DA JUSTIFICAÇÃO ARISTOTÉLICA SOBRE A ESCRAVIDÃO ATÉ SUA ABOLIÇÃO


autor: Vanessa de Oliveira Tavares Saraiva

Coautoras: Alana Correia dos Santos

Cinthia Lima dos Santos


RESUMO

Este artigo trata-se da interpretação de Aristóteles perante a situação em que viviam as pessoas de sua época tratadas como servos e porque estas eram consideradas como tais, ele usa como principal fonte de explicação para tal situação a própria natureza, afirmando categoricamente que é a natureza que faz a distinção entre os homens que nasceram para ser os senhores e os homens que nasceram para servidão, e para afirmar isso Aristóteles baseava-se simplesmente na observação do tipo físico das pessoas, uma vez estas sendo fortes elas serviam mais para trabalhos braçais, deixando as outras pessoas que não possuíam tais estruturas físicas para viver apenas do ócio, da construção de intelecto. Mas mesmo antes de tais tentativas de explicações serem cogitadas para a justificação da servidão a sociedade grega já era escravista, conservadora e não detinha nenhum tipo de direitos humanos que protegessem essas pessoas, ao contrário, os servos não podiam fazer nenhuma denúncia contra seus senhores afirmando principalmente maus tratos. No mundo moderno diferentemente da antiguidade temos diversas leis que nos auxiliam na proteção dos direitos humanos, mas para chegar a esse estágio passaram-se mais de 1.000 anos.

 PALAVRA-CHAVE: Servidão; Sociedade; Direitos

 

“O homem que, por natureza, não pertence a si mesmo, mas a um outro, é escravo por natureza: é uma posse e um instrumento para agir separadamente e sob ordens de seu senhor.”( Aristóteles )

 

1. PRIMEIRAS PALAVRAS

Aristóteles nasceu em 384 a.C em Estagira, filho do médico Nicômaco que tinha como paciente o rei da Macedônia, Amintas. Aos 18 anos seguiu para academia platônica e teve como mestre Platão, já em 343a.C foi convidado para ser o preceptor do Príncipe Alexandre da Macedônia. Em 335 a.C fundou sua escola que ficou conhecida como “Liceu” porque se localizava perto do templo de Apolo Lício. Aristóteles foi acusado pelos atenienses de ateísmo, e isso faz com que ele vá embora para Eubéia, para prevenir-se da condenação, no ano seguinte de 322 a.C Aristóteles falece após enfermidade. Ele era um homem de estudo, de pesquisas e principalmente vivia em função de investigações científicas, e isso fez com que ele fosse se isolando cada vez mais da vida social.

O filósofo grego já nasce em uma sociedade na qual já existia há muito tempo escravidão. Segundo Jean Jacques Rousseau em seu livro “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens” essa necessidade do mais forte subordinar o mais fraco, surge a partir do momento em que o homem deseja as coisas do outro, como mais terra para plantio, e é neste período em que ele vê que quanto mais ele tiver, menos ele irá precisar se esforçar, principalmente se ele colocar uma pessoa para realizar suas tarefas.

No mundo moderno talvez só exista os direitos que garantem ao homem a liberdade e principalmente a vida, porque com a evolução do pensamento ao longo dos séculos alguém parou para pensar sobre a escravidão e concluiu que era uma atividade errada e que aqueles seres que eram tratados com repúdio e desprezo também eram seres humanos, e tomou a atitude de querer revolucionar e acabar com tal situação, também não pode pensar que isso acabou de um dia para o outro, ao contrário, levou outros tantos séculos, mas será que essa nova atitude de tentar acabar com o trabalho forçado, não teria um interesse além de o simples proteger os escravos, para alguns autores e pensadores foi apenas um novo jeito de aumentar o lucro, porque uma vez os escravos estando libertos, estes poderiam consumir mais produtos, fazendo assim com que aumentasse cada vez mais a lucratividade dos comerciantes, resultando assim na lógica do sistema financeiro conhecido como “capitalismo”, desse modo a escravidão não acabou devido a generosidade das pessoas, mas sim porque o sistema escravista já não estava mais dando tanto lucro como o esperado.

 

2. CITAÇÕES ARISTÓTELICAS

A sociedade grega na época de Aristóteles pensava que existiam os homens que sua única função era a de viver para contemplação do belo e para a elevação tanto do conhecimento, quanto do espírito, já os outros homens eram os escravos que detinham a função unicamente de exercer trabalhos braçais. Por isso Aristóteles menciona: “Vemos os corpos robustos talhados especialmente para carregar fardos e outros usos igualmente necessários; outros, pelo contrário, mais disciplinados, mas também mais esguios e incapazes de tais trabalhos, são bons apenas para a vida política (...).” [1].

De acordo com as afirmações de Aristóteles os escravos não possuíam nenhum tipo de direito, eram apenas propriedades do senhor, e esses escravos eram fundamentais para a estruturação da família porque se os senhores estavam apenas vivendo para reflexão, uma família bem estruturada necessitava de escravos. E Aristóteles comenta sobre isso claramente: “(...) uma família completamente organizada compõe-se de escravos e de pessoas livres.” [2].

Os escravos tinham suas vidas “presas” às vontades e desejos do senhor, tendo que obedecê-lo sempre, sem nunca questionar ou recusar-se a fazer o que era mandado, tornando-se assim como um simples “copo”, um objeto pertencente ao senhor, em outras palavras, mas contendo a mesma essência Aristóteles fala: “A coisa possuída está para o possuidor assim como a parte está para o todo; ora, a parte não é somente distinta do todo, ela lhe pertence; o mesmo ocorre com a coisa possuída em relação ao possuído (...).” [3].

Existe uma passagem meio que contraditória de Aristóteles, para não dizer irônica, que é a de que ele afirmava que os servidores teriam que manter uma relação de amizade com seus senhores, mas será mesmo que era assim tão fácil manter uma amizade com uma pessoa que a escravizava, e como única explicação a oferecer era a de que a natureza que havia feito a escolha. Assim o filósofo grego mostra como era a escolha da natureza:

É para a mútua conservação que a natureza deu a um o comando e impôs submissão ao outro. Pertence também ao desígnio da natureza que comanda quem pode, por sua inteligência, tudo provar e, pelo contrário, que obedeça quem não possa contribuir para a prosperidade comum a não ser pelo trabalho de seu corpo. Esta partilha é salutar para o senhor e para o escravo. [4].

Em uma de suas citações o filósofo grego compara os escravos a animais, nos remetendo assim há como eram tratados os escravos naquela época, se era muito diferente do tratamento que ocorria em outros lugares de diferentes épocas, mas após uma análise surge a certeza de que o tratamento era muito parecido, com as seguintes características: humilhações, torturas tanto físicas como psicológicas, péssima alimentação, enfim tratamentos desumanos, que hoje temos até medo de pensar no sofrimento daquelas pessoas. A citação é a seguinte: “Ademais, o uso dos escravos e dos animais é mais ou menos o mesmo e tiram-se deles os mesmos serviços para as necessidades da vida”.[5].

 

3. DA ESCRAVIDÃO ATÉ SUA SUPOSTA ABOLIÇÃO NO MUNDO

A escravidão como vamos ver não foi só mérito dos gregos, mas sim de diversos povos em diversas épocas, existiam diversos tipos de escravos, aqueles que eram prisioneiros de guerra, aqueles que possuiam dívidas e por fim e mais utilizada era a escravidão por fator racial, fazendo assim com que cada região possuísse determinados tipos de escravidão.

Se antes Aristóteles acreditava e defendia a tese de que era a natureza quem determinava quem eram os escravos, com o tempo a escravidão passou a ser justificada devido às razões morais e religiosas, uma vez que os europeus acreditavam possuir superioridade cultural e religiosa.

O continente que mais sofreu com essa busca por escravos foi o Africano, começou apenas com as expectativas dos europeus em explorar as minas de ouro existentes, mas isso não dava muito lucro, pois eles gastavam muito para viajar até lá, foi então que eles perceberam que um bom investimento seria mesmo o da mão de obra abundante existente naquela região, outro fator fundamental também foi que eles usavam muitas vezes a troca de produtos por escravos, fazendo assim com que o lucro fosse cada vez maior.

Com o passar dos séculos foram criando-se alguns grupos abolicionistas, pessoas que eram contra o trabalho escravo, mais como principal movimento abolicionista temos o Iluminismo no século XVIII, que tinha os seguintes fundamentos, liberdade, igualdade e fraternidade. A partir desse movimento então muitos países foram se tornando abolicionistas, em nosso contexto mundial temos a Mauritânia como sendo o último país a aderir o abolicionismo, em 1981.

Mas ainda existem muitos países que continuam escravocratas, mesmo tendo leis e tratados internacionais que proíbem tal prática, exemplos disso são muitos países árabes e muçulmanos que possuem ainda escravos tradicionais, outros países podem ser as Filipinas e a Tailândia que possuem a escravidão sexual, fazendo com que muitas mulheres se tornem prostitutas, num ciclo sem fim.

Com a modernidade vieram outros tipos de escravidão, um deles seriam aqueles no qual uma pessoa obriga a outra que possui deficiência física a pedir esmolas na rua e depois dar tudo, outro tipo também muito comum em grandes cidades é o de pessoas obrigarem outras que possuem algum tipo de vício a roubarem e dar todo o fruto do roubo.

Para Aristóteles a escravidão tinha como função principal a execução de trabalhos braçais, e hoje vemos que ela modificou-se, servindo também para outras funções, mas sua essência continua a mesma, a obtenção de lucro usando outras pessoas, mesmo tendo passado milênios.

Na citação abaixo o autor Gustave Glotz deixa claro a situação dos escravos na sociedade ateniense, demonstrando assim que eles eram meros objetos da vontade das pessoas, reforçando assim a ideia de Aristóteles no tocante a se tratar do escravo como coisa, mesmo as pessoas vivendo em uma sociedade democrática.

A justiça ateniense garantia os benefícios da liberdade e da fraternidade aos cidadãos, mas aplicava, em certa medida, o princípio da igualdade mesmo àqueles que dela a natureza parecia excluir, aos escravos. De acordo com a lógica, a noção de cidade convertia os escravos em coisas de cidadãos, num instrumento sem nome, sem família, sem propriedade, sem direitos... [6].

O autor Augusto Magne foi brilhante ao citar a situação dos escravos como meras mercadorias que se compram e se vendem, concordando assim com Aristóteles, e o ápice de sua citação é dizer que os escravos não podiam nem apelar nos tribunais, porque como já foi dito aqui eles eram tratados como mercadorias, “O escravo é um objeto, que se compra e se vende. Nenhum direito lhe assiste, nem sequer o de ter consciência; deve cumprir quanto manda seu dono; nada possui, nem pode apelar para os tribunais.” [7].

O autor Mário Curtis demonstra claramente na citação abaixo, como era a situação dos escravos perante aos tribunais, no qual eles não poderiam aparecer para fazer denúncias contra o patrão, só como testemunha. “O escravo só podia comparecer em juízo, como testemunha, se submetido à tortura, porque se acreditava que só a força da dor poderia arrancar-lhe a verdade.” [8].

 

4. ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Durante o período de colonização de nosso país houve um processo de escravidão muito intenso, começando com a escravidão dos indígenas e depois trocando pela mão de obra negra no qual nossos colonizadores compravam dos traficantes que iam buscar os escravos principalmente no continente africano, e lá compravam por preços irrisórios ou trocavam por barricas de fumo, caixas, barris e amarrados de açúcar, entre outras coisas, demonstrando assim uma passagem de Aristóteles dizendo que os escravos “ possuem tão pouca alma ”e ao chegar no Brasil eles os vendiam por altos preços, e a partir do século XVII os escravos tornaram-se predominantemente negros.

Dentro dessa sociedade urbana os escravos se diferenciavam, entre escravos de ganho que eram aqueles que trabalhavam com relativa autonomia em relação a seu proprietário e desempenhavam algumas funções até remuneradas (como vendedores ambulantes, barbeiros, etc.), mas parte desse dinheiro era repassada para seus proprietários e a outra parte servia para eles comprarem roupas e alimentos e os escravos de aluguel eram alugados a terceiros e desempenhavam todos os tipos de trabalho. Os grandes proprietários desenvolveram um mecanismo que minimizava alguns custos de manutenção com os escravos, tal mecanismo era conhecido como “brecha camponesa” que nada mais era do que conceder pequenos lotes de terra aos escravos para que eles plantassem com isso alguns historiadores acreditavam que assim ocorria uma melhoraria nas condições de vida tanto no sentido material, como psicológico.

Mas com o tempo essa prática de mão de obra foi se extinguindo principalmente devido a pressões de outros países que já haviam abolido essa prática, foi então que após algumas tentativas de leis para melhorar as condições de vida dos escravos foram criadas e não deram muito certo, criou-se a Lei Áurea em 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel.

Atualmente em nossa Constituição de 1988 possuimos artigos que defendem a igualdade entre as pessoas, assegurando princípios básicos para uma vida digna, assim destacamos o artigo 5° que menciona, “ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito á vida, á liberdade, á igualdade, á segurança e á propriedade...”

No tocar ao trabalho escravo nossa constituição trata no artigo 5°, II ( “ ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei ” ) e III ( “ ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante ” ), e no artigo 7° que ressalta todos os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visam a melhoria de sua condição social.

Com esses artigos podemos dizer que no papel as pessoas estão protegidas, mas na verdade mesmo com esses artigos ainda encontramos pessoas que trabalham em situação parecida com a situação dos escravos na época da colonização, nosso país ainda tem uma grande dívida social com os descendentes dos escravos, e hoje o fruto da escravidão seria o preconceito, e para resolver isso é preciso criar um sistema mais eficaz de inclusão social, para ter o resultado de com o tempo fazer com as pessoas deixassem de lado seus preconceitos.

 

CONCLUSÃO

De acordo com os pensamentos de Aristóteles não possuíam nenhum tipo de direito, eram apenas propriedades do senhor, e esses escravos eram fundamentais para a estruturação da família porque se os senhores estavam apenas vivendo para reflexão uma família bem estruturada necessitava de escravos.

Ainda de acordo com o filósofo grego os escravos a animais, nos remetendo assim há como eram tratados os escravos naquela época, havendo muitas humilhações, torturas tanto físicas como psicológicas, péssima alimentação, enfim tratamentos desumanos.

Com o passar dos séculos foram criando-se alguns grupos abolicionistas, pessoas que eram contra o trabalho escravo, mais como principal movimento abolicionista temos o Iluminismo no século XVIII, que tinha os seguintes fundamentos, liberdade, igualdade e fraternidade. A partir desse movimento então muitos países foram se tornando abolicionistas, em nosso contexto mundial temos a Mauritânia como sendo o último país a aderir o abolicionismo, em 1981.

Mesmo assim a escravidão evoluiu, no que toca a diversificação, ou seja, ainda existem muitos países que continuam escravocratas, mesmo tendo leis e tratados internacionais que proibem tal prática, exemplos disso são muitos países árabes e muçulmanos que possuem ainda escravos tradicionais, outros países podem ser as Filipinas e a Tailândia que possuem a escravidão sexual, fazendo com que muitas mulheres se tornem prostitutas, num ciclo sem fim, outro tipo de escravidão que pode ser vista diariamente em nosso cotidiano é aquele no qual uma pessoa obriga a outra que possui deficiência física a pedir esmolas na rua e depois dar tudo, outro tipo também muito comum em grandes cidades é o de pessoas obrigarem outras que possuem algum tipo de vício a roubarem e dar todo o fruto do roubo.

No Brasil a extinção da escravidão deu-se início com a criação da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel que declarou a proibição do trabalho escravo, nesse passo nossa Constituição Federal de 1988 defende a igualdade entre as pessoas assegurando princípios básicos para uma vida digna.


BIBLIOGRAFIA

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Tradução de

Roberto Leal Ferreira.

GIORDANI, Mário Curtis. História da Grécia. Petrópolis: Vozes, 1992.

GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega. Rio de Janeiro: Bertrand brasil, 1988.

Tradução de Henrique de Araújo Mesquita e de Roberto Cortes Lacerda.

MAGNE, Augusto. Geografia, História e Instituições da Grécia Antiga.

São Paulo: Anchieta, 1943. Tradução de L. Laurand.



[1] ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Tradução de

Roberto Leal Ferreira.

[2] Apud: Aristóteles, op. cit., loc. cit.

[3] Apud: Aristóteles, Política, pág. 11.

[4] Apud: Aristóteles, Política, pág. 2.

[5] Apud: Aristóteles, op. cit., pág. 14.

[6] GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega. Rio de Janeiro: Bertrand brasil, 1988.

  Tradução de Henrique de Araújo Mesquita e de Roberto Cortes Lacerda.

[7] MAGNE, Augusto. Geografia, História e Instituições da Grécia Antiga.

  São Paulo: Anchieta, 1943. Tradução de L. Laurand.

[8] Mário Curtis Giordani, op. cit., pág. 190.