Recurso especial em reexame necessário.

O entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça era de que seria incabível o recurso especial contra acórdão proferido em sede de reexame necessário. Não existindo apelo voluntário por parte do órgão público, mas tendo a lide sido reapreciada pelo tribunal por ocasião do reexame necessário, não seria cabível a interposição do recurso extremo, pois teria ocorrido, na espécie, preclusão lógica.

Ao enfrentar o REsp 904.885/SP, relatado pela Ministra Eliana Calmon, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL), notando existir precedentes em sentido contrário da 1ª Turma, decidiu submeter o julgamento à 1ª Seção, vindo a ser firmado o posicionamento de que não cabe o recurso especial em reexame necessário, na hipótese de não existir apelação voluntária da Fazenda Pública, em decorrência da ocorrência de preclusão lógica. Vale dizer que seria incompatível o recurso especial ante a ausência do recurso de apelação que evidencia a conformação da parte em relação à sentença que lhe foi desfavorável.

Saliente-se que a preclusão lógica na lição de José Manoel de Arruda Alvim (2006, p.406), "consiste na perda de um direito ou faculdade processual por quem tenha realizado atividade incompatível com o respectivo exercício, e que constitui regra que diz respeito ao princípio da confiança, que orienta a lealdade processual".

Assim, sob estes argumentos, entendia o Superior Tribunal de Justiça que, na ótica do juízo de admissibilidade do recurso especial, a ausência de interposição de recurso voluntário pelo ente público constituía fato extintivo da prerrogativa de recorrer contra acórdão proferido em sede de reexame necessário, que atingia diretamente o interesse recursal.

Todavia, instada a manifestar-se sobre tal orientação, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça chegou a conclusão diversa, entendendo ser cabível o recurso especial em reexame necessário. Em precedente específico, assim se manifestou a Corte Especial:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA CONTRA ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A REEXAME NECESSÁRIO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO LÓGICA (POR AQUIESCÊNCIA TÁCITA)  CONTRA A RECORRENTE, QUE NÃO APELOU DA SENTENÇA: IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. NO CASO, ADEMAIS, ALÉM DE ERROR IN JUDICANDO, RELATIVAMENTE À MATÉRIA PRÓPRIA DO REEXAME NECESSÁRIO, O RECURSO ESPECIAL ALEGA VIOLAÇÃO DE LEI FEDERAL POR ERROR IN PROCEDENDO, OCORRIDO NO PRÓPRIO JULGAMENTO DE SEGUNDO GRAU, MATÉRIA A CUJO RESPEITO A FALTA DE ANTERIOR APELAÇÃO NÃO OPEROU, NEM PODERIA OPERAR, QUALQUER EFEITO PRECLUSIVO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO AFASTADA, COM RETORNO DOS AUTOS À 1ª. TURMA, PARA PROSSEGUIR NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

(REsp 905771/CE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/06/2010, DJe 19/08/2010) (BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA, 2010)

Assim, pode-se concluir que o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça pugna pela possibilidade de manejo do recurso especial em reexame necessário. Privilegia-se, desta maneira, o posicionamento que entende ser possível que o erro de procedimento ou de julgamento surja no acórdão que apreciou o reexame necessário, não havendo, portanto, impedimento à interposição do recurso especial.

Nas palavras de Fredie Didier (2011):

A falta de interposição do recurso é um ato-fato, ou seja, independe da vontade. Não se avalia a vontade. A parte pode deixar de recorrer por diversos motivos, não importando qual foi a vontade. Não há nenhum ato incompatível com a possibilidade futura de interpor recurso especial. Nem se pode saber qual foi a vontade da Fazenda Pública.

Não há nenhuma conduta contraditória ou desleal da Fazenda Pública em não recorrer. Como existe o reexame necessário, é legítimo que dixe de haver recurso, pois o caso já será revisto pelo tribunal. Ao deixar de recorrer, a Fazenda está valendo-se uma regra (antiga, diga-se de passagem) que lhe garante o reexame da sentença pelo tribunal. Não houve ato em sentido contrário, nem há qualquer contradição. (JÚNIOR, F. p.315)

Enfim, é possível concluir que o Superior Tribunal Federal, rejeitando a antiga tese de não cabimento do recurso especial em reexame necessário, passou a albergar em seus julgados o entendimento prevalecente na doutrina que admite a interposição do recurso extremo em reexame necessário uma vez que o erro no julgamento ou o erro no procedimento pode ser extraído, de forma independente, do acórdão que apreciou o reexame necessário