Da Gestação de Um Sentido
Publicado em 27 de setembro de 2011 por David Guarniery
Da Gestação De Um Sentido
Estava eu em um de meus vizinhos. Fui por insistência dos mesmos. Há algo estranho comigo. Tenho 25 anos de idade e nada, absolutamente nada, parece-me digno de uma comemoração. Não percebo sucesso em um aniversário como o percebo na descoberta de uma fórmula matemática, um passo simples na lua, uma descoberta revolucionária nas ciências cognitivas[1] ou na mais bela harmonia sonora que possa a alma dos homens produzir. Nisto apraz-me o desejo de celebração. Talvez aí haja, de fato, a razão que procuro para festejar. O motivo maior que dê não mais sabor à comida... mas o sentido real da vida que há muito busco, honestamente.
Fato é que o riso já não parece-me possuir a mesma lógica de quando criança. Quero algo simples e, deveras, árduo de se ter. Quero a razão pela qual possa eu justificar meu riso. Falta-me mais: aquele sentimento de felicidade que aquece o peito. Que mais faz rir que deplorar, ao relembrar, com quase absoluto desprezo, a inutilidade daquele instante onde apenas o corpo viveu. Onde meu espírito? Já não mais compreendo-me naquilo que faço, quando o sentido de se fazer parece já não mais orientar as mãos.
Se me materializo, falta-me o orgulho à consumada expressão de meu eu-objeto. Érebo maior é não saber de mim. Angústia é perceber que, em meio a tantos, somente eu não fui. Eu nada fui. Talvez melhor expliquem as fotos onde simplesmente não me percebo. Em algum lugar no espaço-tempo daquela celebração – mais efeito do costume que do postulado sucesso onde minha razão espera inebriar-se algum dia – estava ali um eu-fantasma… objeto dentre tantos; um modelo que muito espanta-me tê-lo sido um só momento. – E tu? Recordarás-me? Vestirás meu suplício em teu corpo? Que me dirás do horror? Silêncio. De modo que assim talvez me ouças.
Neste instante, uma voz cansada, humilde e perfeita em preciosa ternura invoca-me atenção. Oferece-me mais de todo aquele costumeiro inane. Rejeito aquela indecente manifestação da insignificância humana: uma mulher mal vestida, mal vivida. Um ninguém com quem até a existência ofender-se-ia se tal coisa possível fosse ao existir vazio que se quer cheio… preenchendo-se de todo o nada em forma de mulher. Coisa alguma a quem respondo: Não quero, Mamãe.
Quero futuro distinto. O melhor de minhas obras há de não reduzir-se em ser apenas um filho ingrato. E talvez… quanto por sobre esta obra o sentido de minha vida haver-se feito; ante o sucesso com que meus olhos têm por noites e dias sonhado; na ausência daquela efígie pela qual, ao mundo, o mais vil dos feitos humanos surgiu, possa eu agradecer o oportuno da vida; e fazer desaparecer das laudas muitas da memória a história escrita de minha muda saudade daquela, a compunção dos erros os quais nem um retrocesso há de me curar… e, sobretudo, a ingratidão tão típica de quem, por todo o sempre, negligenciou aquele pálido[2], mas puro amor que recebera por mais um dia.
E, talvez, quando, à beira do descanso perpétuo, a vergonha do que me fiz me logo declare coisa, venha eu a consumar minha frívola lógica, tornando-me na morte o homem que nunca eu soubera em vida ser. Em nada apraz-me a hipótese que sou. Daquele suplício em meu silêncio fez-se esta confissão, para a gestação de um sentido que me logo decerte… e talvez enfim liberte do arbítrio de pouco ser o espírito que mal concebe a si[3]. Mulher modesta; Marlene mãe, perdoe-me o meu não-ser; o horror de tornar-te berço… de coisa alguma.
Autor: David Guarniery
Idade: 25 anos
Início: 18:00
Término: 18:20
Tempos Gasto: 20 minutos
Dia: Domingo
Data: 05 de junho de 2011
Classificação: Crônica Lírico-Filosófica
Obra: 001
In Memoriam:
*Marlene Salgado Galvão (mãe)
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Brasil/ Paraná/ Cambé
[1] Talvez aqui venha eu a contribuir. Tenho uma interessante hipótese à formulação de minha suposta consciência. Os resultados que tenho obtido a partir desta investigação por mim realizada em mim mesmo – pois penso que de outro modo não poderia sê-lo – como que tem levado à ruína todos os supostos subsistemas aos quais pude dedicar-me até então. É esta ruína inexorável a evidência maior do postulado êxito de minha descoberta.
[2] Que não tenha todo o fulgor que desejo… nem por isto deixou de ser amor.
[3] Deste modo, creio que: sendo-me por deliberação tal como apresento-me a mim, a gestação de um novo sentido onde o eu que sou torna-se algo para mim mesmo é de todo refém daquele mesmo ato deliberativo inicialmente sugerido. O não-ser é, com efeito, a compreensão deliberada do eu sobre si mesmo, de modo que o desalento confesso resulta como condição necessária de um ato da vontade em perpetuar na hipotética consciência do eu o costume de mal conceber a si, crendo como realidade última do mesmo aquele mesmo nada perpetuamente concebido. O que nos torna algo? O que fornece a nós tal título? O ser de que falo é efeito da descoberta da consciência sobre si; e não do ser que, por existir somente, já não se sabe, razão pela qual somente a consciência concede uma historicidade à carne tua. O primeiro registro do universo foi a mais esplêndida invenção da minha mente. Que o mundo tenha-me feito eis uma hipótese; que eu tenha feito um mundo eis um “fato”, se para existir é preciso crer que aquilo que a vontade cria seja real – Este tal Albert Einstein não é de todo fato que o mais extravagante dos meus delírios. (Declaro para cada um dos termos a mais absoluta arbitrariedade na qual suponho-me).