DA EXECECUÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE FRENTE À DESNECESSIDADE DE PENHORA NOS PROCESSOS EXECUTÓRIOS 

Ingryd dos Santos Mousse[1]

A princípio, nos processos executórios, para que o executado pudesse opor-se a uma execução por quantia certa, era necessária a garantia do juízo. Tal entendimento encontrava previsão legal no artigo 737, I do CPC e era baseado em dois argumentos.

Primeiro porque é a partir da penhora que o executado passa a correr verdadeiro risco, surgindo a necessidade de contra-atacá-la. O segundo diz respeito ao efeito suspensivo dos embargos, vez que sua mera oposição já retira a eficácia do título. Assim, almejando dar maior equilíbrio entre o direito de defesa e a eficácia do título, a oposição dos embargos somente teria sustento com a constrição dos bens do executado.

Diante deste quadro, construiu-se um instituto que não encontra previsão na Lei de Processo, no entanto, que ganhou destaque em nosso sistema jurídico tendo em vista a sua aplicabilidade nas questões de retenção de bens. Daí criou-se a “exceção de pré-executividade”.

Por meio desta, o executado ganhou a possibilidade de se defender no processo de execução sem a constrição do seu patrimônio, levando ao conhecimento do magistrado, questões acerca da nulidade do título ora em execução.

Candido Rangel Dinamarco manifestou-se sobre o assunto:

“a aceitação em tese das objeções de pré-executividade constitui o reconhecimento de que não seria legítimo deixar invariavelmente aberto o campo para execuções desprovidas de requisitos indispensáveis, com a possibilidade de exercer constrições sobre o patrimônio de um sujeito, e o ônus, imposto a este de oferecer embargos depois...”.

A priori, a exceção de executividade teria cabimento somente sobre matérias conhecidas de ofício, tais como: prescrição, ilegitimidade e nulidades absolutas. Contudo, o grande manejo deste incidente no campo executório levou ampliar seu emprego, passando a compreender toda e qualquer matéria de defesa, inclusive, o excesso de execução e compensação de dívida.

Consequentemente, o uso exacerbado deste instituto tornou a exceção de pré-executividade um sucedâneo dos próprios embargos, dando ao executado duas formas de defesa, a exceção aplicada antes da penhora; e sucessivamente, os próprios embargos.

Contudo, com o advento da Lei 11.382/2006 a necessidade de garantia do juízo para oposição de embargos deixou de existir graças a teor do artigo 736 do CPC. O executado passou a poder embargar à execução, independente da penhora, depósito ou caução.

A teor o artigo 736 do CPC dispõe:

Art. 736 - O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos.

 

Parágrafo único. Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal. 

Ademais, com intuito de não privilegiar em demasia o executado, cuidou o legislador de retirar, como regra geral, o efeito suspensivo dos embargos (art. 739 - A do CPC). Assim, o executado deverá, sob pena de preclusão, oferecer os embargos no prazo de 15 dias, sem que o processo seja suspenso, ao passo que caso não tenha ocorrido a penhora no decorrer do processo, esta poderá ser iniciada mesmo durante a apreciação dos embargos.

Dito isto, podemos dizer que atualmente a interposição da execução de pré-executividade não tem mais razão para subsistir. Ora, se o objetivo da exceção de pré-executividade era propiciar ao executado a possibilidade de se defender de uma execução sem que tivesse seus bens retidos, este instituto perdeu sua aplicabilidade, afinal, a partir de agora a garantia de juízo deixou de ser condição para o exercício da defesa processual do executado.

Todavia, esse entendimento não é unânime. Existem três tipos de correntes doutrinárias, que serão aqui explanadas, como se verá a seguir.

A primeira corrente, defendida por Araken de Assis, Humberto Theodoro Júnior e Eduardo Arruda Alvim, entende pela sobrevivência do incidente de pré-executividade. Dentre seus argumentos, podemos citar a possibilidade de veicular matéria que teoricamente não podem ser alegadas em sede de embargos (como por exemplo: falta de citação, a inexigibilidade do título executivo, ou, a ilegitimidade de partes), e a atribuição do efeito suspensivo, uma vez que o art. 739- A, §1º é claro ao dispor que o efeito suspensivo somente será concedido na existência penhora, caução ou depósito anterior.

De outro lado, a doutrina majoritária representada Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, considera que o instituto se não restou completamente inaplicável, teve sua aplicabilidade bastante reduzida, uma vez que agora a oposição dos embargos à execução não necessita da garantia do juízo.

Além disto, antes da reforma, o artigo 741 do CPC realmente taxava as hipóteses de cabimento dos embargos. Porém, com a Lei 11.382/2006, foram retiradas todas as restrições a serem alegadas em sede de embargos à execução, de modo que o Embargante agora pode suscitar toda e qualquer questão de direito ou de fato que seja lícita como defesa em processo de conhecimento (art. 745 do CPC), passando o artigo 741, a ser utilizado tão somente para dispor na execução contra a Fazenda Pública.

Para o Ministro Luiz Fux, a presente exceção de pré-executividade não só é inútil, como também ilegal, vejamos:

“É cediço que em processo, o que é desnecessário é proibido. Consequentemente extraindo-se a razão de ser do dispositivo, juntamente com a interpretação histórica a que conduz a exposição de motivos, veda-se ao executado a apresentação de peças informais nos autos de execução para provocação de peças informais anteriormente, enquadráveis na denominada exceção de pré-executividade. Interpretação diversa é notoriamente contra a mens legis.

Destarte, muito embora a exposição de motivos apresente uma justificação para a dispensa da garantia do juízo, a realidade é que essa exoneração de segurança judicial atende ao postulado do acesso à justiça, não só ostentavam condições para caucionar, como também para aquelas hipóteses em que a fragilidade do crédito exequendo tornava injusto que o devedor comprometesse o seu patrimônio para livrar-se de um crédito evidentemente ilegítimo”.   

Unindo-se a este entendimento, mencionamos o ilustre doutrinador Daniel Amorim Assumpção:

 "Seria, aliás, paradoxal, considerando-se  que o principal objetivo do legislador com a elaboração da Lei 11.232/05 foi agilizar o procedimento de satisfação do direito do demandante, e a exigência de garantia de juízo para a apresentação da impugnação tornaria o procedimento do processo de execução, no qual os embargos à execução não dependem de garantia do juízo (art. 736 do CPC). É imprescidível admitir a impugnação sem a necessidade da garantia do juízo, quer seja para dar uma agilidade maior ao procedimento  de cumprimento de sentença, quer seja para evitar uma distinção injustificada com o procedimento autônomo de execução. E lembre-se que o art. 475 -R do CPC determina a aplicação subsidiária das regras do processo autônomo de execução ao cumprimento de sentença".

Ademais, ainda há quem defenda um terceiro entendimento, o qual a exceção ainda vive no sentido de que antes esse instituto tratava-se de um meio de defesa daquele que ainda não tinha seus bens penhorados, uma vez que a penhora era requisito para propositura dos embargos. Agora, continua sendo exigida para garantir o efeito suspensivo à execução.

Nas palavras de Thiago Luiz Pacheco de Carvalho: “Hordiernamente, apesar de não haver exigência de penhora dos bens do executado para apresentação dos embargos à execução, esta é mister para a concessão do efeito suspensivo. Ora, a simples penhora é ato executivo de constrição de bens. Desta forma, a execução de pré-executividade demonstra-se o único meio hábil para evitar tal constrangimento ao executado”.

Desta feita, percebe-se que a doutrina se divide no que tange a aplicabilidade da exceção de pré-executividade. Contudo, o entendimento majoritário resolveu pela extinção deste instituto, uma vez considerados alguns aspectos. São eles: a alteração do artigo 736 do CPC, o qual permitiu que o executado oponha embargos à execução sem que enfrente a constrição de seus bens; a reforma da Lei 11. 382/2006 que admitiu que toda e qualquer matéria possa ser alegada em sede de embargos; e, finalmente, que na sistemática atual, o efeito suspensivo não evita que haja a penhora, conforme artigo 739 –A do CPC. Sendo, portanto, um instituto sem eficácia nos dias atuais.

REFERÊNCIAS

ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim. Manual de Direito Processual Civil – 4 ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo, Ed. MÉTODO, 2012.

CARVALHO, Thiago Luiz Pacheco de. O instituto da execução de pré-executividade no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navegandi, Teresina, ano 13, nº. 2291, 9 out. 2009. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13649 Acesso em: 10 de maio de 2013.



[1] Pós- graduanda em Direito Processual Civil pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pela Universidade Nilton Lins. Atualmente atua como Advogada do escritório jurídico Andrade & Câmara Advogados. Endereço eletrônico: [email protected]