Da cabocla Tereza, a Maria da Penha: o que mudou? : Uma Análise Crítica do Discurso

 

                                                                     Ana Martinha Damacena

                                                                     Vanda Vieira da Silva

            RESUMO

            Este trabalho tem como objetos de estudo a música Cabocla Tereza ,composta pelo compositor João Pacifico e uma matéria jornalística do jornal O Estado de São Paulo, do dia 8 de Maio de 2012:A cada duas horas uma mulher é assassinada no país,escrita por Adriana Ferraz.Pretendemos analisar o sexismo ligado a violência contra a mulher, observando a maneira como a mulher é representada em ambos os textos. Para isso, utilizaremos a Teoria Social do Discurso, desenvolvida por Norman Fairclough, focando na interdiscursividade e nas representações dos atores sociais. Percebemos que, setenta e dois anos que os separam, com contextos históricos tão diferentes, os crimes cometidos contra a mulher, tanto no primeiro texto da década de trinta, como no segundo texto do século XXI, têm em sua essência o mesmo discurso, a mulher é representada da mesma maneira e os crimes são muito parecidos.

            Palavras chave: mulher, violência, contexto social.

INTRODUÇÃO

 

            Em um primeiro momento, realizaremos uma análise da música “cabocla Tereza”, para localizarmos o contexto social em que desencadeia as ações que compõe o poema que Tereza está inserida e apresentaremos a notícia do jornal O Estado de São Paulo, mostrando as estatísticas atuais da violência contra a mulher.

 No segundo momento, confrontaremos os dois discursos para situarmos historicamente a ação dos atores sociais envolvidos. Fundamentados na abordagem de Análise do Discurso Crítica, desenvolvida por Norman Fairclough, através das autoras Viviane Resende e Viviane de Melo, tentaremos apontar os pontos de contato existentes entre os dois textos.

           

O CONTEXTO SOCIAL E SEUS ATORES NA MÚSICA CABOCLA TEREZA

CABOCLA TEREZA

"Lá no alto da montanha
Numa casinha estranha
Toda feita de sapê
Parei numa noite à cavalo
Pra mór de dois estalos
Que ouvi lá dentro bate
Apeei com muito jeito
Ouvi um gemido perfeito
Uma voz cheia de dor:
"Vancê, Tereza, descansa
Jurei de fazer a vingança
Pra morte do meu amor"
Pela réstia da janela
Por uma luzinha amarela
De um lampião quase apagando

Vi uma cabocla no chão
E um cabra tinha na mão
Uma arma alumiando
Virei meu cavalo a galope
Risquei de espora e chicote
Sangrei a anca do tar
Desci a montanha abaixo
Galopando meu macho
O seu doutô fui chamar
Vortamo lá pra montanha
Naquela casinha estranha

Eu e mais seu doutô
Topemo o cabra assustado
Que chamou nóis prum lado
E a sua história contou"

Há tempo eu fiz um ranchinho
Pra minha cabocla morá
Pois era ali nosso ninho
Bem longe deste lugar.

No arto lá da montanha
Perto da luz do luar
Vivi um ano feliz
Sem nunca isso esperá

E muito tempo passou
Pensando em ser tão feliz
Mas a Tereza, doutor,
Felicidade não quis.

Pus  sonho nesse oiá
Paguei caro meu amor
Pra mór de outro caboclo
Meu rancho ela abandonou.

Senti meu sangue fervê
Jurei a Tereza matá
O meu alazão arriei
E ela eu fui  percurá.

Agora já me vinguei
É esse o fim de um amor
Esta cabocla eu matei
É a minha história, dotor.

           

             A estrutura do poema é de oito estrofes, divididas em duas partes: uma declamada com trinta versos dividida em duas estrofes de 15 versos, onde é contextualizado a cena do crime e o espaço onde acontece a ação. A parte cantada retrata a história de amor e vingança vivida pelo algoz e pela cabocla “Tereza”, dividia em seis estrofes de quatro versos.

            A música “Cabocla Tereza” ,  retrata um crime passional ocorrido no interior do Brasil: uma mulher que se separa do marido. Inconformado com o fim do casamento e mais, o fato da esposa ter se casado novamente, o homem então se sente traído, e jura “vingança”. Vai até o local onde a ex - esposa  vive com o atual marido, e a mata. O autor evidencia isso nas três últimas estrofes:

Pus meu sonho nesse oiá
Paguei caro meu amor
Pra mor de outro caboclo
Meu rancho ela abandonou.

Senti meu sangue fervê
Jurei a Tereza matá
O meu alazão arriei
E ela eu fui  percurá.

Agora já me vinguei
É esse o fim de um amor
Esta cabocla eu matei
É a minha história, dotor.

            Nos anos 30 e 40, em que foi escrita e gravada a música “cabocla Tereza”, a situação social e jurídica da mulher no Brasil era essa retratada pela música: no casamento, a mulher era vista como “propriedade” do marido.

            Quando na presença do “seu dotô”, que no texto não fica claro, mas subentende que seria um delegado, o assassino confessa o crime e justifica o fato da mulher tê-lo abandonado e ir viver com outro, explicitando nesse momento uma relação de poder entre os gêneros (masculino x feminino).

            Naquele ano que foi escrita e gravada a música, 1940, havia oito anos da instituição do voto feminino no Brasil. A ONU somente na década de 50 declararia os direitos da mulher como sendo direitos humanos, como mostra Tânia Pinafi, (2007) na revista “Histórica” on-line do Estado de São Paulo.

A Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou seus esforços contra essa forma de violência, na década de 50, com a criação da Comissão de Status da Mulher que formulou entre os anos de 1949 e 1962 uma série de tratados baseados em provisões da Carta das Nações Unidas — que afirma expressamente os direitos iguais entre homens e mulheres e na Declaração Universal dos Direitos Humanos — que declara que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza.

O CONTEXTO ATUAL

A cada duas horas, uma mulher é assassinada no País

Dados constam do Mapa da Violência de 2012 e mostram que, em uma lista de 87 países, o Brasil é o sétimo que mais mata

08 de maio de 2012 | 3h 03

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ADRIANA FERRAZ - O Estado de S.Paulo

A cada duas horas, uma mulher é morta no Brasil. Na maioria dos casos, o assassino é o namorado, marido ou ex-companheiro, que mata dentro de casa, após já ter cometido pelo menos um ato de agressão. Os dados constam do Mapa da Violência de 2012 - Homicídio de Mulheres e mostram que, em uma lista de 87 países, o Brasil é o sétimo que mais mata. Em 2010, foram 4.297 casos ou 4,4 assassinatos por 100 mil habitantes.

Na comparação por faixa populacional, o Espírito Santo é o primeiro do ranking. Com taxa de 9,4 mortes, representa o dobro da média brasileira e o triplo do índice de São Paulo, o penúltimo da lista. O Estado do Piauí é o menos violento, de acordo com o estudo elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo, com base nos dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

No mapa das capitais, as Regiões Norte e Nordeste são as mais problemáticas. Porto Velho, Rio Branco, Manaus e Boa Vista, por exemplo, têm mais de dez mortes por grupo de 100 mil habitantes. Na contramão, Brasília registra 1,7. Mas, seja qual for a região, as principais vítimas são, normalmente, mulheres de 20 a 29 anos.

A pesquisa é a primeira a registrar estatísticas regionais e, por isso, pode representar um marco na definição de políticas públicas. "Quando o assunto é violência contra a mulher, não existe uma fórmula pronta. Por isso, é importante conhecer as realidades locais, para trabalhar cada particularidade, especialmente as culturais. Muitas toleram uma agressão em 'nome da honra', por exemplo. De toda forma, qualquer que seja o trabalho, ele deve contar com a força policial. Foi assim que o Piauí se destacou", diz Jacobo.

Diferentemente do cenário de violência masculina, a agressão contra a mulher dificilmente acontece no bar ou no local de trabalho, mas na residência, nas ruas ou mesmo na escola. Ainda segundo o estudo, o agressor usa, em 53,9% dos casos, armas de fogo.

Maria da Penha. Nos últimos 14 anos, o índice nacional de homicídios de mulheres se manteve estável. A menor taxa registrada no período é de 2007, ano em que entrou em vigor a Lei Maria da Penha, que pune o agressor com mais rigor e assegura à mulher proteção policial e da Justiça em caso de denúncia. Foram 3.772 casos - taxa de 3,9. No ano seguinte, porém, a curva voltou a crescer, atingindo 4,2.

Nas últimas três décadas, de acordo com o histórico do mapa, 91.932 mulheres foram mortas no Brasil. Com dados de 1980 para cá, a pesquisa mostra que o crescimento efetivo ocorreu até 1996, quando a taxa nacional atingiu o pico de 4,6. "Depois disso, temos redução dos índices, mas eles ainda estão longe do ideal. No ranking internacional, o Brasil só fica atrás de El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize." Na lista, 44 países têm taxas iguais ou inferiores a 1.

A redução dos conflitos domésticos está, segundo o Instituto Patrícia Galvão - especializado em violência contra a mulher -, na construção de uma rede protetora que dê suporte psicológico à vítima.

"Não basta abrir mais delegacias especializadas pelo País. A mulher dificilmente faz a denúncia imediatamente. Muitas vezes, ela até se sente culpada ou na obrigação de salvar o casamento. É nessa hora que precisa encontrar uma rede de acolhida para desabafar e receber orientação, antes de procurar a polícia", diz Jacira Melo, diretora executiva da entidade.

Três fases. Entre os fatores que dificultam o relato está a proximidade com o agressor. As estatísticas mostram que, seja qual for a idade da mulher, quem a agride mora em sua casa ou faz parte de sua família. "Até os 9 anos, ela é vítima dos pais de sangue ou criação. Quando se torna adulta, corre o risco de ser espancada pelo marido ou ex. E, já idosa, acaba maltratada pelos próprios filhos", relata Jacobo.

                           INTERDISCURSIVIDADE: O DISCURSO HISTÓRICO DE POSSE E O CONTEXTO SOCIAL ATUAL

                        Setenta e dois anos se passaram do assassinato da cabocla “Tereza” e segundo matéria jornalística reportada no Jornal O Estado de São Paulo do dia 8 de Maio de 2012, a cada duas horas, uma mulher é assassinada no Brasil, o assassino é o namorado, marido ou ex-companheiro, em 53,9% o agressor usa arma de fogo e a agressão acontece em sua maioria na casa da vítima.

Cabocla Tereza também foi assassinada pelo ex-companheiro, em sua casa e por uma arma de fogo. Os dois discursos, tanto o poético caipira de 1940, quanto o jornalístico atual, apesar do tempo histórico/cronológico que os separam, tratam do mesmo tema ”a violência contra a mulher”. A forma de agir do agressor de 1940 e do agressor em 2012, são semelhantes, e as relações de poder são as mesmas, a mulher (o sexo frágil) sendo agredida pelo homem (sexo forte), deixando evidenciar um sentimento de posse do homem sobre a mulher.

Quando tomamos como base os dois textos, e os analisamos de uma forma crítica, com olhar histórico, encontramos uma interdiscursividade de mulheres vítimas com evidências muito próximas.

Quantas Terezas foram mortas até que as mulheres tivessem direito ao voto, da mesma forma que o homem tinha e a ONU declarasse, ”... que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza”.  

 Mesmo com algumas conquistas, as diferenças, discriminações e a violência contra a mulher continuaram, estatísticas vergonhosas colocaram o nosso país entre os que mais agridem e matam suas mulheres, tendo um declínio só no ano em que entra em vigor a Lei Maria da Penha, que leva esse nome em homenagem a uma mulher que era constantemente torturada em casa por seu marido, até parar em uma cadeira de rodas com uma lesão na coluna vertebral.

CONCLUSÃO

A música “Cabocla Tereza” emocionou várias gerações com seu enredo, e de indigna,

                         Cinquenta e dois anos após chegar ao mercado a primeira pílula anticoncepcional na Alemanha. A máquina de lavar roupas, que auxiliaria nas tarefas domésticas da mulher, que foi produzida em grande escala nos Estados Unidos em 1906. No século XX, uma infinidade de inovações tecnológicas invadiu os lares e as empresas. O trabalho que antes era delegado à mulher e que executava de maneira rudimentar, passou a ser executado com auxílio de motores elétricos e outros artefatos. Mais adiante, o cinema colocaria a mulher num lugar de destaque na sociedade, como símbolo da beleza, da sedução e presença indispensável em todas as tramas das mais belas histórias de amor e de lutas sociais. O mercado televisivo, que do cinema passou para a televisão e posteriormente para a internet, confiou na mulher tarefas nada convencionais: emprestar sua beleza física, sua competência intelectual consagrada a centenas de ocupações. A figura feminina alavancaria vendas de produtos em todo o mundo, dos mais simples aos mais sofisticados como motos importadas, carros, aviões, navios e produtos de beleza. A presença da mulher notabilizaria e abrilhantaria personalidades como Condes, Reis, Duques, Artistas e Bilionários de todos os seguimentos.

                        O papel da mãe, da esposa, da dona de casa e outros papéis que a mulher desempenhava no passado, foram desbotando nessa nova ordem social. Nas democracias também a mulher foi sendo inserida pelas mais diversas razões e circunstâncias. De chefes de Estado, a secretárias dos governos mais influentes no mundo. Nos esportes, a mulher do último século, está presente em quase todas as modalidades e com desempenho nada modesto. No dia em que escrevo este artigo, a primeira mulher chinesa, está no espaço a bordo de uma estação.

                        Todas essas conquistas da mulher sabidas em todos os lugares do mundo,  parece não afastar dela a imagem fantasmagórica de “propriedade” de alguém ou mesmo de inferioridade. Seria então alguma coisa que falta para a mulher falar através de suas conquistas, ou falta à sociedade masculina fazer uma leitura reflexiva dessa nova ordem social? Entendemos que o discurso é o instrumento condutor das mudanças sócias produzidas ao longo da história pelos indivíduos e só por ele se estabelecerá novas ideologias, novas culturas, para que ocorram mudanças significativas desse contexto social que hora presenciamos, ainda de posse e inferiorização da mulher desde a cabocla Tereza a Maria da Penha.

REFERÊNCIAS:

Resende, Viviane de melo, análise do discurso crítica - São Paulo: contexto. 2006

www.oestadodesaopaulo.com.br

Revista “Histórica” on-line do Estado de São Paulo – Tânia Pinaf. 2007

www.cifras.com.br

Da cabocla Tereza, a Maria da Penha: o que mudou? : Uma Análise Crítica do Discurso

 

                                                                     Ana Martinha Damacena

                                                                     Vanda Vieira da Silva

            RESUMO

            Este trabalho tem como objetos de estudo a música Cabocla Tereza ,composta pelo compositor João Pacifico e uma matéria jornalística do jornal O Estado de São Paulo, do dia 8 de Maio de 2012:A cada duas horas uma mulher é assassinada no país,escrita por Adriana Ferraz.Pretendemos analisar o sexismo ligado a violência contra a mulher, observando a maneira como a mulher é representada em ambos os textos. Para isso, utilizaremos a Teoria Social do Discurso, desenvolvida por Norman Fairclough, focando na interdiscursividade e nas representações dos atores sociais. Percebemos que, setenta e dois anos que os separam, com contextos históricos tão diferentes, os crimes cometidos contra a mulher, tanto no primeiro texto da década de trinta, como no segundo texto do século XXI, têm em sua essência o mesmo discurso, a mulher é representada da mesma maneira e os crimes são muito parecidos.

            Palavras chave: mulher, violência, contexto social.

INTRODUÇÃO

 

            Em um primeiro momento, realizaremos uma análise da música “cabocla Tereza”, para localizarmos o contexto social em que desencadeia as ações que compõe o poema que Tereza está inserida e apresentaremos a notícia do jornal O Estado de São Paulo, mostrando as estatísticas atuais da violência contra a mulher.

 No segundo momento, confrontaremos os dois discursos para situarmos historicamente a ação dos atores sociais envolvidos. Fundamentados na abordagem de Análise do Discurso Crítica, desenvolvida por Norman Fairclough, através das autoras Viviane Resende e Viviane de Melo, tentaremos apontar os pontos de contato existentes entre os dois textos.

           

O CONTEXTO SOCIAL E SEUS ATORES NA MÚSICA CABOCLA TEREZA

CABOCLA TEREZA

"Lá no alto da montanha
Numa casinha estranha
Toda feita de sapê
Parei numa noite à cavalo
Pra mór de dois estalos
Que ouvi lá dentro bate
Apeei com muito jeito
Ouvi um gemido perfeito
Uma voz cheia de dor:
"Vancê, Tereza, descansa
Jurei de fazer a vingança
Pra morte do meu amor"
Pela réstia da janela
Por uma luzinha amarela
De um lampião quase apagando

Vi uma cabocla no chão
E um cabra tinha na mão
Uma arma alumiando
Virei meu cavalo a galope
Risquei de espora e chicote
Sangrei a anca do tar
Desci a montanha abaixo
Galopando meu macho
O seu doutô fui chamar
Vortamo lá pra montanha
Naquela casinha estranha

Eu e mais seu doutô
Topemo o cabra assustado
Que chamou nóis prum lado
E a sua história contou"

Há tempo eu fiz um ranchinho
Pra minha cabocla morá
Pois era ali nosso ninho
Bem longe deste lugar.

No arto lá da montanha
Perto da luz do luar
Vivi um ano feliz
Sem nunca isso esperá

E muito tempo passou
Pensando em ser tão feliz
Mas a Tereza, doutor,
Felicidade não quis.

Pus  sonho nesse oiá
Paguei caro meu amor
Pra mór de outro caboclo
Meu rancho ela abandonou.

Senti meu sangue fervê
Jurei a Tereza matá
O meu alazão arriei
E ela eu fui  percurá.

Agora já me vinguei
É esse o fim de um amor
Esta cabocla eu matei
É a minha história, dotor.

           

             A estrutura do poema é de oito estrofes, divididas em duas partes: uma declamada com trinta versos dividida em duas estrofes de 15 versos, onde é contextualizado a cena do crime e o espaço onde acontece a ação. A parte cantada retrata a história de amor e vingança vivida pelo algoz e pela cabocla “Tereza”, dividia em seis estrofes de quatro versos.

            A música “Cabocla Tereza” ,  retrata um crime passional ocorrido no interior do Brasil: uma mulher que se separa do marido. Inconformado com o fim do casamento e mais, o fato da esposa ter se casado novamente, o homem então se sente traído, e jura “vingança”. Vai até o local onde a ex - esposa  vive com o atual marido, e a mata. O autor evidencia isso nas três últimas estrofes:

Pus meu sonho nesse oiá
Paguei caro meu amor
Pra mor de outro caboclo
Meu rancho ela abandonou.

Senti meu sangue fervê
Jurei a Tereza matá
O meu alazão arriei
E ela eu fui  percurá.

Agora já me vinguei
É esse o fim de um amor
Esta cabocla eu matei
É a minha história, dotor.

            Nos anos 30 e 40, em que foi escrita e gravada a música “cabocla Tereza”, a situação social e jurídica da mulher no Brasil era essa retratada pela música: no casamento, a mulher era vista como “propriedade” do marido.

            Quando na presença do “seu dotô”, que no texto não fica claro, mas subentende que seria um delegado, o assassino confessa o crime e justifica o fato da mulher tê-lo abandonado e ir viver com outro, explicitando nesse momento uma relação de poder entre os gêneros (masculino x feminino).

            Naquele ano que foi escrita e gravada a música, 1940, havia oito anos da instituição do voto feminino no Brasil. A ONU somente na década de 50 declararia os direitos da mulher como sendo direitos humanos, como mostra Tânia Pinafi, (2007) na revista “Histórica” on-line do Estado de São Paulo.

A Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou seus esforços contra essa forma de violência, na década de 50, com a criação da Comissão de Status da Mulher que formulou entre os anos de 1949 e 1962 uma série de tratados baseados em provisões da Carta das Nações Unidas — que afirma expressamente os direitos iguais entre homens e mulheres e na Declaração Universal dos Direitos Humanos — que declara que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza.

O CONTEXTO ATUAL

A cada duas horas, uma mulher é assassinada no País

Dados constam do Mapa da Violência de 2012 e mostram que, em uma lista de 87 países, o Brasil é o sétimo que mais mata

08 de maio de 2012 | 3h 03

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ADRIANA FERRAZ - O Estado de S.Paulo

A cada duas horas, uma mulher é morta no Brasil. Na maioria dos casos, o assassino é o namorado, marido ou ex-companheiro, que mata dentro de casa, após já ter cometido pelo menos um ato de agressão. Os dados constam do Mapa da Violência de 2012 - Homicídio de Mulheres e mostram que, em uma lista de 87 países, o Brasil é o sétimo que mais mata. Em 2010, foram 4.297 casos ou 4,4 assassinatos por 100 mil habitantes.

Na comparação por faixa populacional, o Espírito Santo é o primeiro do ranking. Com taxa de 9,4 mortes, representa o dobro da média brasileira e o triplo do índice de São Paulo, o penúltimo da lista. O Estado do Piauí é o menos violento, de acordo com o estudo elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo, com base nos dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

No mapa das capitais, as Regiões Norte e Nordeste são as mais problemáticas. Porto Velho, Rio Branco, Manaus e Boa Vista, por exemplo, têm mais de dez mortes por grupo de 100 mil habitantes. Na contramão, Brasília registra 1,7. Mas, seja qual for a região, as principais vítimas são, normalmente, mulheres de 20 a 29 anos.

A pesquisa é a primeira a registrar estatísticas regionais e, por isso, pode representar um marco na definição de políticas públicas. "Quando o assunto é violência contra a mulher, não existe uma fórmula pronta. Por isso, é importante conhecer as realidades locais, para trabalhar cada particularidade, especialmente as culturais. Muitas toleram uma agressão em 'nome da honra', por exemplo. De toda forma, qualquer que seja o trabalho, ele deve contar com a força policial. Foi assim que o Piauí se destacou", diz Jacobo.

Diferentemente do cenário de violência masculina, a agressão contra a mulher dificilmente acontece no bar ou no local de trabalho, mas na residência, nas ruas ou mesmo na escola. Ainda segundo o estudo, o agressor usa, em 53,9% dos casos, armas de fogo.

Maria da Penha. Nos últimos 14 anos, o índice nacional de homicídios de mulheres se manteve estável. A menor taxa registrada no período é de 2007, ano em que entrou em vigor a Lei Maria da Penha, que pune o agressor com mais rigor e assegura à mulher proteção policial e da Justiça em caso de denúncia. Foram 3.772 casos - taxa de 3,9. No ano seguinte, porém, a curva voltou a crescer, atingindo 4,2.

Nas últimas três décadas, de acordo com o histórico do mapa, 91.932 mulheres foram mortas no Brasil. Com dados de 1980 para cá, a pesquisa mostra que o crescimento efetivo ocorreu até 1996, quando a taxa nacional atingiu o pico de 4,6. "Depois disso, temos redução dos índices, mas eles ainda estão longe do ideal. No ranking internacional, o Brasil só fica atrás de El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize." Na lista, 44 países têm taxas iguais ou inferiores a 1.

A redução dos conflitos domésticos está, segundo o Instituto Patrícia Galvão - especializado em violência contra a mulher -, na construção de uma rede protetora que dê suporte psicológico à vítima.

"Não basta abrir mais delegacias especializadas pelo País. A mulher dificilmente faz a denúncia imediatamente. Muitas vezes, ela até se sente culpada ou na obrigação de salvar o casamento. É nessa hora que precisa encontrar uma rede de acolhida para desabafar e receber orientação, antes de procurar a polícia", diz Jacira Melo, diretora executiva da entidade.

Três fases. Entre os fatores que dificultam o relato está a proximidade com o agressor. As estatísticas mostram que, seja qual for a idade da mulher, quem a agride mora em sua casa ou faz parte de sua família. "Até os 9 anos, ela é vítima dos pais de sangue ou criação. Quando se torna adulta, corre o risco de ser espancada pelo marido ou ex. E, já idosa, acaba maltratada pelos próprios filhos", relata Jacobo.

                           INTERDISCURSIVIDADE: O DISCURSO HISTÓRICO DE POSSE E O CONTEXTO SOCIAL ATUAL

                        Setenta e dois anos se passaram do assassinato da cabocla “Tereza” e segundo matéria jornalística reportada no Jornal O Estado de São Paulo do dia 8 de Maio de 2012, a cada duas horas, uma mulher é assassinada no Brasil, o assassino é o namorado, marido ou ex-companheiro, em 53,9% o agressor usa arma de fogo e a agressão acontece em sua maioria na casa da vítima.

Cabocla Tereza também foi assassinada pelo ex-companheiro, em sua casa e por uma arma de fogo. Os dois discursos, tanto o poético caipira de 1940, quanto o jornalístico atual, apesar do tempo histórico/cronológico que os separam, tratam do mesmo tema ”a violência contra a mulher”. A forma de agir do agressor de 1940 e do agressor em 2012, são semelhantes, e as relações de poder são as mesmas, a mulher (o sexo frágil) sendo agredida pelo homem (sexo forte), deixando evidenciar um sentimento de posse do homem sobre a mulher.

Quando tomamos como base os dois textos, e os analisamos de uma forma crítica, com olhar histórico, encontramos uma interdiscursividade de mulheres vítimas com evidências muito próximas.

Quantas Terezas foram mortas até que as mulheres tivessem direito ao voto, da mesma forma que o homem tinha e a ONU declarasse, ”... que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza”.  

 Mesmo com algumas conquistas, as diferenças, discriminações e a violência contra a mulher continuaram, estatísticas vergonhosas colocaram o nosso país entre os que mais agridem e matam suas mulheres, tendo um declínio só no ano em que entra em vigor a Lei Maria da Penha, que leva esse nome em homenagem a uma mulher que era constantemente torturada em casa por seu marido, até parar em uma cadeira de rodas com uma lesão na coluna vertebral.

CONCLUSÃO

A música “Cabocla Tereza” emocionou várias gerações com seu enredo, e de indigna,

                         Cinquenta e dois anos após chegar ao mercado a primeira pílula anticoncepcional na Alemanha. A máquina de lavar roupas, que auxiliaria nas tarefas domésticas da mulher, que foi produzida em grande escala nos Estados Unidos em 1906. No século XX, uma infinidade de inovações tecnológicas invadiu os lares e as empresas. O trabalho que antes era delegado à mulher e que executava de maneira rudimentar, passou a ser executado com auxílio de motores elétricos e outros artefatos. Mais adiante, o cinema colocaria a mulher num lugar de destaque na sociedade, como símbolo da beleza, da sedução e presença indispensável em todas as tramas das mais belas histórias de amor e de lutas sociais. O mercado televisivo, que do cinema passou para a televisão e posteriormente para a internet, confiou na mulher tarefas nada convencionais: emprestar sua beleza física, sua competência intelectual consagrada a centenas de ocupações. A figura feminina alavancaria vendas de produtos em todo o mundo, dos mais simples aos mais sofisticados como motos importadas, carros, aviões, navios e produtos de beleza. A presença da mulher notabilizaria e abrilhantaria personalidades como Condes, Reis, Duques, Artistas e Bilionários de todos os seguimentos.

                        O papel da mãe, da esposa, da dona de casa e outros papéis que a mulher desempenhava no passado, foram desbotando nessa nova ordem social. Nas democracias também a mulher foi sendo inserida pelas mais diversas razões e circunstâncias. De chefes de Estado, a secretárias dos governos mais influentes no mundo. Nos esportes, a mulher do último século, está presente em quase todas as modalidades e com desempenho nada modesto. No dia em que escrevo este artigo, a primeira mulher chinesa, está no espaço a bordo de uma estação.

                        Todas essas conquistas da mulher sabidas em todos os lugares do mundo,  parece não afastar dela a imagem fantasmagórica de “propriedade” de alguém ou mesmo de inferioridade. Seria então alguma coisa que falta para a mulher falar através de suas conquistas, ou falta à sociedade masculina fazer uma leitura reflexiva dessa nova ordem social? Entendemos que o discurso é o instrumento condutor das mudanças sócias produzidas ao longo da história pelos indivíduos e só por ele se estabelecerá novas ideologias, novas culturas, para que ocorram mudanças significativas desse contexto social que hora presenciamos, ainda de posse e inferiorização da mulher desde a cabocla Tereza a Maria da Penha.

REFERÊNCIAS:

Resende, Viviane de melo, análise do discurso crítica - São Paulo: contexto. 2006

www.oestadodesaopaulo.com.br

Revista “Histórica” on-line do Estado de São Paulo – Tânia Pinaf. 2007

www.cifras.com.br