O legislador, através da norma insculpida no artigo 475-J, instituiu multa legal para obrigar o devedor ao cumprimento voluntário da obrigação, constituindo-se verdadeira medida de coerção indireta.

Esse é o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário. A medida, como forma de implementar o pagamento espontâneo da prestação e dar efetividade ao cumprimento das sentenças, veio em bom tempo.

Em que pese, porém, a potencial efetividade da regra, muito se discutiu nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial acerca do termo inicial para a contagem do prazo de 15 dias para pagamento da dívida sem a imposição da multa de 10%, isso porque a Lei nada disse expressamente a respeito.

As posições que se têm sobre o tema são as mais diversas possíveis, valendo revelar, por importantes, as fixadas nos últimos anos pelo Superior Tribunal de Justiça. A primeira considerava o termo inicial o trânsito em julgado da sentença, independentemente da intimação da parte ou de seu advogado, devendo o executado cumprir a obrigação voluntariamente a partir da data do trânsito. A crítica a essa posição, corrigida mais tarde pelo próprio STJ, recaiu na inobservância ao disposto nos artigos 475-B e 614, II, ambos do CPC. Ou seja, a fase de cumprimento de sentença não se inicia de forma automática, devendo o exequente formular pedido específico acompanhado de memória de cálculo, dando-se ciência ao devedor do montante apurado .

Com esse posicionamento, o STJ procurou garantir ao executado seu direito à ampla ciência dos atos e medidas executivas, permitindo-lhe promover o pagamento de valor líquido e certo, cuja ciência obteve através da intimação de seu advogado. Aliás, essa, outra das discussões a respeito do tema.

Pacificou-se o entendimento de que a intimação para o pagamento do valor devido sob pena da imposição da multa legal não precisaria ser realizado pessoalmente ao executado. Bastaria a intimação do advogado por diário eletrônico, em razão do princípio do contato permanente que deve nortear as relações entre cliente-advogado. De acordo com esse entendimento, portanto, o termo inicial decorreria não apenas do trânsito em julgado, mas seria indispensável, também, a iniciativa do credor, havendo a necessidade prévia de apresentação da memória de cálculo e requerimento de intimação do devedor na pessoa de seu advogado.

A Corte Especial do STJ, contudo, dirimiu a controvérsia e, exercendo sua função constitucional, firmou o entendimento de que o juízo competente para o cumprimento da sentença é o Juízo que processou a causa em primeiro grau de jurisdição, nos moldes do artigo 475-P, II, do CPC . Assim, o termo inicial do prazo previsto no artigo 475-J passou a ser a intimação do executado na pessoa de seu advogado, dando-lhe ciência do valor devido, após o cumpra-se o venerando acórdão dado pelo Juiz de Primeiro Grau. Isso significa que não se poderá proceder às atividades indicadas nos artigos 475-B e 614, II em segunda instância, ou seja, logo após o trânsito em julgado, posicionamento que se encontra em consonância com o princípio da legalidade (475-P, II, do CPC).

A uniformização da jurisprudência promovida pelo STJ pôs fim, ao menos até a promulgação do novo Código de Processo Civil, ao debate acerca do tema. Não se deve desconsiderar, porém, algumas posições importantes sobre o assunto, cujo debate, ao menos na seara doutrinária, persiste.
Nesse sentido, vale informar o pensamento do Mestre Cassio Scarpinella Bueno a respeito da questão, para quem a multa prevista no artigo 475-J pode incidir independentemente da elaboração dos cálculos pelo credor.

Tal entendimento não parece adequado aos princípios da cooperação processual, da isonomia e do contraditório. Não há prejuízo ao exeqüente e, coaduna-se com os princípios referidos, apresentar a memória de cálculo discriminada, inclusive com o valor da multa de 10%, em caso de inadimplemento. A intimação do devedor desse montante, longe de se tratar de medida inócua, revela a possibilidade de evitar questionamentos desnecessários acerca do quantum debeatur e a efetivação do cumprimento da sentença em prazo adequado.

O Anteprojeto do novo Código Civil adotou expressamente esse entendimento no seu artigo 495:

Art. 495. Na ação de cumprimento de obrigação de pagar quantia, transitada em julgado a sentença ou a decisão que julgar a liquidação, o credor apresentará demonstrativo de cálculo discriminado e atualizado do débito, do qual será intimado o executado para pagamento no prazo de quinze dias, sob pena de multa de dez por cento.

Outra crítica que se faz à matéria vem da lavra do Nobre Professor Fred Didier. Para o renomado Mestre, a intimação do executado não precisa, necessariamente, ser requerida pelo exeqüente, podendo ser determinada ex-officio pelo magistrado competente. Nesse sentido, manifestando-se acerca da possibilidade de o credor não requerer a intimação do devedor para os fins do artigo 475-J, revela que :

Parece, contudo, que, se não o fizer, poderá o magistrado determinar de ofício a intimação para cumprimento espontâneo. Isto porque, em se tratando de ato de procedimento que não tem propriamente caráter executivo, mas de mera provocação para cumprimento espontâneo, é possível havê-lo como subsumido à regra do impulso oficial prevista no artigo 262 do CPC. Ademais, quando o legislador quis que o curso do procedimento dependesse de ato a ser praticado pela parte, ele disse isso expressamente: é o que se dá em relação à expedição do mandado de avaliação e penhora, para o que se exige o requerimento do credor (art. 475-J, in fine, CPC).

O entendimento do Ilustre Professor parece correto. Insta frisar, na linha desse pensamento, que no próprio artigo, em sua parte final, o legislador faz previsão expressa de requerimento do credor para os atos de avaliação e penhora. Assim, se fosse o intuito do legislador exigir a necessidade de requerimento pelo credor, tal medida estaria expressamente determinada no dispositivo legal. Nessa toada, não se vê óbice à possibilidade de o Juiz, não agindo o credor, determinar a intimação do devedor de ofício, até para se evitar o arquivamento dos autos nos moldes do parágrafo 5º. do artigo 475-J, do CPC.

Vale dizer ainda, em relação ao exeqüente, que se não propuser a intimação do devedor, será provável que dele, também, não se espere que apresente a planilha de débito atualizada. Assim, seguindo a orientação acima esposada, deve-se entender pela possibilidade, em nome do princípio da cooperação processual e do impulso oficial (Art. 262 do CPC ? valendo revelar que não se está diante de uma nova ação, mas de uma fase de cumprimento de sentença) de o magistrado instar o credor a apresentar a memória da dívida, sob pena, aí sim, de não cumprida a determinação dentro do prazo previsto no parágrafo 5º. do artigo 475-J, determinar o arquivamento dos autos.

A questão está pacificada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça por enquanto; pelo menos até o advento do novo Código de Processo Civil. Em seu anteprojeto, a matéria referente à possibilidade de intimação da execução na pessoa do advogado, já amplamente debatida e, ao que tudo indica, sedimentada, promete provocar novas discussões. Isso porque o artigo 490, parágrafo primeiro, do referido anteprojeto, que trata da matéria, exige a intimação pessoal do devedor para o cumprimento da sentença. Nesse sentido:

Art. 490. A execução da sentença proferida em ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação independe de nova citação e será feita segundo as regras deste Capítulo, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro III deste Código.

§ 1º A parte será pessoalmente intimada por carta para o cumprimento da sentença ou da decisão que reconhecer a existência de obrigação.
(...)

Tal medida, salvo melhor juízo, parece um retrocesso. Permanecendo da forma prevista, mais prudente e consoante o escopo do Direito Processual Civil, seria alargar o entendimento do citado dispositivo, de lege ferenda, para que seja suficiente a intimação do advogado da parte, na forma do que hoje já se vêm posicionando os Tribunais Superiores.

Por fim, o Superior Tribunal de Justiça, após anos de conflitos, inclusive, entre suas próprias Turmas, pacificou a questão uniformizando sua jurisprudência. Algumas medidas, como a proposta pelo Mestre Didier e outros doutrinadores, poderiam ser implementadas visando à célere efetivação do cumprimento de sentença, mas não se pode olvidar que a interpretação hodierna apresenta grandes avanços em relação às anteriores - e, por isso, dela compartilho -, contribuindo, assim, para a consecução dos fins pretendidos pelo Direito em consonância com os princípios e garantias constitucionais e processuais que devem nortear as relações entre as partes e, as destas, com o Estado.

Bibliografia:

(1) Didier, Fred, Curso de Direito Processual Civil, volume 2, Ed. JusPodivm, Salvador, Bahia; p. 450;

(2) Lucon, Paulo Henrique dos Santos. Títulos Executivos e Multa de 10%. In: Execução civil ? Estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Junior. Coordenação: Ernane Fidélis dos Santos...São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007...Material da 3ª. aula da disciplina Cumprimento das Decisões e Processo de Execução, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Processual Civil ? UNIDERP/IBDP/REDE LFG;

(3) Bueno, Cassio Scarpinella. A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil, v. I, cit, p.80;