Dois conceitos considerados basilares e fundamentais para a primeira etapa da Educação Básica – Educação Infantil são o Cuidar/Educar. A partir da Constituição de 1988, esse direito é legalmente legitimado. A Constituição Federal demarca o direito educacional, assim como, a importância social e política da Educação Infantil. A LDBEN/1996 teve de pensar o caráter educativo dessa etapa da Educação Básica e uma das especificidades foi integrar as ações do binômio: cuidar/educar como indissociáveis.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs) também trazem, no texto do Artigo V, o propósito de que a Educação Infantil seja oferecida a crianças de 0 a 5 anos em creches e pré-escolas, ou seja, em espaços educacionais (BRASIL, 2009).

É clara a redação, ao tratar dos aspectos do cuidar/educar como ações complementares nas instituições de Educação Infantil; assim como, claro é o texto no que se refere a esse direito constituído à educação, a Educação Infantil é um direito da criança, ela é um sujeito de direitos, de cidadania e a creche e a pré-escola passam a ser esses ambientes coletivos, públicos, onde o direito à educação se efetiva.

Quando se trata de atender a criança pequena, o sentido assumido pelo cuidar/educar não se resume no fato de o primeiro estar ligado ao físico e, o segundo, ao intelectual; mas são ações que se integram com o intento de atendê-la de modo completo.

Boff (1999) e Heidegger (2000) apontam para o sentido ontológico do cuidar, que é um conceito, segundo os autores, muito mais do que uma dimensão “terrena”, biológica, mas busca refletir o sentido do ser, um sentido que buscamos e que não é encontrado por meio do imediatismo, da busca desenfreada do mundo contemporâneo, que não nos permite avaliar, refletir e buscar o nosso ser, o sentido das relações humanas, do cuidado como cura. Pensar em atender à criança pequena sem esse entendimento, creio significar atendê-la sem que seja de forma plena. E, conforme argumenta Boff:

O cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele; disponho-me a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, de sua vida. Cuidado significa então desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato (BOFF, 1999, p.91) (grifo meu).

E como lidar com a criança sem essas premissas? Sem envolvimento, afeto, cuidado, atenção, enfim, como educá-la sem envolver-se em sua existência? O autor nos remete a essa reflexão, de que não se cuida, assim como, não se educa quem não tem importância. Recorro ao filósofo Heidegger, que argumenta:

O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais do que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro (HEIDEGGER, 2000, p. 33) (grifo meu).

Ao trabalhar com crianças pequenas, é imprescindível ao professor esse cuidado, atenção, envolvimento, comprometimento com quem depende de quem a atende para suas ações fisiológicas, sociais, intelectuais, culturais.

Para Barbosa (2009),

[...] o ato de cuidar ultrapassa processos ligados à proteção e ao atendimento das necessidades físicas de alimentação, repouso, higiene, conforto e prevenção da dor. Cuidar exige colocar-se em escuta às necessidades, aos desejos e inquietações, supõe encorajar e conter ações no coletivo solicita apoiar a criança em seus devaneios e desafios, requer interpretação do sentido singular de suas conquistas no grupo, implica também aceitar a lógica das crianças em suas opções e tentativas de explorar movimentos no mundo (BARBOSA, 2009, p.68-69).

Fica claro o sentido do cuidar, que não é apenas uma dimensão física, biológica; mas ultrapassa tal dimensão, para envolver-se, comprometer-se, importar-se, estar em escuta atenta, encorajar.

Heidegger também é considerado o “Filósofo do Cuidado”, a perspectiva em que discute a ação do homem em relação à sua espécie; acredito que esteja em consonância com a ação desenvolvida pela educadora da Educação Infantil, pois ela também tem sua contribuição de cuidar das crianças que estão sob sua responsabilidade:

Sem cuidado, ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado, desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. [...] O cuidado significa um fenômeno ontológico. [...] Um fenômeno que é a base possibilitadora da existência humana enquanto humana. [...] O ser humano é um ser de cuidado, mais ainda, sua essência se encontra no cuidado. Colocar cuidado em tudo o que faz, eis a característica singular do ser humano (HEIDEGGER, 2000, pgs.34 -35).

 Cuidar é essencial, é vital, é ato humano indispensável; à professora de crianças pequenas, essa é uma ação inerente à sua função, é ação pedagógica, é ato intencional, educativo.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (2009), as instituições de Educação Infantil devem cumprir com as funções: Social, Política e Pedagógica com a finalidade de atestar o bem-estar, tanto das crianças, como das famílias e das profissionais.

Convém pontuar que se intensificaram, nos últimos anos, os estudos para que uma ação pedagógica específica com a criança pequena seja definida e que se efetive uma prática que inclua, de maneira indissociável, o cuidar e educar. Segundo Barbosa (2010), ao se referir às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNEIs, 2009), também reitera que a Educação Infantil se dê em espaços educacionais envolvendo o cuidar/educar e que essa ação seja compartilhada com a família, característica que a diferencia dos atendimentos em outros níveis de ensino.

Cabe às instituições educacionais criar estratégias educativas, por meio de seu Projeto Político Pedagógico, para atender de maneira coletiva, sem esquecer-se das singularidades, as crianças e as famílias que a elas chegam; integrando as ações do cuidar e educar que, claramente, são explicitadas, nos documentos oficiais e pesquisas, como ações indissociáveis, pois um ato que educa, ao mesmo tempo, exprime cuidados, ou um ato de cuidado com a criança pequena significa, também, um ato inerente ao processo educativo.

Destaca-se que essas ações integradas visam à superação da maneira hierarquizada com que foram atendidas as crianças pequenas, em que, de 0 a 03 anos, se davam, prioritariamente, as ações de cuidar e de 04 a 05 anos, as ações do educar.

Silva, Pasuch e Silva (2012) asseguram que tanto as legislações como as pesquisas apontam para a necessidade de que, na Educação Infantil, o trabalho com as crianças se dê de forma diferenciada. Apontam a Metodologia de “Projetos Pedagógicos”, os “Centros de Interesse” e outras perspectivas integradoras que buscam atender à “criança inteira”, como possibilidades de integrar as ações do cuidar/educar na Educação Infantil.

Por fim, Barbosa (2009) comenta que alguns autores sugerem que, na Educação Infantil, se dê uma “educação cuidadosa” ou “cuidados educacionais”; ou seja, que haja ações integradas, não dissociadas, realizadas, por exemplo, nas: “[...] ações como banhar, alimentar, trocar, ler histórias, propor jogos e brincadeiras e projetos temáticos para se conhecer o mundo” (p.70).

A Educação Infantil, sob a marca das dimensões do Cuidar/Educar, passa a ser um espaço que pensa a criança em si, em que se busca deixar a criança viver e ser criança, enquanto ela cria, brinca, joga, come, dorme, lancha, estuda, canta, dança, pinta, desenha, recorta, cola, desenvolve atividades diversas, se expressa, opina, fala, decide, pensa (o que, até pouco tempo, ou ainda hoje, não se comenta sobre o pensamento e sua construção pela criança).

Pensar a prática educativa com crianças pequenas de maneira indissociável é entender que elas apreendem e vivem relações, situações e objetos com todas as dimensões que as constituem, e somos, nós, professoras, que, por questões didáticas, muitas vezes, separamos aspectos ligados a concepções, sentimentos e imagens de crianças, de desenvolvimentos e aprendizagens (SILVA, PASUCH, SILVA, 2012). Ressalta-se, por fim, que as crianças pequenas exigem variadas ênfases nos aspectos do cuidar/educar ao longo de seu tempo, tanto na creche como na pré-escola, é preciso pensar, nas especificidades e singularidades que as constituem em cada tempo.

 Referencias Bibliográficas

BARBOSA, Maria Carmen Silveira. (Consultora). Práticas Cotidianas na Educação Infantil - Bases para a reflexão sobre as Orientações Curriculares. Projeto de Cooperação Técnica MEC e UFRGS para construção de Orientações Curriculares para a Educação Infantil. Brasília, 2009. Ministério da Educação - Secretaria de Educação Básica e Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999. Disponível em: www.netsaber.com.br

BRASIL. MEC/SEF. Referenciais para Formação de Professores. Brasília: Dezembro de 1998.

_____. MEC/SEF. Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: 1998.

_____.MEC. Subsídios para credenciamento e funcionamento de instituições de Educação Infantil. Vol. I e II. Brasília: Maio de 1998.

______. Plano nacional de educação: Lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001.Brasília: DF: MEC, 2001.

______. Parâmetros curriculares nacionais. Apresentação dos temas transversais: ética/ministério da educação. Secretaria da Educação Fundamental. 3 ed. Brasília: 2001.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000. (parteI).

SILVA, A.P.S.da. PASUCH, J. SILVA, J.B.da. Educação Infantil do Campo. 1ª ed. – São Paulo: Cortez, 2012. – (Coleção Docência em formação: Educação infantil / Coordenação Selma Garrido Pimenta).