Embargos infringentes em reexame necessário.

 

A discussão a ser enfrentada neste capítulo trata da recorribilidade, por meio dos embargos infringentes, da decisão proferida em sede de reexame necessário.

Em primeiro lugar, releva aclarar que recorribilidade nada mais é do que a possibilidade de que qualquer decisão possa ser revista por um segundo órgão, hierarquicamente superior àquele que prolatou a decisão original, identificando-se, mesmo, com a devolutibilidade.

Conforme já esposado alhures, não obstante a boa lavra da tese em contrário, a corrente majoritária sustenta que o reexame obrigatório previsto no art. 475, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), não ostenta natureza recursal, sendo, pois, mera condição para que a sentença proferida nas hipóteses legais possa transitar em julgado.

No que pertine à possibilidade de oposição de Embargos Infringentes em sede de remessa obrigatória, é cediço no Superior Tribunal de Justiça que a mesma não é recurso, tão somente condição suspensiva da eficácia da decisão, de sorte que não desafia Embargos Infringentes a decisão que, por maioria, aprecia a remessa necessária.

Infere-se que a posição do Superior Tribunal de Justiça foi construída, unicamente, na consideração de não ser a remessa necessária um recurso. Uma vez considerando que o duplo grau obrigatório em nada se relaciona com o recurso voluntário da apelação, não se aplicaria àquele as normas referentes ao apelo por excelência, marcadamente quanto à oposição de embargos infringentes, à ausência de previsão legal.

Neste sentido, no REsp 402.970/RS, em que foi Relator para o acórdão o Ministro Gilson Dipp, publicado no DJ 01.07.2004, a matéria recebeu o seguinte destaque:

Há que se fazer distinção entre a apelação e o reexame necessário. A primeira é recurso, propriamente dito, reveste-se da voluntariedade ao ser interposta, enquanto o segundo é mero "complemento ao julgado", ou medida acautelatória para evitar um desgaste culposo ou doloso do erário público ou da coisa pública. O legislador soube entender que o privilégio dos entes públicos têm limites, sendo defeso dar ao art.530 do Código de Processo Civil um elástério que a lei não ousou dar. Assim, só são cabíveis os embargos infringentes contra acórdãos em apelação ou ação rescisória. Esta é a letra da lei. (BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA)

Tal entendimento acarretou a edição do enunciado 390 da súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL), assim redigida: "Nas decisões por maioria, em reexame necessário, não se admitem embargos infringentes".

Nada obstante, embora se questione a natureza da remessa obrigatória - o que se faz também no presente ensaio - se está a tratar-se de recurso típico ou não, o certo é que a ela confere-se o mesmo tratamento procedimental dispensado ao recurso de apelação.

Por este forte argumento, em sede doutrinária, prevalece, mesmo, o posicionamento favorável ao cabimento dos embargos infringentes em reexame necessário. Neste contexto se insere a pena forte de Araken de Assis (2001):

Pois bem: o art. 475, caput, consagra a vetusa apelação ex officio, encobrindo-lhe o corpo rijo os enganosos rótulos de reexame obrigatório, remessa e congêneres. Relevado o eufemismo terminológico, objetivamente mostram-se cabíveis os embargos infringentes, previstos, no sistema atual, nas hipóteses de julgamento, por maioria, de apelação - voluntária ou ex officio - e da ação rescisória (art. 530). O art. 496, I, abrange os dois tipos de apelação, voluntária e necessária, do mesmo modo que a menção genérica a agravo, realizada no inc. II, engloba as inúmeras e heterogêneas figuras recursais assim designadas.

Em posição contrária, escudados na lógica da premissa, se situam todos quantos pregaram a abolição do recurso ex officio. A prévia interposição de apelação (voluntária, entenda-se bem) contra a sentença, pelo vencido em primeiro grau, constitui condição necessária ao ulterior emprego dos embargos infringentes por qualquer das partes. Focalizado o problema deste ângulo, a apelação funciona como recurso condicionante do cabimento dos embargos e, ademais, do agravo retido.

No entanto, no julgamento do reexame obrigatório, até em virtude da omissão de regime específico, tudo se passa como se existisse apelação voluntária. A devolução é integral e o Tribunal reexamina a sentença para confirmá-la ou reformá-la, dos fundamentos ao dispositivo, seja em capítulo acessório ou principal do ato decisório de primeiro grau. (ASSIS, p.115-139).

Esse seria o entendimento que se reputa mais correto inclusive na lição de José Carlos Barbosa Moreira (2005), mesmo que amparado por outros fundamentos:

"embora não se identifique com a apelação, nem constitua tecnicamente recurso, no sistema do Código, razões de ordem sistemática justificam a admissão de embargos infringentes contra acórdão por maioria de votos no reexame da causa ex vi legis (art. 475). É ilustrativo o caso da sentença contrária à União, ao Estado ou ao Município: se a pessoa jurídica de direto público apela, e o julgamento de segundo grau vem a favorecê-la, sem unanimidade, o adversário dispõe sem dúvida alguma dos embargos; ora, não parece razoável negar-lhe esse recurso na hipótese de igual resultado em simples revisão obrigatória, o que, em certa medida, tornaria paradoxalmente mais vantajoso, para a União, o Estado ou o Município, omitir-se do que apelar". (MOREIRA, p.257)

Trilhando a mesma linha de pensamento está Manoel Caetano Ferreira Filho (2001) que descortina o seguinte pensamento:

A remessa obrigatória prevista no art. 475 deste Código não tem natureza de recurso. Trata-se, com efeito, de simples condição de eficácia da sentença, que não produz nenhum efeito antes de ser confirmada pelo Tribunal, se o for e na medida que o for, evidentemente. Não se pode negar, todavia, que os resultados a que pode conduzir o reexame necessário são os mesmos a que conduz a apelação. Mais, até: nele a devolução é, tanto na extensão quanto na profundidade, total, não se operando nem mesmo a preclusão das questões anteriores à sentença (...)

Havendo acórdão por maioria no julgamento do reexame necessário, ainda que não tenha havido recurso da parte vencida ( em especial da União, Estado ou Município, art. 475, II), os embargos infringentes poderão ser opostos, por ela mesma ou, se for o caso, quando tiver sido reformada total ou parcialmente a decisão de primeiro grau, por quem, não obstante vencedor na sentença, saiu-se sucumbente na remessa obrigatória. (FILHO, p.261-262)

Verifica-se, pois, que o principal ponto de discórdia em relação à orientação predominante na doutrina e na jurisprudência assenta-se na natureza jurídica do instituto. Todavia, o entendimento perfilado pelo Superior Tribunal de Justiça sucumbe diante do posicionamento adotado pela própria corte superior quando se trata de estabelecer o alcance dos poderes conferidos ao relator pelo art. 557, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973) e pela amplitude do efeito devolutivo.

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça admite que o relator da remessa obrigatória a decida monocraticamente, com fundamento no art. 557, do Código de Processo Civil (Brasil, 1973) que determina que o "relator negará seguimento a recurso inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior".

Convém destacar que o art. 557, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973) traz expressamente o vocábulo "recurso", do que se depreende que somente haveria de ser aplicado aos recursos, propriamente ditos, arrolados no art. 496, do mesmo diploma. Todavia, em interpretação ampliativa o Tribunal houve por bem até sumular a matéria dispondo que " o art. 557, do CPC, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário" (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Súmula 253), considerando-o portanto um "quase recurso", ou, pelo menos, um procedimento análogo, uma vez que possui, ao mesmo tempo, efeito devolutivo e suspensivo e se lhe aplicam os princípios e normas inerentes à apelação voluntária.

Enfim, conforme aguçou Araken de Assis (2001) "a equiparação alcançou as culminâncias de se aplicar ao reexame os poderes extraordinários conferidos ao relator, isoladamente, para negar seguimento, prover ou desprover recurso nas situações do art. 557". Nesse contexto, não há como negar o cabimento dos embargos infringentes contra acórdão não unânime em remessa de ofício, muito menos contrariedade à disposição contida no art. 530, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973).

Não permitir os embargos infringentes nessas circunstâncias teria o condão de criar um situação privilégio especial para a Fazenda Pública. Ocorre que se a Fazenda Pública apela e sua apelação é provida por maioria, o correlato acórdão se expõe a embargos infringentes permitindo uma reviravolta no deslinde da lide já em segunda instância. Lado outro, se a Fazenda Pública queda inerte diante do acórdão contrário aos seus interesses, o favorável julgamento por maioria em sede de reexame necessário não se sujeitaria aos embargos infringentes e seu adversário somente poderia desafiar tal decisão por meio da via estreita dos recursos excepcionais. Além de inusitada, a situação representa ferir os princípios da igualdade e da isonomia. Ao passo que a Fazenda Pública pode manejar embargos infringentes quando o acórdão de segunda instância reforma em favor do seu adversário a sentença, este não poderia fazer o mesmo no caso em que o reexame necessário conduz a idêntico resultado.

De mais a mais, não é excesso de zelo asseverar que, quando interposto o recurso voluntário, mas prejudicado pela análise da remessa obrigatória, tanto a melhor doutrina quanto a jurisprudência entendem ser cabível a oposição de embargos infringentes.