CULTURA 

Luiz Carlos Ferreira Braga Junior 

Introdução

O presente trabalho propõe-se a discorrer sobre um tema altamente importante para todos os estudiosos das diversas áreas do conhecimento, pois, trata-se de um assunto que faz parte da essência humana.  Sendo assim, para, em especial, os que trabalham com pessoas, como é o caso dos gestores de Recursos Humanos, tal importância não poderia ser diferente.

Tratar-se-á, pois, dos antecedentes históricos do conceito de cultura, isto é, dos seus teóricos que fizeram o preâmbulo do termo ora em estudo, até chegar num consenso do que seria cultura, apesar dela já existir desde a origem do homem. Por fim, será salientado sobre o desenvolvimento do termo. E para isso, usufruir-se-á de alguns exemplos da história de alguns intelectuais. 

Os antecedentes históricos do conceito de cultura

Segundo Roque de Barros Laraia, autor base deste trabalho intelectual, utilizava-se do termo germânico Kultur no final do século XVIII, para designar, simbolizar todas as atividades espirituais daquele povo. O termo francês civilization, tratava-se das atividades materiais daquele povo. Um intelectual do século XIX, Edward Tylor, sintetizou que cultura “é todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (TYLOR apud LARAIA, 2006, p. 25). Desta feita, pode-se concluir que, cultura é tudo aquilo que o homem faz, pois todas suas ações estão balizadas nela, isto é, firmam-se na cultura.

A conceituação realizada por Tylor, nada mais é que uma simples formalização de algo existente. Dentro deste tema, faz-se necessário salientar o filósofo inglês, John Locke, em 1690, que redigiu o Ensaio acerca do entendimento humano, com a finalidade de mostrar que, quando o homem nasce, sua mente é igual a tábua rasa, isto é, ao vir ao mundo, sua mente está totalmente vazia, não existe nada dentro dela, a não a infinita capacidade de aprender, de obter conhecimento. Para Locke, não existia ideias inatas, ou seja, nada era passado pela forma da hereditariedade, tais como moral e ética.

Tendo passado algum tempo, Jacques Turgot, afirmou que o homem é possuidor de inúmeros signos valiosos, e é capaz de multiplicá-los infinitamente. Sendo assim, ele o transmite aos seus descendentes como uma herança que nunca para de crescer. Este é o ponto fulcral, da cultura: a transmissão de conhecimentos e valores.

Sempre houve divergências entre os teóricos, chegando ao ponto de Geertz, afirmar a necessidade de “diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente” (GEERTZ apud LARAIA, 2006, p. 27). Isto é, deveria existir maior ligação entre as definições.

Tempos depois, Tylor definiu cultura “como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética” (TYLOR apud LARAIA, 2006, p. 28). Sendo assim, a ideia de Locke estava vigorando, ou seja, nada está na mente humana por transmissão genética, não existe hereditariedade cultural, tudo passado é passado culturalmente e não naturalmente. É pela capacidade da linguagem que se desenvolve a cultura. Ainda neste viés, Laraia afirma que, a única diferença entre o homem e o animal é a capacidade de produzir para sobreviver. Isto é, o corpo do animal se adapta ao clima, já o homem cria artefatos para se proteger do clima. O ato de criar é um dos fatores que tornam o homem possuidor de cultura. 

O desenvolvimento do conceito de cultura

Em seu livro Primitive Culture, Edward Tylor, define cultura sobre um ponto de vista antropológico. No mesmo livro, o autor afirma que cultura pode ser estudada sistematicamente, porque está se tratando de um fenômeno natural, possuidora de causas e regularidades. E isto permite a elaboração de leis do processo de evolução e, sobretudo, cultural.  Tylor afirma: “Nossos investigadores modernos nas ciências de natureza inorgânica tendem a reconhecer, dentro e fora de seu campo especial de trabalho, a unidade da natureza a permanência de suas leis, a definida sequência de causa e efeito” (TYLOR apud LARAIA, 2006, p. 30). Tylor quer afirmar como o grande Aristóteles disse que, o mundo está sobre a regência do primeiro motor, o qual ordena tudo, mas nada o ordena. Ou seja, a natureza não está constituída de episódios incoerentes e sim de leis perfeitamente formuladas naturalmente. Segundo ele, as funções orgânicas podem ser perfeitamente estudas como se fosse uma planta, mas no que tange a conhecimento, sentimento, arte, religião, pensamento e linguagem, tudo se torna obscuro.

Uma grande dificuldade encontrada por Tylor, ao estudar a cultura, é a noção de natureza sagrada, leis metafísicas e teológicas. Desta feita, o autor afirma que o vulgo não assume a sua liberdade de ação, atribuindo sempre, a um outro ser, capaz de regulá-las, isto é, o homem, segundo esta mentalidade, não age por sua vontade. Entretanto, não se é mais necessário, conforme Tylor, preocupar-se muito com tais mentalidades, pois “ninguém negará que, como cada homem conhece pelas evidências de sua própria consciência, causas naturais e definidas determinam as ações humanas” (Ibide, p. 32). Por isso, Tuylor afirma que a cultura pode ser estudada com maior precisão.

O autor inglês salienta que existe uma diversidade na uniformidade cultural. Para explicar isso, ele diz que as diferenças existentes, são os graus no processo de evolução. Sendo assim, uma ideia permeia toda humanidade, sendo que, alguns povos a desenvolvem com maior velocidade por causa das condições que eles estão embrenhados, dependendo, dessa forma, do contexto. Como Adolf Bastian, “Tylor acreditava na ‘unidade psíquica da humanidade’” (BASTIAN apud LARAIA, 2006, p. 34). O pensamento tyloriano foi brilhante, mas, segundo Laraia, constituiu uma falha em não reconhecer as várias vias da cultura.  Sua principal contribuição foi a de sair do pensamento mitológico que envolvia os viajantes e cronistas coloniais de sua época.

Franz Boas, um outro pesquisador de grande relevância, defende que as investigações históricas que são importantes para o estudo da cultura, pois é com este tipo de investigação, que se pode descobrir a origem deste ou daquele traço cultural, ou seja, haverá maior precisão na interpretação dos mesmos. Segundo Boas, cada cultura segue seus próprios caminhos, por causa dos diferentes acontecimentos históricos que passou.

O antropólogo americano, Alfred Kroeber, afirma que a cultura age sobre o homem e que, graças a ela, o homem afastou-se do mundo animal. Além disso, o homem é considerado, graças a esse fato, um ser que está acima de suas limitações orgânicas. Desta feita, a grande preocupação de Kroeber é fazer a distinção entre o orgânico e o cultural. Isto é, para sua sobrevivência, o homem deve satisfazer suas inúmeras necessidades, como todos os outros animais, tais como, alimentação, saúde, o sono, a respiração e, também, a atividade sexual. A grande diferença entre o homem e o animal é a forma que eles se satisfazem. Os animais mudam, por exemplo, o corpo, para resistir o frio, já o homem modifica a natureza para a mesma finalidade. Existem, da mesma forma, a diferença entre os homens. Alguns constroem casas, outros tomam peles de animais e outros fazem os dois. Tudo depende da cultura que o homem está inserido. E isso torna o homem um ser cultural.

É de suma importância notar que os comportamentos humanos não são biologicamente determinados. Seus pensamentos e ações se concatenam com o aprendizado. Ratificando o dito, Kroeber diz: “Todos sabem que nascemos com certos poderes e adquirimos outros. Não é preciso argumentar para provar que algumas coisas de nossas vidas e constituição provêm da natureza pela hereditariedade, e que outras coisas nos chegam através de outros agentes” (KROEBER apud LARAIA, 2006 p. 38). Desta elaborada, pode-se dizer que o homem recebe a capacidade de criar e, a partir daí ele cria.

O homem é parte integrante do reino animal, por isso, também passa pelo processo evolutivo, onde muitas espécies não sobreviveram e outras resistiram, por terem se modificado, tornado seu corpo mais resistente às condições climáticas. O homem sobreviveu, no entanto, com um corpo pobre de proteções naturais, no entanto, rico de condições para criar modos de sobrevivência. Por exemplo: no pólo sul do planeta Terra, os ursos desenvolveram uma camada de gordura, que os tornam resistentes ao frio. O homem se quiser morar neste lugar, tem que construir casas e conseguir agasalhos. O ser humano conquistou várias partes do mundo por causa de seu poder de criar maneiras de sobrevivência. Dessa forma, pode-se dizer que o homem criou o seu próprio processo evolutivo.

Outro exemplo citado por Kroeber é de um cachorrinho recém-nascido criado numa ninhada de gatos. Certamente, mesmo vendo seus irmãos adotivos miarem, ele não irá repetir a ação. Pelo contrário, naturalmente latirá, pois todo e qualquer cão late. Já um bebê japonês criado com italianos, não falará japonês, pois ele aprenderá o italiano. Portanto, é importante notar, que o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Com isso, pode-se notar a diferença entre as duas espécies citadas, uma não dotada de cultura e outra naturalmente cultural.

Krober afirmou que “segundo um dito que é quase proverbial, e verdadeiro na medida em que podem ser verdadeiros tais lugares comuns, o escolar moderno sabe mais que Aristóteles; mas esse fato, soubesse o escolar mil vezes mais que Aristóteles, nem por isso o dota de uma fração do intelecto do grande grego” (Ibide, p. 45). O interessante dessa citação é que, mesmo o escolar sabendo mais, não o deixa mais inteligente o filósofo grego. Deve-se isso, ao fato de o primeiro nasceu muitos mil anos depois de Aristóteles, onde a ciência já está desenvolvida e continua no processo de evolução. No tempo de Aristóteles não existia a ciência moderna, pois naquela época não havia condições de realizar testes altamente rigorosos, como pede a ciência hodierna. Outro exemplo importante é o de Santos Dumont, pai da aviação. Se ele não tivesse saído de sua cidade natal e não ter se mudado para Paris, provavelmente não teria sido o inventor do avião, pois a condições culturais daquele lugar, não eram favoráveis para tal invenção. Da mesma forma, aconteceu com outros grandes inventores, como por exemplo, Albert Einstein. Se tivesse sido morto nas guerras européias, talvez a humanidade teria que esperar um pouco mais, para usufruir da teoria da relatividade. Neste viés, Kroeber cita o exemplo de dois matemáticos de lugares totalmente distintos, e que chegaram a uma tese muito semelhante. Depois de ter analisado o ocorrido, percebeu-se que ambos usaram de bibliografias iguais.

Laraia ainda explana sobre instintos, pois nas mentes populares, acredita-se muito que eles existem. Aliás, os únicos que existem é o da criança que, ao nascer busca o seio materno, usará os seus membros para tentar emitir sons, apesar de imitar os dos adultos. Crê-se que são os únicos. Muito se fala do instinto materno, todavia, como falar neste, se existe o infanticídio, das mulheres Tapirapé, que por não conhecerem métodos preventivos, matam todos os filhos após o terceiro, não sentindo nenhum sentimento de culpa. Outro seria o sexual. Existem muitos casos de jovens puritanos[1] que não sabem como agir com relação aos membros do sexo, simplesmente pelo fato de ninguém os terem ensinado.  Disso tudo, conclui-se que o homem faz o que aprendeu. Para finalizar é de suma importância dizer que, “a comunicação é um processo cultural. Mais explicitamente, a linguagem humana é um produto da cultura” (LARAIA, 2006, p 52). Melhor dizendo, não existiria cultura se o homem não tivesse desenvolvido a arte de falar.

Bibliografia

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico/ Roque de Barros Laraia. 19 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.



[1] Que é ou se diz muito rigoroso na aplicação de princípios morais.