquanto que o segundo é tudo que se aplica (postulados, princípios e regras).

Apenas para exemplificarmos, como é notório, temos o nosso ordenamento jurídico penal, dentre eles, o mais conhecido o Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940). Caso alguém venha a praticar um fato descrito naquele ordenamento a esta pessoa será aplicada a respectiva norma afeta ao caso. Com verificamos trata-se de distinção meramente terminológica.

Retornando a linha de raciocínio inerente as espécies normativas, pari passu ao acima exposto, a regra nada mais é do que a concretização dos princípios ao caso concreto.

A doutrina possui diversos critérios para distinguí-las dos princípios, porém todos concordam que os princípios descrevem eventos mais abrangentes, eis que abordam questões mais amplas, de carga axiológica muito superior as regras.

Interessante verificar que, como toda regra decorre de um princípio, o conflito entre elas será resolvido pela ponderação de princípios, como já havíamos aduzido acima.

Entretanto, se analisarmos mais friamente, verificaremos que na verdade o que pode de fato colidir, são os princípios e não as regras, posto que na pior das hipóteses resolveremos a questão das regras nos princípios.

Já no tocante aos princípios, a colidência deverá ser resolvida através da aplicação de outra espécie normativa, a qual denominaremos no presente trabalho de postulados.

2.4. Do Postulado como Espécie Normativa

Os postulados são espécies normativas ainda não reconhecidos por parte da doutrina jurídica pátria, com raríssimas exceções, como por exemplo, o professor doutor Humberto Ávila e o Ministro do Supremo Tribunal Federal, o professor doutor Eros Roberto Grau.

Fácil constatarmos a falta de reconhecimento desta espécie normativa, à medida que, aprendemos nas faculdades de Direito que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade (para quem os diferencia) são princípios e não postulados!

Conforme ensinam os mestrandos Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo e Marcos Aguiar Villas Boas, o postulado é uma metanorma, ou seja, um instrumento técnico-jurídico apto a desvendar a devida aplicação dos princípios e consequentemente das regras que existem no ordenamento jurídico.[2]

Apenas para reforçar o que afirmamos no início desse tópico, para a grande parte da doutrina pátria, tal espécie normativa não existe, sendo que para alguns nada mais é do que princípio (Willis Santiago Guerra), para outros regra (Martin Broowsky e Jan-Reinard Sieckmann), chegando até a ser considerada uma mistura entre regra e princípio.[3]

Na verdade, os postulados não possuem carga axiológica alguma, possuem, senão, conteúdo lacônico que demanda um raciocínio multifacetário, ou seja, demanda a análise das regras e princípios que norteiam o caso concreto.

Os doutrinadores baianos muito bem transcorreram sobre essa distinção no artigo acima suscitado, sustentando a autonomia dos postulados, frente aos princípios a partir dos seguintes aspectos:

"A) os postulados, ao contrário dos princípios, não obrigam ao impulsionamento de um fim, em lugar disso, organizam a aplicabilidade do dever de fomentar um fim; b) os postulados, diversamente dos princípios, não prescrevem de modo oblíquo condutas, mas um "sistema de raciocínio" e argumentação afeto a normas que mediatamente preceituam condutas; c) os postulados, em oposição às regras, não narram detalhadamente condutas, em vez disso, organizam o emprego de normas que o fazem; d) os postulados, ao contrário das regras, não requerem uma atividade de subsunção, em verdade, eles exigem a "ordenação e aplicação entre vários elementos".[4]

Os principais postulados existentes em nosso ordenamento jurídico são: os postulados da ponderação, proporcionalidade, razoabilidade e igualdade.

Apenas em relação a essa espécie normativa, muito poderia ser exposto em minúcia, porém, como o mesmo não é o objetivo do presente trabalho, visto que o nosso ordenamento é pautado nos valores e desses valores surgem os princípios, passemos a analisar os princípios fundamentais do Brasil.


3. DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS BRASILEIROS

A partir do raciocínio que desenvolvemos no item acima, a partir dos valores inerentes ao nosso povo, o nosso ordenamento supremo buscou extrair as principais características de nosso povo para, a partir daí, responder aos anseios de uma população sofrida que agüentou durante décadas autoritarismo, violência, mordaça, etc.

Foi desse contexto que surgiu a nossa atual Lei Maior, que em seu artigo 1º fez questão de consignar os princípios fundamentais de toda a sua estrutura. Esse artigo diz, in verbis:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Inicialmente gostaríamos de esclarecer que o texto constitucional traz a expressão "são fundamentos" e não princípios, porém, a expressão "fundamento" possui significado de "que se funda", "de onde se embasa", "princípio", razão pela qual preferimos interpretar que o legislador quis enfatizar que tratam-se de princípios basilares, que norteiam todo o sistema constitucional e por conseguinte as demais normas.[5]

Nota-se que a preocupação do Constituinte foi enorme, que fez questão de iniciar o texto constitucional com a inserção do princípio do Estado Democrático de Direito, onde deixa bem claro que, todo o poder do Estado emana do povo, para ser exercido pelo povo e para o povo!

Também deixa evidente que se trata de uma federação, que sem exceção pautará os seus administrados nas seguintes premissas: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.

O parágrafo único vem apenas para explicitar o que o caput trouxe à baila através do princípio acima consignado.

Em relação à soberania,trata-se de um dos atributos do Estado, o mais valoroso- diga-se de passagem - pois, é a partir dele que o nosso país deixa cristalino que toma as suas decisões de forma independente. Óbvio que aqui se trata de independência política pois sabemos que no ocidente, onde o capitalismo reina soberano, nenhum país é independente economicamente.

No contexto político, social e jurídico, a soberania está ligada ao poder de autodeterminação em relação aos demais Estados do globo. A partir desse fundamento, o artigo 4º da Constituição Federal traça o perfil do Estado brasileiro em suas relações internacionais, in verbis:

"Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações".

O princípio da soberania é o responsável pelos calorosos debates jurídicos relacionados à forma de recepção dos tratados internacionais eis que, independentemente da corrente que se siga, não podemos esquecer que nosso país e, portanto, a nossa legislação, sempre será soberana.

Até mesmo quando o tratado versar sobre matéria de Direitos Humanos, caso em que as normas benéficas terão suporte constitucional pois, a própria soberania brasileira demanda a prevalência dos direitos humanos.

Em relação à cidadania, palavra essa que provém do latim "civitas", que significa "cidade", é o conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive. É a qualidade ou condição de cidadão; condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar, assim sendo é a qualidade das pessoas que possuem direitos civis e políticos resguardados pelo Estado.

Assim, o vínculo de cidadania estabelece direitos e obrigações da pessoa com o Estado, facultando aos cidadãos prerrogativas para o desempenho de atividades políticas (artigos 12 e 14 da Constituição Federal).[6]

O fundamento do pluralismo político, foi fruto do trauma vivenciado pela sociedade brasileira durante décadas de golpes e truculência por parte de tiranos que "vestidos em pele de carneiro" atuaram como diversos "lobos" frente aos direitos dos cidadãos.

Trata-se da possibilidade de existência de diversas linhas políticas em nosso território. Ocorre que, tal concepção foi há muito modificada e, atualmente, não vemos a concretização desse fundamento, haja vista que os políticos filiam-se à partidos por interesses particulares, muitas vezes com interesses diversos da ideologia do partido filiado, quando não, mudam posteriormente (fato espúrio que culminou com a tese denominada "fidelidade partidária").

Outro fator importante é que, nos dias atuais, as ideologias partidárias são quase idênticas, razão pela qual acreditamos que a população brasileira fica bastante confusa, com a sensação de que "todos os partidos são iguais", o que de fato destoa com os ideais constitucionalistas de 1988.

Nesse sentido, infelizmente, embora jocoso, ilustrou bem essa situação o colunista Rubem Alves, em um artigo que escreveu no caderno "Cotidiano" do jornal Folha de São Paulo de 07/07/2009, onde em síntese aduziu que "no Brasil, são muitos os partidos que, no frigir dos ovos, se reduzem a dois: o das raposas e o das galinhas". [7]

Em relação ao fundamento dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, resta límpido que o Brasil "constitucionalizou" a sua opção político-econômica pelo capitalismo temperado pois à medida que busca o implemento de sua economia (lucro) não deixa de preservar o valor do trabalho, da seguridade social e dos demais valores sociais inerentes ao trabalho.

Finalmente, o artigo 1º da Lei Magna encarta o fundamento mais imperioso que deve refletir suas vibrações, nos demais pilares consignados na Constituição Federal e deles para todo o arcabouço jurídico brasileiro, trata-se da dignidade da pessoa humana.

Muito se tem debatido em relação ao fundamento suso mencionado, sendo que alguns juristas, dentre os quais a profa. Dra. Mirella Angelo Caldeira, chegam a suscitar se de fato ele seria um princípio apto a despertar valores.

Importante consignar que, em posição diametralmente oposta ao da professora acima mencionada, encontramos doutrina e inclusive julgados que já sustentam que a dignidade da pessoa humana seria princípio pois, está descrita na norma, mas também seria um verdadeiro "valor" positivado tamanha sua relevância ao ordenamento jurídico brasileiro e mundial.[8]

Longe de querermos dirimir essa questão de forma definitiva, trataremos a dignidade da pessoa humana como princípio eis que, positivado.

Importante consignarmos que esse princípio é considerado pelos doutrinadores modernos, como sendo o principal princípio consignado por nossa constituição federal, posição esta que era ocupada pelo princípio da isonomia.[9]

Os jusfilósofos explicam essa mudança, como sendo a transição da época moderna para a pós-modernidade (isso para aqueles filósofos que consideram que existe a pós-modernidade).

Contudo, no tocante ao conceito desse princípio, a maior parte da doutrina rodeia mas não chega a definir de forma objetiva esse pilar constitucional.

No entanto, o professor doutor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, é o doutrinador que melhor se aproxima do sentido e alcance do princípio visto que, vê a dignidade humana como sendo o resultado da combinação entre os valores sociais positivados no artigo 6º da Constituição Federal e o conceito de "bem ambiental", positivado no artigo 225, caput do texto constitucional, o que nos traz a idéia do denominado por ele como "piso vital mínimo"

Os artigos supramencionados dispõem, ipsis litteris:

"Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000),

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações" (grifos nossos).

O professor Fiorillo ensina que, a Constituição Federal de 1988, ao tratar do meio ambiente no artigo 225, realizou uma inovação verdadeiramente revolucionária, à medida que criou verdadeiramente um terceiro gênero de bem, cuja natureza jurídica não se confunde com os bens públicos nem tampouco com os bens privados.

A Carta Maior, adverte o livre docente, estabelece a existência de um bem que tem características específicas, a saber: ser de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, criando um novo tipo de bem jurídico – o bem ambiental.[10]

E mais ainda: que um bem, ainda que não seja vivo, pode ser ambiental, à medida que seja essencial à sadia qualidade de vida de outrem, em face do que determina o artigo 225 da Constituição Federal, seja ele material ou imaterial.[11]

A partir dessa constatação, percebe-se que o artigo 6º da Lei Maior detém eficácia limitada se interpretado de forma meramente gramatical, no entanto, a partir dessa interpretação lógico-sistemática verifica-se que tais garantias foram devidamente preenchidas, resultando no tratamento digno a pessoa humana.

Não há dúvidas que a análise de tal dignidade deve ser preenchida de acordo com o caso concreto pois, o que é digno para um pode não ser para o outro, porém devemos sempre buscar a dignidade da pessoa, em todos os sentidos.


4.DA DEFESA DO CONSUMIDOR COMO DIREITO/GARANTIA FUNDAMENTAL

Elencados os princípios fundamentais da nossa Constituição Federal, conforme acima sucintamente abordado, o poder constituinte fez questão de positivar direitos, garantias e deveres decorrentes desses princípios, sendo que a maior parte deles está positivada no artigo 5º da Lei Maior.

Dentre os setenta e oito incisos do artigo 5º da Constituição Federal, o inciso XXXII expressamente positivou que: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".

Pari passu ao acima exposto o artigo 48 do ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias diz que: "Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor".

Assim sendo, a partir da análise dos dois artigos constitucionais supra colacionados, podemos tirar algumas conclusões:

Como já aventamos neste trabalho, "direito" nada mais é do que uma faculdade que o próprio Estado outorga aos seus administrados para o exercício ou obtenção de algo. No que tange ao artigo sob análise, tratam-se de faculdades onde o Estado aceita a limitação de seu poder soberano frente aos administrados, visando acima de tudo a dignidade dos mesmos.

Pois bem, no tocante as garantias, tratam-se de instrumentos que o Estado coloca à disposição desses administrados para que os mesmos reclamem ao Poder Judiciário acerca do não acatamento do Direito posto que está sendo violado pelo ente soberano.

Apenas para ilustrarmos, o direito de liberdade previsto no artigo 5º, caput da Constituição Federal, é classificado como um direito, pois impede que o Estado arbitrariamente retire a liberdade de locomoção de seus administrados.

Agora se esse Estado viola esse dever, o ofendido deve se socorrer do Poder Judiciário e buscar o seu retorno ao status quo ante por meio de uma peça processual denominada pelo ordenamento constitucional de habeas corpus, que por sua vez está positivado no mesmo artigo da Constituição Federal, agora no inciso LXVIII que por sua vez prega que: "conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".

Não obstante grande parte da doutrina, entre eles o professor doutor Rizzatto Nunes, entenda que o Direito do Consumidor seja um direito individual[12] pensamos que o mesmo é também uma garantia individual.

Resta cristalina essa reflexão, eis que, o constituinte ao mesmo tempo que trouxe à baila que o Estado irá tutelar as relações de consumo, consignou que o mesmo exerceria tal mister através de um codex, razão pela qual entendemos que o poder constituinte originário, também, criou ou como alguns preferem, determinou a criação do Código de Defesa do Consumidor, que possui em suasegunda parte a tutela processual difusa em âmbito civil.

Importante lembrarmos que, seja partindo do pressuposto de que o Direito do Consumidor seja direito individual, ou seja, a partir da nossa convicção que o mesmo possui natureza dupla, ou seja, é tanto um direito fundamental quanto uma garantia fundamental, o fato é que o Código de Defesa do Consumidor não pode ser alterado por simples norma infraconstitucional, muito menos por emenda.

Esse raciocínio se explica através do disposto no artigo 60, §4º da Constituição Federal que possui o seguinte teor:

"Art. 60. (...):

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais".

Destarte, em que pese existam diversos projetos de emenda constitucional visando a sua alteração da nossa constituição, inclusive alguns que pregam a supressão de grande parte de seus artigos, ensejando na sua alteração de analítica para sintética, imperioso observarmos que como a Lei nº 8.078/90 adveio de um direito ou direito/garantia individual, ela se encontra indiretamente ligada às cláusulas pétreas consignadas na Lei Maior, o que nos permite concluir que não poderá sofrer supressão alguma, senão implemento de direitos (esses inclusive por norma infraconstitucional).


5. DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

5.1. Das Características e Aplicabilidade

Ab initio necessário relembrarmos, conforme fundamentado no item anterior, que a Lei Suprema determinou no capítulo destinado aos direitos e garantias individuais do indivíduo, que o legislador criasse no prazo de 120 (cento e vinte) dias o Código de Defesa do Consumidor, fato esse que foi cumprido parcialmente. Dizemos isso devido a constituição ter sido promulgada em outubro de 1988 e a lei nº 8.078 adveio apenas em setembro de 1990. De todo o modo, o importante é que a premissa constitucional em termos materiais foi devidamente executada.

Logo em seu artigo 1º ela já traz enfoque as suas principais características, senão vejamos: Reza tal artigo, ipsis verbis:

"Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias"(grifos nossos).

Tendo em vista que decorre de uma nova categoria de direitos a serem tutelados, ou melhor, direito difuso posto que, intimamente relacionada ao critério de bem ambiental, conforme alhures defendido. O Código de Defesa do Consumidor é um ordenamento que suscita o interesso social, vistoque toda a coletividade tem interesse no mesmo, haja visto que todos são consumidores em potencial, desde o mais pobre até o mais abastado.

A partir de sua natureza, o próprio codex explicitou que os direitos e garantias nele previstos são de ordem pública, ou seja, cogentes e irrenunciáveis, devendo os magistrados aplicarem ex officio tais artigos diante do caso concreto. Claro que desde que existente uma relação de consumo, única hipótese de aplicação do ordenamento consumerista aqui em comento.

Aproveitando as explicações dadas acima, também podemos caracterizá-la por ser uma lei especial em relação às demais normas que disciplinam nos negócios jurídicos mantidos pelos administrados de nossa sociedade, tais como o Código Civil, o Estatuto das Cidades. Em relação ao primeiro diploma consignado importante consignar que o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma grande quebra ao princípio dos contratos previsto no Direito Civil, mais conhecido como pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes), eis que, no novel diploma, tendo em vista sua natureza difusa (interesse social) e coercitibilidade (ordem pública), esse princípio não rege as relações de consumo.

Finalmente podemos fechar o rol de características do diploma consumerista a partir de sua natureza principiológica. Isso se dá por sua razão epistemológica, decorrente de sua determinação constitucional, conforme já relatado, o que por conseguinte, também, reforça as suas regras, tanto em relação ao seu conteúdo, quanto a sua imutabilidade, conforme aduzido alhures. Trata-se na verdade, de um subsistema autônomo que terá aplicabilidade integral, inclusive diante de leis especiais, desde que devidamente reconhecido, fato que enseja a sua aplicação, ou seja, tratar-se de relação de consumo.

Nesse diapasão, nada melhor que trazermos à baila o entendimento do professor doutor, livre docente pela PUC/SP em Direito do Consumidor Rizzatto Nunes, ipsis litteris:

"Não será possível interpretar adequadamente a legislação consumerista se não se tiver em mente esse fato de que ela comporta um subsistema no ordenamento jurídico, que prevalece sobre os demais – exceto, claro, o próprio sistema da Constituição, como de resto qualquer norma jurídica de hierarquia inferior -, sendo aplicável às outras normas de forma supletiva e complementar".[13]

E, mais adiante, e na mesma linha, o revolucionário professor ensina:

"Como lei principiolígica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir todas e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Assim, por exemplo, um contrato de seguro de automóvel continua regulado pelo Código Civil e pelas demais normas editadas pelos órgãos governamentais que regulamentem o setor (Susep, Instituto de Resseguros, etc.), porém estão tangenciados por todos os princípios e regras da lei n. 8.078/90, de tal modo que, naquilo que com eles colidirem, perdem eficácia por tornarem-se nulos de pleno direito".[14]

Mister se faz verificarmos que esse subsistema é tão relevante que a própria constituição federal quando regulamenta a livre iniciativa em nosso ordenamento pátrio, onde sustenta a política capitalista desenfreada, faz questão de limitar tal desenvolvimento do capitalismo aos direitos e garantias de terceira geração (direitos da solidariedade), mas precisamente: o meio ambiente e a defesa do consumidor (Constituição Federal, artigo 170, incisos III, V, VI e VIII).

O Código de Defesa do Consumidor na verdade, reafirma os direitos e garantias já previstas na Constituição Federal, no sentido de se dar efetivação aos mesmos, uma vez que como sabemos no Brasil tudo é positivado, porém nem tudo é devidamente efetivado.Poderíamos viver bem se nossos operadores e executores da lei fossem tementes à Constituição Federal, porém, como resta notório, não é o que acontece, seja pela razão sociológica que também dá legitimidade ao diploma aqui em comento.

Aliado a isso é essencial para o entendimento do presente trabalho, aliada a idéia acima referida, não podemos deixar de observar que, os fundamentos do direito do consumidor estão pautados no liberalismo econômico e na sociedade de massasonde os contratos plurilaterais imperam, onde as indústrias produzem para um número desenfreado de "adquirentes" que ao mesmo tempo necessitam desses produtos, feitos em grande escala para o exercício de outras atividades que movimentam a ciranda financeira/econômica do Estado, em suma, onde há a necessidade de incremento da produção na busca desenfreada pelo lucro e o Estado lucra com isso uma vez que aumentando a receita, desenvolvendo-se se tornará mais atrativo para o mercado estrangeiro.[15]

Cremos ser evidente que o Código Civil que já nasceu "maduro" visto que é fruto de um projeto do ano de 1975, mas que em pouco avançou, uma vez que trouxe em seu corpo muitos dos conceitos do antigo Código Civil de 1916, seja ineficiente e para a regulamentação dos personagens na escala de produção acima proposta.

Mais uma vez deixaremos bem claro que tudo o que está sendo ventilado depende da constatação, pois se está diante do que o diploma consumerista denomina "relação de consumo", que será por nós resumidamente delineada quando entrarmos no item relativo ao objetivo do presente trabalho, ou seja, a aplicação dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor na segurança pública.

Finalmente, importante destacarmos nesta parte do trabalho, que de todas as reflexões positivas acima apontadas, o poder constituinte andou mal apenas no tocante à denominação atribuída ao codex.

Tal conclusão decorre da simples leitura dos dispositivos do código pois se interpretarmos gramaticalmente a nomenclatura "Código de Defesa do Consumidor" entenderemos que se trata de um ordenamento cujo objetivo maior é defender o consumidor pura e simplesmente, o que não se coaduna com o espírito desta novel norma.

Na verdade, melhor seria que o código se intitulasse "Código das Relações de Consumo" pois, como já dissemos inúmeras vezes no presente trabalho, este existe para regular as relações de consumo.

Não pretendemos retirar o foco do consumidor, eis que a própria constituição lança mão do mesmo para fins de proteção. Contudo, vemos que o código apenas "passa a limpo" a relação entre consumidor e fornecedor, como decorrência do próprio princípio da boa-fé, também conhecido por parte dos doutrinadores como "princípio da confiança".

5.2 Da Principiologia do Código de Defesa do Consumidor

Após estudarmos as suas principais características, entendemos a sua lógica dentro da interpretação sistemática com o ordenamento jurídico pátrio. Agora passaremos a dissecar os princípios que o norteiam.

O Código de Defesa do Consumidor, assim como a Lei de Execução Penal, decorreu de uma precisão ímpar por parte dos legisladores, em que pese alguns entes ainda insistirem em desacatá-lo. Tanto é verdade, que se entendermos os primeiros sete artigos do codex, conseguiremos abstrair por lógica os demais artigos, trata-se de boa técnica, infelizmente rara de ser percebida nas normas em geral, seja que por desconhecimento ou por lobby político, a norma acaba virando uma "colcha de retalhos".

Os artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor definem os conceitos de "consumidor, fornecedor, produto e serviço", sendo que por critério topográfico serão abordados no próximo item do presente trabalho. Nos resta, portanto, a análise dos princípios inerentes ao código consumerista que estão arraigados no artigo 4º que instituí a Política Nacional de Consumo. Em seguida, o artigo 5º positiva a forma de execução das políticas consignadas no artigo retro e nos artigos 6º e 7º, o legislador acosta os direitos decorrentes de tal política consumerista.

Voltando a nossa atenção ao objeto do presente item, reza o artigo afeto a instituição da Política Nacional de Consumo, in verbis:

"Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

        I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

        II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

        a) por iniciativa direta;

        b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

        c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

        d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

        III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

        IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

        V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

        VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

        VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

        VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo".

Em relação à norma que vem incorporada ao caput do artigo (Lei nº 9.008/95), originou-se, tão-somente, para corrigir erro ortográfico que existia no mesmo.

Vejam que, analisando o caput do artigo mais uma vez constatamos que a política de defesa do consumidor tem como fim regularizar "as relações de consumo", o que corrobora com o acima aludido em relação ao nome do diploma aqui em comento.

Já em relação aos princípios norteadores do código, a doutrina diverge em muito em relação a enumeração dos mesmos.

Apenas por didática apresentaremos o rol dos princípios apontados por doutrinadores que mais princípios reconhecem no código, dentre eles o professor Rizzatto Nunes e após a sucinta análise dos mesmos, abordaremos os demais entendimentos doutrinários.

Pois bem, o professor Rizzatto Nunes elenca como princípios infraconstitucionais consumeristas os seguintes: dignidade, proteção à vida, saúde e segurança, interesse econômico, melhoria da qualidade de vida, proteção e necessidade, transparência, harmonia, vulnerabilidade, liberdade de escolha, intervenção do Estado, boa-fé.

O princípio da necessidade, previsto no caput do artigo em comento, prega que o consumidor possui necessidade em relação a certos produtos e serviços (alimentos básicos, remédios, serviço público) e que o mesmo deve ser atendido. Tal premissa é mais um dos fundamentos em que os consumidores podem e se valem quando se deparam com situações em que o Estado deixa faltar determinado medicamento, ou então não falta, mas o próprio Estado nega a sua entrega ao particular, o que afronta diversos princípios entre os quais o aqui estudado.

Este princípio está intimamente ligado com os artigos 1º, inciso III; 3º, I e 5º, caput, todos da Constituição Federal.

Conforme explica o professor Rizzatto:

"(...), vê-se que a norma do caput do art. 4º garante ampla proteção moral e material ao consumidor. E quando se refere à melhoria de qualidade de vida, está apontando não só o conforto material, resultado do direito de aquisição de produtos e serviços, especialmente os essenciais (imóveis, serviços públicos de transporte, água e eletricidade, gás, etc), mas também desfrute de prazeres ligados ao lazer (garantido no texto constitucional – art. 6º, caput) e ao bem-estar moral ou psicológico".[16]

O princípio da dignidade, expresso também no caput do artigo 4º, decorre daquela maior, analisada no presente trabalho no item dos princípios fundamentais do Brasil, razão pela qual reportamos aquele subitem a análise da dignidade a fim de não nos tornarmos repetitivos.

Os princípios da proteção à vida, à saúde e à segurança (Código de Defesa do Consumidor, artigo 4º, caput) são decorrências do princípio da dignidade. Note-se que para ter dignidade, obviamente, o consumidor deve ter a sua vida, saúde e segurança respeitadas.

Infelizmente, por mais óbvio que pareçam tais princípios, nem sempre os mesmos são respeitados, haja visto o famoso caso do laboratório que produziu em grande escala remédio contraceptivo usando derivados de "farinha", ainda, os estabelecimentos que não contratam segurança privada nos termos da lei, colocando pessoas absolutamente despreparadas para o contato com os consumidores do local, bem como, restaurantes e lanchonetes que inobservam preceitos mínimos de limpeza e que, por conseguinte, expõem a vida e a saúde dos consumidores em risco.

O interesse econômico está relacionado a incolumidade do consumidor para que o mesmo não seja explorado economicamente pelo fornecedor, em que pese este tenha todo o direito de lucrar com o negócio mantido com o primeiro.

Pode parecer estranho estarmos escrevendo isso uma vez que, estamos em um país capitalista fervoroso, porém o código determina no caput do artigo 4º, que os interesses econômicos do consumidor sejam respeitados. Trata-se de mais um fundamento para combater a formação de cartéis, ou outra forma de agrupamento para fins de tomada no mercado econômico; trata-se, também, do princípio que sustenta a proibição de práticas abusivas em detrimento do consumidor (que por sua vez também estão positivadas ao longo do código).

Não podemos deixar de elencar, também, como decorrências do princípio aqui em estudo, a conservação do contrato de consumo, a vedação de modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais e o direito de revisão contratual para benefício do consumidor.

O princípio da melhoria da qualidade de vida pode ser conceituado como sendo a resultante da observância dos princípios da dignidade, vida, saúde, proteção, segurança, etc.

Versa o presente princípio justamente da idéia de bem ambiental que encartamos no presente trabalho como sendo a obediência ao piso vital mínimo. Partindo dessa premissa, verificaremos que o consumidor tem o direito aos implementos tecnológicos, econômicos e sociais realizados pelo fornecedor. Claro que este último reverterá em lucro as alterações prestadas em seus produtos e serviços, porém, isso é "saudável" para a economia do país, que não podemos deixar de esquecer, é capitalista, favorecendo o consumidor melhorando a sua qualidade de vida.

O princípio da transparência, previsto também no caput do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, como o próprio nome diz, induz que a relação de consumo deve se pautar na transparência e com isso na ausência de "retoques de marketing", para o fim de fechamento de negociações.

O consumidor possui o direito de conhecer previamente a consumação do negócio jurídico, os produtos e serviços que lhe são oferecidos, assim, como possui o direito de tomar conhecimento prévio do conteúdo das obrigações que está assumindo em um determinado contrato.

O princípio aqui em comento, é uma variante ao princípio constitucional da informação, positivado no artigo 5º, inciso XIV da Constituição Federal.

A harmonia, último princípio a ser estudado, daqueles contidos no caput do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, vem traduzir no codex o equilíbrio que deve ser mantido entre o desenvolvimento econômico e o respeito aos direitos do consumidor.

Podemos ilustrar esse princípio,com o que vem acontecendo com os produtos eletrônicos atualmente, peguemos como exemplo o aparelho celular. Cada dia que passa a indústria inventa um aparelho novo, com recursos, design, tecnologia superior (até aqui isso se mostra maravilhoso para ao consumidor), porém, resta notório que a cada modelo que passa a peça fica cada vez mais frágil, fazendo com que o consumidor acabe consumindo outro aparelho dentro de um curto espaço de tempo (certamente não tão curto a ponto do consumidor fazer valer o seu direito de garantia previsto na norma consumerista).

Essa prática econômico-industrial não é vedada, justamente porque o mercado brasileiro e mundial (para os países capitalistas), entende que essaconduta seria o "meio-termo" entre proteção ao consumidor e desenvolvimento tecnológico e econômico.

A verdade é que vivemos em um mundo capitalista, onde a riqueza é tida pelo que você consome e não pelo que você tem, razão pela qual tal prática vem sendo tão bem aceita não só em relação aos aparelhos celulares, mas a todo os demais produtos a disposição do consumidor, tais como: roupas, calçados, relógios, canetas, eletro-eletrônicos, aparelhos domésticos, veículos automotores, etc.

O princípio aqui em estudo, também, é repetido no inciso III, conforme verificaremos mais adiante, porém com outra nomenclatura que na verdade pregam os mesmos valores axiológicos (boa-fé e equilíbrio). Trata-se de princípio estreitamente ligado aos princípios constitucionais da isonomia, solidariedade e princípios gerais da atividade econômica.

O princípio da vulnerabilidade, positivado no inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor aduz de plano, de forma objetiva e efetiva que o consumidor é a parte mais fraca da relação consumerista.

Tal presunção de maior fragilidade se dá por dois fatores a serem destacados, a saber: o fator de produção e o fator econômico.

Muito embora, não concordamos muito com o segundo fator sustentado pela doutrina, eis que nada impede que excepcionalmente o consumidor tenha maior capacidade econômica do que o fornecedor. Podemos citar como exemplo a relação consumerista envolvendo uma pequena loja de roupas no centro da cidade de São Paulo e o empresário Silvio Santos, um dos homens mais ricos do Brasil.

Não resta dúvida que o empresário tem mais condições financeiras do que a microempresa, entretanto, Silvio é considerado pela lei de defesa do consumidor como sendo a parte mais vulnerável.

Destarte, o que de fato determina a condição de vulnerabilidade do consumidor é o fator de produção, ou seja, o consumidor não possui conhecimento técnico, científico e organizacional sobre os fatores de produção daquele determinado produto. Adrede a tudo isso, também, devemos elencar que é o fornecedor que escolhe a forma, maneira e quando irá produzir, razão pela qual o consumidor sempre estará nas mãos do mesmo.

Na mesma linha as palavras do professor Rizzatto Nunes que consigna, in verbis:

"É por isso que, quando se fala em "escolha" do consumidor", ela já nasce reduzida. O consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, os da obtenção do lucro. O segundo aspecto, o econômico, dez respeito à maior capacidade econômica que, por via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor. É fato que haverá consumidores individuais com boa capacidade econômica e às vezes até superior à de pequenos fornecedores. Mas essa é a exceção da regra geral".[17]

Depois dos comentários acima consignados resta cristalino que o princípio da vulnerabilidade decorre do princípio da isonomia, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal, que para alguns não se trata de um princípio, mas sim um postulado, conforme já explicitado no item 2.4.

Não podemos esquecer que, de acordo com o princípio da isonomia, o mais importante do texto para muitos constitucionalistas, especialmente na época da modernidade, conforme mencionamos no início do presente trabalho, conceitua a igualdade como sendo o tratamento igual para os iguais e o tratamento desigual para os desiguais. Essa é a melhor forma de buscarmos o alcance almejado pela norma.

Necessário frisarmos que antigamente, mais precisamente nas décadas de setenta e oitenta, a doutrina constitucionalista mundial tentava alcançar a igualdade através de uma busca literal da mesma, porém, com o tempo, principalmente com a pós-modernidade adveio a idéia de respeito às limitações e, por conseguinte, o implemento de condições aos mais desfavoráveis para que assim alcançassem os limites daqueles que possuem condições mais favoráveis.

O Código de Defesa do Consumidor, foi concebido de acordo com a tendência doutrinária atual o que redunda que o consumidor sempre será tratado como a parte mais frágil da relação.

Contudo, importantíssimo diferenciarmos o princípio aqui em comento do direito do consumidor à inversão do ônus da prova, previsto no inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor.

Tal artigo prevê, in verbis:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências."

Trata-se de um direito que decorre indubitavelmente do princípio da vulnerabilidade, porém, sem gerar confusão pois, este traz a tona uma benesse processual para os consumidores que demonstrarem diante do caso concreto a verossimilhança de suas alegações ou quando for considerado pelo magistrado como sendo hipossuficiente.

O professor Rizzatto Nunes encarta muito bem a distinção entre vulnerabilidade com hipossuficiência:

"A vulnerabilidade, cmo vimos, é o conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica. Mas hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc."[18]

Assim sendo, o que interessa no processo civil não é a fragilidade econômica, mas tão-somente a técnica (de acordo com o caso concreto). Infelizmente estamos acompanhando muitos magistrados confundirem esses dois institutos.

Todos os consumidores são vulneráveis, sendo que no processo civil alguns poderão também ser beneficiados com a inversão do ônus da prova, uma vez atendidos os requisitos acima mencionados.

Dando continuidade ao estudo da principiologia do Código de Defesa do Consumidor, temos o princípio da intervenção do Estado. Princípio este positivado no artigo 4º, incisos II e VI.

Tal pilar, em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, isonomia e princípios gerais da atividade econômica, autoriza a intervenção direta do Estado para proteger efetivamente o consumidor, não só visando assegurar-lhe acesso aos produtos e serviços essenciais como para garantir a qualidade e adequação dos produtos e serviços (segurança, durabilidade e desempenho).

Esse princípio é efetivado através dos órgãos de Estado incumbidos da missão de garantir o bem comum dos brasileiros, tanto na esfera administrativa quanto na eventualmente judicial, tais como: vigilância sanitária, secretaria da Receita Federal do Brasil, Departamento de Polícia Federal, Polícia Civil, Ministério Público Estadual e Federal, Defensoria Pública estadual e federal, entre outros.

Em total consonância com o princípio aqui em comento, reza o artigo 5º do codex, ipsis litteris:

"Art. 5° - Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:

I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente;

II - instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;

III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;

IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo;

V - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.

§ 1° (Vetado).

§ 2º (Vetado)."

O parágrafo primeiro previa que, "Os Estados, Distrito Federal e Municípios manterão órgãos de atendimento gratuito para orientação dos consumidores". Contudo, foi vetado, pois no entendimento do presidente da República da época, tal disposição contrariava o princípio federativo, uma vez que impõe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a obrigação de manter determinados serviços gratuitos.

O parágrafo segundo dizia que "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão fiscalizar preços e autuar os infratores, observado seu prévio tabelamento pela autoridade competente", sendo vetado, pois a presidência entendeu que cabe à lei que estabelecer o tabelamento, à vista de excepcional interesse público, indicar a autoridade competente para fiscalizá-lo. A cláusula prevista no § 2º outorga atribuição genérica, incompatível com a segurança jurídica dos administrados, pois enseja a possibilidade de ser o mesmo fato objeto de fiscalizações simultâneas pelos diferentes órgãos.[19]

O princípio do equilíbrio vem resguardar os mesmos valores do princípio da harmonia acima suscitado. Trata-se da harmonização dos interesses dos partícipes das relações de consumo, que como vimos acima, tem fundamento nos princípios maiores da isonomia e solidariedade.

Para o professor e ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, tal princípio é denominado "princípio da equidade", que significa a busca das relações jurídicas equilibradas, a busca da justiça através de um tratamento equitativo.[20]

Finalmente, o princípio da boa-fé, demanda uma explicação preliminar, devemos distinguir a boa-fé subjetiva da objetiva.

A primeira diz respeito à ignorância de uma pessoa acerca de um fato modificador, impeditivo ou violador de seu direito. Trata-se da boa-fé adimplida em diversos dispositivos do Código Civil.

Podemos elencar como exemplo, a questão daquele sujeito que detém o bem imaginando que é o seu titular. Imaginemos que ele possua documentos que na verdade não são validos, porém ele crê piamente que tais documentos legitimam a sua posse ou propriedade, estamos diante de um caso em que o possuidor está de boa-fé (subjetiva).

Já a segunda é inerente a uma regra de conduta, dever das partes de agir conforme os parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (posição contratual equilibrada, conforme salientado alhures).

Assim, será possível garantir o desenvolvimento tecnológico e econômico e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos do consumidor.

Parte da doutrina, entre eles a professora doutora Mirella Angelo Caldeira, entendem que a boa-fé objetiva nada mais é do que o próprio princípio geral do Direito onde os administrados devem colaborar para o convívio harmônico entre seus pares, pautados na honestidade, lealdade e confiança, constatação essa decorrente da teoria do contrato social ventilada pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau.

5.2.1. Da Classificação dos Princípios do Código de Defesa do Consumidor

Realizados os estudos acima passaremos, agora, a analisar a classificação principiológica do Código de Defesa do Consumidor.

Se tivéssemos a ousadia de buscar o entendimento de todos os doutrinadores que escrevem a respeito dos princípios do código consumerista, certamente seríamos surpreendidos com as inúmeras correntes que permeiam essa classificação.

Como o presente trabalho acadêmico não nos permite esgotar o tema, buscamos os que mais refletem o sentido e alcance da norma de tutela do consumidor em nosso entendimento.

Da forma que o tópico superior foi redigido, encontraremos o respaldo do professor doutor Rizzatto Nunes, para o qual o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor de fato elenca todos aqueles princípios.

Portanto, para o professor Rizzatto, onze seriam os princípios existentes no codex aqui sob análise.

Já para os professores doutores, Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Jaime Marins, seriam seis os princípios fundamentais da Política Nacional das Relações de Consumo, são eles: Princípio da Vulnerabilidade, Princípio do Dever governamental, Princípio da Garantia de Adequação, Princípio da Boa-fé nas relações de consumo, Princípio da Informação e por último o Princípio do Acesso à Justiça.[21]

No que tange a sua positivação, seguem os autores defendendo que o princípio da vulnerabilidade está consignado no artigo 4º, inciso I; o princípio do dever governamental nos incisos II, VI e VII; o princípio da garantia adequada nos incisos II, "d" e V; o princípio da boa-fé nas relações de consumo nos incisos III e VI; o princípio da informação nos incisos IV e VIII e finalmente o princípio do acesso à justiça, que não encontra positivação no texto infraconstitucional, mas que para os doutrinadores apontados seria uma decorrência dos demais em combinação com o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.

Na mesma linha de raciocínio, os doutrinadores apontam que de tal decorrência exsurge o direito previsto (agora expressamente) no artigo 6º, inciso VII que diz, in verbis:

" Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;" (grifo nosso).

Façamos uma pequena abordagem em relação a esse princípio no tocante a diferenciação existente entre os termos "assistência judiciária" e "assistência jurídica".

É muito comum os operadores do Direito confundir essas duas expressões como se fossem sinônimas.

A primeira diz respeito ao pagamento de taxas e encargos judiciais, sendo que a Lei nº 1.060/50 define os critérios para aferição da gratuidade desses encargos.

Já o texto constitucional e o direito positivado no Código de Defesa do Consumidor trazem o termo "jurídica", que significa a gratuidade no assessoramento ao consumidor. No tocante a tutela preventiva esse assessoramento está à disposição de todos, não ocorrendo o mesmo no âmbito judicial eis que, apenas os consumidores necessitados estarão aptos.

Claro que tudo isso diz respeito à seara cível uma vez que, na hipótese de processo judicial, mesmo o consumidor abastado terá direito a defesa, pois nesse ramo do Direito vigora o princípio da ampla defesa que se perfaz da soma da defesa técnica e autodefesa.

Contudo, se o juiz verificar que o réu (consumidor) tinha condições financeiras de custear o seu causídico este o condenará a sucumbência, nos termos do artigo 263 do Código de Processo Penal, in verbis:

 " Art. 263.  Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação.

Parágrafo único.  O acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz".

Assim, feita essa pequena, mas necessária abordagem sobre o direito ao acesso do consumidor a proteção jurídica, voltemos ao foco central do presente trabalho.

Com todo o respeito aos doutrinadores acima elencados, entendemos haver uma contradição entre o significado e conteúdo do termo "princípio" e as classificações acima apontadas.

Se de fato o princípio possui o sentido de vetor, com alta carga normativa de abstração e maior conteúdo axiomático frente às regras, será que seria condizente com a sua natureza essa enorme quantidade de princípios em uma norma infraconstitucional? Cremos que não!

Assim sendo, entendemos que na verdade o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor prevê apenas três princípios basilares que alimentam todo o seu sistema legal, quais sejam: vulnerabilidade, boa-fé e equidade.

O caput do artigo acima referido na verdade apenas garante a efetivação da norma já positivada no texto constitucional condizente com a dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, artigo 1º, inciso III).

Podemos encontrar vestígios dessa efetivação, também, no inciso II do artigo em questão.

A vulnerabilidade, que conforme já explicamos vem preencher o postulado da isonomia na sistemática da tutela do consumidor, está presente nos incisos I, II, VI, VII e VIII.

A boa-fé, por conseguinte encontra respaldo nos incisos III e VI e, finalmente. a equidade, que vem consignar a positivação e efetivação do postulado da proporcionalidade, encontra sustentação no inciso III, segunda parte.

Claro que não temos a ousadia de contrariar os doutrinadores aqui ventilados, porém, trata-se de nossa reflexão à luz das doutrinas examinadas a partir da concepção do Direito.


6. CONCLUSÃO

Para finalizarmos o presente trabalho, faz-se pertinente, neste momento, apresentar as nossas conclusões que, polêmicas ou não, podem ser aprendidas e apreendidas da leitura desta obra.

1.A norma jurídica é espécie da qual são espécies: os princípios, as regras e os postulados.

2.O princípio é uma espécie de norma de maior conteúdo abstrato, maior carga axiomática e, justamente, por isso tem o condão de simplesmente impor diretrizes que serão melhores disciplinadas pelas regras.

3.A regra é uma espécie normativa abstrata, porém com menor carga de abstração do que o princípio. Não tem o objetivo de simplesmente impor diretrizes, mas sim, tentar disciplinar, na medida do possível, fatos concretos.

4.O postulado, ainda não reconhecido pela maioria dos doutrinadores brasileiros, também é uma espécie de norma, porém, sem conteúdo, possuem valia apenas para solução de colidência entre os princípios (proporcionalidade, isonomia, razoabilidade) visto que, se o conflito ocorrer entre as regras caberá ao princípio a sua solução.

5.A atual Constituição Federal em consonância com a teoria geral do Direito que por conseqüência coaduna com a doutrina trazida à baila, elenca em seu artigo 1º os seus princípios fundamentais.

6.A existência de tal rol não implica dizer que eles são mais importantes do que outros princípios constitucionais, mas que são vetores iluminados que devem servir de orientação para os demais.

7.Com a concepção da pós-modernidade, o princípio da dignidade da pessoa humana foi mais enfatizado, sendo considerado pelos doutrinadores menos conservadores como sendo o principal vetor, antes considerado o princípio da isonomia.

8.Os direitos do consumidor possuem natureza dupla, pois podem ser considerados tanto direito como garantia fundamental do ser.

9.O Código de Defesa do Consumidor, indevidamente denominado dessa maneira pelo próprio poder constituinte, deveria ser renomeado uma vez que essa lei disciplina as relações consumeristas como um todo, logo não se enquadra em seus artigos a idéia exclusiva de proteger tão-somente o consumidor, mas também os demais atores envolvidos na relação de consumo.

10.A Lei nº 8.078/90 é uma lei principiológica, cujos dispositivos são de interesse social e de ordem pública.

11.O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor encarta a política nacional das relações de consumo, pois lança diretrizes que permearão todo o sistema, conte, portanto, os princípios legais do consumidor.

12.Não obstante às diversas correntes doutrinárias acerca dos princípios do Código de Defesa do Consumidor verificamos que, de fato o supracitado dispositivo traz apenas três princípios legais, a saber: vulnerabilidade, boa-fé e equidade, sendo os demais, efetivações de princípios já consignados na Lei Maior ou então diretrizes ligadas aos princípios nesse item mencionados.

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[1] NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito: com exercícios. São Paulo: Saraiva, 2007. 7ª edição.

[2] AZEVEDO, Bernardo Montalvão Varjão de; BÔAS, Marcos de Aguiar Villas. Reflexões sobre a proporcionalidade e suas repercussões nas ciências criminais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 74. IBCCrim e Revista dos Tribunais. set/out 2008. ano 16.

[3] Idem, ibidem.

[4] Idem. Ibidem.

[5] Dicionário Aurélio. Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com/dicionario.php?P>. Acesso em 07 jul 2009.

[6] Dicionário do Google. Disponível em:

<http://www.google.com.br/dictionary?langpair=pt%7Cpt&q=cidadania&hl=pt-BR&aq=f>

[7] Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano. Explicando política às crianças, p. C2.

[8] MELLO, Celso de. Relatório STF, HC 85999-PA (MC). Decisão Monocrática, j. 7.6.2005 (DJU 10.6.2005).

[9] Nesse sentido: RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. Saraiva. 2009. 4ª edição. p. 24.

[10] FORILLO, Celso Antônio Pacheco. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 85-86.

[11] Idem, p. 60.

[12] NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva. 2009. 4ª edição p. 66.

[13] Idem, p. 65.

[14] Ibidem, p. 66.

[15] BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

[16] NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor.São Paulo: Saraiva, 2009, 4ª edição. p. 128.

[17] Idem, p. 130.

[18] Ibidem, p. 782.

[19] Mensagem nº 664, de 11 de setembro de 1990. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/Mensagem_Veto>. Acesso em 10/07/2009.

[20] GRAU, Eros Roberto. Interpretando o Código de Defesa do Consumidor: algumas notas. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 5. 1993.

[21] PINTO, Henrique Alves. Princípios nucleares do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e sua extensão como princípio constitucional. Jus Navigand. Teresina. ano 8. n. 214. 5 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4792>. Acesso em: 13 jul. 2009.