O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN trata-se de tributo previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, mais precisamente em seu Título VI, Capítulo I, Seção V, quando da divisão e institucionalização do Sistema Tributário Nacional, e tem por escopo tributar os prestadores dos serviços elencados na Lei Complementar nº. 116/2003.

Ante a distribuição de competência tributária instituída no artigo 156[1] da Carta Magna, a regulamentação especifica do tributo em comento (fato gerador, base de cálculo, etc.) ocorre no âmbito municipal, através de Lei Complementar[2], comumente nomeada de Código Tributário Municipal.

Assim sendo, compete aos Municípios, dentre outras atribuições ligadas ao tributo, identificar os serviços tributáveis pelo ISSQN. Sobre esse tema, há, atualmente, a indicação, em listagem anexa à Lei Complementar Federal nº. 116, de 31 de julho de 2003, comumente reproduzida nas Leis Complementares Municipais, de todos os serviços passíveis de incidência do Imposto Sobre Serviços, ainda que não se constituam como atividade preponderante do prestador.

Sendo a locação um instituto de direito privado, para se chegar ao seu conceito devem ser utilizadas as disposições do Código Civil, notadamente os artigos 565[3] e 594[4].

Da leitura dos artigos alhures mencionados e trazendo-os para o caso específico da locação de bens móveis, conclui-se, fatalmente, que a aludida modalidade não deve ser considerada como “prestação de serviço”, desde que consista somente no fato de alguém colocar um bem à disposição de outrem, haja vista que os elementos essenciais que lhe compõem a estrutura material não envolvem práticas de atos que consubstanciam um praestare ou facere, não podendo, por conseguinte, sofrer tributação a título de ISSQN.

O argumento algures expressado encontra-se plenamente respaldado ao observar-se o teor da Súmula Vinculante nº. 31 do Supremo Tribunal Federal, a qual assevera ser “... inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis” [5].

Ocorre que, diferentemente da matéria acima explicitada, há controvérsia jurisprudencial e doutrinária acerca da possibilidade, ou não, de tributação (total ou parcial) da locação de bens móveis quando a esta estiver atrelada prestação de serviços (ex. mão de obra).

Sobre o tema, impreterível destacar que há época dos debates que deram origem à Súmula Vinculante nº. 31 no Supremo Tribunal Federal, o Pleno da citada Corte, ao apreciar o Agravo Regimental 656.709, evidenciou que nas hipóteses em que seja possível a identificação e separação das atividades (locação e mão de obra ou serviço), a vedação à incidência do ISSQN sobre a locação de bem móvel esculpida na Súmula Vinculante nº. 31 do STF continua a valer, devendo o mencionado tributo incidir apenas sobre o serviço ou mão de obra.

Sobre o tema em evidência, vejamos o que asseverou o Ministro Cezar Peluso no Agravo Regimental acima indicado e julgado em 14/02/2012:

Quando há contrato de locação de móveis e, ao mesmo tempo, prestação de serviço, a locação de móveis continua não suportando o imposto; o serviço, sim. (grifos nossos).
 

O mesmo Ministro afirmou ainda:

(...) Veja bem: estamos afirmando que é inconstitucional quando incide sobre locação de móveis, mas só quando é dissociada da operação de serviço. Quando for associada, cabe imposto? Não. Então, a referência a dissociada é desnecessária, porque, quando associada, também não incide. (fls. 324). (destacamos).
 

Em recente decisão proferida nos autos do Agravo Regimental na Reclamação nº. 14.290, a Ministra Rosa Weber, em caso similar ao presente, chancelou a tese ora ofertada. Vejamos a Ementa:

EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. INCIDÊNCIA EM CONTRATOS MISTOS. LOCAÇÃO DE MAQUINÁRIO COM OPERADORES. RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE 31. DESCABIMENTO.A Súmula Vinculante 31, que assenta a inconstitucionalidade da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS nas operações de locação de bens móveis, somente pode ser aplicada em relações contratuais complexas se a locação de bens móveis estiver claramente segmentada da prestação de serviços, seja no que diz com o seu objeto, seja no que concerne ao valor específico da contrapartida financeira. Hipótese em que contratada a locação de maquinário e equipamentos conjuntamente com a disponibilização de mão de obra especializada para operá-los, sem haver, contudo, previsão de remuneração específica da mão de obra disponibilizada à contratante. Baralhadas as atividades de locação de bens e de prestação de serviços, não há como acolher a presente reclamação constitucional. Agravo regimental conhecido e não provido.(Rcl 14290 AgR, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 18-06-2014 PUBLIC 20-06-2014)  (destacamos).
 

Assim, cientes de que o STF pacificou o entendimento quanto a inconstitucionalidade da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS nas operações de locação de bens móveis, tem-se que a referida Súmula deva ser considerada mesmo em relações contratuais complexas, desde que a locação de bens móveis esteja claramente segmentada à prestação de serviços, seja no que diz respeito ao seu objeto, seja no que concerne ao valor específico da contrapartida financeira.

Ultrapassada a discussão técnica sobre o tema e aplicando-o à prática, tem-se que, hodiernamente, uma vasta gama de municípios utiliza como base de cálculo para incidência do ISSQN o valor global da contratação (ex.: mão de obra + locação), quando, em verdade, apenas seria devida a incidência do ISS sobre o valor puro da prestação de serviço (mão de obra no caso citado).

Assim, o presente artigo tem por escopo alertar os sujeitos passivos do ISSQN acerca de situação ilegal específica, comumente praticada pelos entes municipais e não observadas pelos contribuintes do imposto em debate, qual seja a hipótese de cobrança de ISS sobre o valor total de locação de bem móvel juntamente com serviço (ex. locação de máquina com operador), quando possível a delimitação do objeto ou valor de cada ato.

Ocorrendo a hipótese acima alertada, compete ao contribuinte lesado requerer a restituição dos valores ilegalmente arrecadados (por devolução ou compensação), nos moldes estabelecidos no art. 165[6] e seguintes do CTN, acrescidos de juros de mora e das penalidades pecuniárias indevidamente repassadas, caso existentes, observando, para tanto, o prazo prescricional de 05 (cinco) anos.


[1] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

IV -(Revogado pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. 

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

II - compete ao Município da situação do bem.

§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:

I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;

II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.

 III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

§ 4º (Revogado pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

[2]Art. 146. Cabe à lei complementar:

I – [...]

II – [...]

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especificamente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

[3]Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

[4]Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.

[5] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1286

[6]Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Art. 167. A restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição.

 Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; (Vide art 3 da LCp nº 118, de 2005)

II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.

 

Diêgo Domiciano Vieira Costa Cabral
Unidade Cível e Tributária - Contencioso Geral
Galvão, Cabral e Pires ADVOCACIA E CONSULTORIA JURÍDICA

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