(by lucia czer)

O termo crítico vem do grego Kritikós e do latim criticu que, além de encerrar a idéia de julgamento, diz respeito também à idéia de crise. A palavra crítica, por sua vez, origina-se da palavra grega Krinein que quer dizer quebrar. E é, justamente, essa a operação da crítica: fragmentar e decupar uma obra de arte, reinserindo-a em possíveis contextos artísticos e sociais.

Dado isso, o que vem a ser "crítica literária"? Dizer-se da importância da crítica na literatura seria desnecessário, haja vista a sua existência desde os primórdios da criação literária. Ela tem um papel relevante na dinâmica interna de qualquer cultura nacional, porque é através dela que se estabelece a relação entre as obras e as características literárias de cada cenário cultural dentro de determinado período. É através das críticas que melhor se pode avaliar o conteúdo estético numa determinada situação da história literária. Este aspecto histórico da crítica faz com que se torne um dos instrumentos mais presentes de que se utiliza uma sociedade para entender as questões sociais e políticas, num contexto social e numa tradição cultural.

A ação crítica tem relevo intelectual e significado cultural. Quando se constitui em interpretação de um texto literário, a crítica reconhece a construção e a permanência da literatura como interpretação de estratos do conflito da humanidade nela representado. Ela (a crítica) se alimenta da interpretação da obra num diálogo intelectual dinâmico e ativo, conforme as circunstâncias culturais e históricas o permitem ou exigem. Podendo-se afirmar que é pelo cruzamento da literatura com a crítica, numa representatividade mútua feita de encontros e desencontros com a verdade de cada uma delas, que a significação de uma época se torna mais nítida nos seus contornos culturais. É como se, através dela, se desenhasse o rosto da época social.

A crítica literária é interpretação buscando compreender a obra literária, seus mecanismos e procedimentos para "carregar a linguagem de significado" e conjugar "todos os saberes" em seu universo próprio  e único,   e, como consequência, nunca pode ser neutra nem inocente.Mesmo uma crítica acadêmica, fundada em critérios de cientificidade, articulada por uma linguagem padrão e objetiva, corre o risco de padecer da falta de credibilidade, tanto teórica como prática. Invariavelmente se confunde o que é científico com algo que é meramente tecnológico.

Poderíamos nos ater à historiografia da crítica literária no Brasil, todavia não é esse o nosso objetivo. Objetivamos aqui, através do diálogo com o leitor, reproduzir algumas das preocupações sobre o trabalho da crítica contemporânea, científica ou não, academicista ou espontânea.

Nunca se produziu tanta literatura como nos dias de hoje. Ousaremos dizer que há um maior número de escritores que leitores, haja vista o resultado de alguns meios de pesquisa indireta, como o vestibular, por exemplo, ou visita a alguns sites na internet. E assim como os temos em profusão (os escritores), outro fenômeno: o surgimento dos críticos de plantão.

Alheios aos aspectos científicos e aos manuais da crítica literária, temos vários enfoques e comentários sobre construções literárias. Nada a opor. Bastaria tão somente que esses críticos tivessem certo discernimento quanto a aspectos da obra que são sujeitos à crítica: Uso da língua, a comparação entre autores, a pesquisa das fontes, a análise estilística, a influência das escolas e movimentos literários, a observação da temática empregada.

O crítico literário, seja qual for o plano institucional em que se coloque (acadêmico ou jornalístico) relaciona-se com a literatura, sobretudo com aquela que é sua contemporânea, através de um certo grau de cegueira, ou através de uma espécie de cegueira interessada que leva o crítico a unicamente ver aquilo que quer ou pode ver, porque não é inocente o seu olhar. E nessas circunstâncias, dá-se a crítica parcial, aquela afeita às vaidades, ao estímulo interesseiro, apadrinhamento, ou por outra, aquela em que as dissidências se manifestam, as oposições epistemológicas, sociais, morais, políticas ou filosóficas. Daí, recomendar-se: coerência, coerência e urbanidade: "A crítica útil e verdadeira será aquela que, em vez de modelar as suas sentenças por um interesse, quer seja o interesse do ódio, quer o da adulação ou da simpatia, procura reproduzir unicamente os juízos da sua consciência". (Rabelais)