Eu me conheço! Dizer essa frase é tão absurdo quanto dizer que não preciso do ar para respirar. Como posso dizer que me entendo se a cada vez que olho no espelho vejo uma pessoa diferente? Por exemplo, hoje. Hoje me olhei no espelho e me vi uma mulher cautelosa. Percebi que não é um dia que tomarei decisões precipitadas e que desconfiarei de tudo e de todos. Em dias assim costumo ficar em silencio, o rosto sério e um ar intimidador, posso dizer que nesse dia simpatia não será um dos meus fortes. Penso na vida, no que vivi, no que irei fazer, no que poderia ter feito. Como eu odeio dias assim. Ligou-se no humor, não é?

Aprecio dias como o de ontem. Ontem acordei feroz. Felina. Em dias como o de ontem eu converso com os olhos, eles assumem um castanho claro, provocativo, atraem a presa para depois dar o bote. Quando estou assim costumo falar o que penso sem medo de arrependimentos, pelo menos não nesse dia, o problema vem quando o sol nasce novamente. Mas não quero ser assim sempre. Um dia somente e pronto. Está bom.

Talvez eu goste mesmo de dias como um que vivi semana passada. Nesse dia eu nem precisei olhar no espelho para saber que estava brincalhona. Sentia a criança que tenho dentro de mim uivar descontroladamente. Brinquei de correr, de pular, brinquei de brincar. Esqueci de problemas, de dúvidas de estudar. Gosto de dias assim, mas é em dias especialmente como os de hoje que percebo que não dá para ser sempre dessa maneira.

Na verdade prefiro os dias que não sei exatamente quem sou, os dias em que as circunstancias me moldam. Quando sou volúvel como o clima. Me dou bem nesses dias. Falo o que devo, escuto o que quero e o que não quero, sorrio por mais tempo sem parecer boba demais, tudo na medida certa, ou não. É um típico "só sei que nada sei", agora sonho em ser escritora, mas ontem dormi pensando em ser enfermeira. É interessante ser assim.

Disso tudo só posso dizer que não me conheço como queria, como precisaria, como dependeria. Mas é nesse mistério que tenho vontade de viver, gosto de surpreender, me surpreender, te surpreender. É nesse mistério de não saber quem sou ou o que vou me tornar amanhã que desenvolvi um desejo; de agora em diante vou parar de buscar respostas, vou deixar que a vida traga-as para mim. De um modo ou de outro, querendo ou não, é isso que sempre acontece.