Da Administração Dos Sentidos
Publicado em 27 de junho de 2008 por Ary Carlos Moura Cardoso
DA ADMINISTRAÇÃO DOS SENTIDOS.
Não há neutralidade nem mesmo no uso mais
aparentemente cotidiano dos signos.
Eni P. Orlandi
Ignorar que os sentidos são construções histórico-sociais é nocivo à consciência. O pior deles? Aquele "fabricado" em nome de consensos. Tal tipo (consenso) não passa de manipulação encapotada, na qual se restringe a liberdade crítica de alguns, a fim, óbvio, de que certos sentidos predominem como "verdadeiros".
Qualquer sentido se movimenta e se estrutura na provisoriedade. Silenciando, melhor, não-dizendo, ele procura nos enredar, impõe-se como História, estabelecendo e cristalizando leituras, formas de se ver os fenômenos, as coisas, o mundo. Em síntese, do relativo nasce o absoluto.
Se os sentidos estão sempre "lá", não é qualquer um que poderá alcançá-los; é preciso invocar os "iluminados", os "sacerdotes", os "profetas" para tamanha empreitada. Afinal, amigo, existem modos, fórmulas e metodologias sacrossantos na arte de interpretar. Falando sério: os sentidos são administrados, são vigiados.
Na busca intransferível de sentidos (não posso delegar a ninguém esta tarefa), precisamos, na lição sábia de Eni P. Orlandi, saber como os discursos funcionam e nos colocarmos na encruzilhada de um duplo jogo de memória: a memória institucional que estabiliza, cristaliza, e, ao mesmo tempo, o da memória construída pelo esquecimento que é o que torna possível o diferente, a ruptura, o outro. Neste caso, não hesito em dizer: a memória da trapaça salutar, alicerçada, sem dúvida, num raciocínio radical, rigoroso e de contexto.
Ary Carlos Moura Cardoso
Mestre em Literatura pela UnB
Professor da UFT