CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A ESTRUTURAÇÃO DE COMARCAS E VARAS

Fausto Bernardes Morey Filho
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 Publicado em 2008 no caderno "documento Técnico 1 -  FGV - TRT 2ª Região"


O presente texto oferece sugestões de padrões, regras e critérios que poderiam ser adotadas pelo Poder Judiciário estadual quanto à estrutura das unidades judiciárias nas Comarcas, nos Fóruns Distritais e nas Regionais.É evidente que o Poder Judiciário dos Estados sofre demandas políticas por parte de Prefeitos, Deputados e outras autoridades que representam os interesses da população. A resposta a isto se dá, tradicionalmente, por meio da instalação ou especialização de Varas, da elevação de Fóruns Distritais para Comarcas, entre outras. Porém, a utilização de critérios transcende a estruturação de fóruns. A diferença existente na estrutura da Justiça Federal com cinco unidades regionais e da Justiça do Trabalho com 25 unidades pode, possivelmente, ser explicada por um conjunto de critérios objetivos e técnicos.


Muitas vezes quando não estão disponíveis critérios técnicos para tratar estas e outras demandas, os dirigentes acabam adotando soluções que, involuntariamente, contribuem para que o Poder Judiciário perca eficiência[1]. O fato pode ser comprovado pela análise do volume real de recursos financeiros despendidos em relação ao volume de processos solucionados constantes do sistema de estatísticas tratadas pela resolução 15 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.


A ausência de padrões técnicos pode resultar em distorções na distribuição de pessoal pelos Ofícios relativamente ao número de processos distribuídos e em andamento por especialidade em cada unidade. Portanto, vale ressaltar que mudanças na gestão da 1ª Instância fazem-se necessárias, dado que as soluções usuais não conseguem repercutir positivamente na percepção de eficácia do Poder Judiciário. Aspectos do funcionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP serão citados no corpo do texto com o intuito de exemplificar o processo de definição de critérios objetivos desenvolvido pela instituição para a estruturação de suas Comarcas e Varas.

Adoção de critérios objetivos


A extensão territorial e a abrangência das competências jurisdicionais atendidas pela Justiça de São Paulo são sinalizadores de sua complexidade operacional e organizacional.


A instituição deve apoiar-se num rol de padrões operacionais e de critérios de tomada de decisões para regulamentar o funcionamento da 1ª Instância e para melhorar seu desempenho com relação à prestação de serviço jurisdicional. Eles podem ser aplicados antes ou concomitantemente ao processo de reestruturação organizacional.


Com objetivo de balizar as decisões do TJSP nos assuntos referentes ao estabelecimento de estrutura organizacional judiciária e administrativa nas Comarcas, foi desenvolvida uma relação de sugestões de critérios, pela equipe interna do Tribunal com apoio de consultoria da Fundação Getulio Vargas, a serem incorporados. Eles são referentes a:

§Enquadramento da Comarca em uma Entrância[2];

§Definição das estruturas organizacionais das Comarcas[3];

§Instalação e especialização de Varas e Ofícios;

§Instalação de Juizados Especiais;

§Instalação de Serviços Anexos da Fazenda;

§Instalação de Ofícios / Seções de Distribuição;

§Contratação e ou transferência de servidores[4];

§Designação de Juízes Auxiliares;

§Designação de Juízes Substitutos, entre outros.

Outros exemplos de critérios e regras podem ser vistos na Tabela 1.

Questões sobre as Unidades das Comarcas


Analisando estatisticamente os Juizados Especiais[5] do TJSP foi possível constatar que, ao longo dos últimos anos, tem ocorrido um crescimento no tempo médio de pauta destes juizados e uma ampliação acelerada do número de processos em andamento.

Quadro 1 – Mapa de distribuição de processos - TJSP

2004-2006[6]

Vara

Totais da distribuição

(em mil processos)

Evolução

2006

2005

2004

2005 / 2004

2006 / 2005

CÍVEL

2.196

1.966

1.807

8,8%

11,7%

CRIMINAL

859

693

600

15,5%

24,0%

INFÂNCIA

186

180

169

6,2%

3,4%

EXEC. FISCAL

1.888

1.661

1.360

22,2%

13,6%

JECRIM

454

472

387

22,0%

-3,8% *

JECIVEL

645

770

597

29,0%

-16,3% *

TOTAL

6.228

5.742

4.920

16,7%

8,4%


A distribuição de novos processos nos Juizados Criminal e Civil[7] vinha apresentando crescimento a taxas elevadas nos últimos anos. No ano de 2006, houve uma diminuição do número de petições iniciais da ordem de -3,8% e -16,3% respectivamente. Ao mesmo tempo observa-se uma aceleração do crescimento do número de feitos distribuídos nas competências Cível e Criminal.


Neste sentido, vale a pena, por exemplo, desenvolver e aprofundar estudos de impactos decorrentes da eventual designação de um Juiz Auxiliar[8] para todas as Varas de Competência Cumulativa, Varas Cíveis e Varas Criminais em que os respectivos juízes estejam envolvidos também em Juizados Cíveis ou Cíveis e Criminais. Este Juiz Auxiliar seria o responsável pelo JEC e teria como missão desenvolver os esforços de conciliação e manter pautas de audiência com prazos inferiores a 30 dias.


Os Juízes Titulares teriam, então, a responsabilidade de reunirem-se nas Câmaras Recursais[9], ordinariamente, duas vezes por mês ou com a freqüência considerada necessária para que os processos cumprissem tempos de ciclo de execução nos padrões esperados pelo TJSP. Este caso mostra a necessidade de obter dados acurados, transformá-los em informações que propiciem a definição de regras e critérios objetivos.

Sugestões de regras gerais para a reestutruração Organizacional da 1ª Instância


As premissas gerais sugeridas para serem adotadas na reestruturação da 1a Instância são:
§O enquadramento de uma unidade judiciária (Comarca ou Fórum Regional) em uma determinada Entrância não deve gerar modificação na estrutura organizacional das áreas administrativas e judiciárias desta unidade;

§O aporte de recursos humanos para a realização da atividade fim (atividades jurisdicionais) deve ser privilegiado em relação às atividades meio (atividades administrativas), adotando os padrões de distribuição de servidores e de cargos de chefia;

§Reduzir a dimensão horizontal (desdobramento das funções) e dimensão vertical (número de níveis hierárquicos);

§Reduzir a fragmentação das estruturas organizacionais e das atividades;

§Eliminar os cargos de chefia não ocupados ou que se tornem vagos quando os titulares se aposentarem ou saírem do Tribunal visando facilitar a adoção dos percentuais padrões de alocação de chefia ao longo do tempo;

§Utilizar recursos informatizados para a realização de todas as atividades em que isto seja aplicável;

§Valorizar as competências individuais relativas à realização das atividades jurisdicionais;

§Desenvolver e capacitar os servidores para a adoção do conceito "Todos os servidores conhecem tudo e fazem tudo".

Para a Estrutura Organizacional, sugere-se adotar os seguintes critérios para a definição das áreas:

§As atividades devem ser agrupadas conforme sua lógica relativa ao processo de trabalho;

§Cada área deve ter sua existência justificada por um conteúdo mínimo de atividades;

§O volume de trabalho realizado não pode ser a única justificativa para o crescimento vertical da organização;

§Os serviços terceirizados necessitarão ser geridos, acompanhados e controlados por pessoal interno à organização;

§Em caso de realização de atividades de uma unidade em diferentes locais, os servidores deverão ser braços avançados dessa unidade e a ela responder;

§Os cargos de Chefia só se justificam quando existir uma equipe de trabalho a ser coordenada, composta por um número mínimo de servidores;

§Os números mínimos e máximos de unidades organizacionais nos níveis de Serviço e Seção deverão adaptar-se para enquadramento em uma regra racional.

§A criação de unidades não deve ser resultante de desdobramento de estruturas que tenham a mesma finalidade. Exemplificam este desdobramento:

-Período de trabalho;

-Hiper especialização – a realização de um número reduzido e específico de tarefas imprime pouca flexibilidade à organização;

- Acomodação de pessoas em cargos;

-Volume de serviço;

§Justaposição de responsabilidades.

No caso do TJSP os ajustes de estrutura e de funcionamento da 1ª Instância mostram-se substancialmente mais complexos do que aqueles decorrentes da extinção dos Tribunais de Alçada.

Não é possível, por exemplo, adotar o petição de andamento ou vistas aos feitos de forma totalmente eletrônica sem que todos os dados do processo e seus respectivos andamentos estejam cadastrados e o sistema esteja preparado e disponível. Sem o sistema em pleno funcionamento não é possível diminuir a atual pressão pelo uso de recursos humanos.


A produtividade de um Ofício não pode ter melhorias significativas sem que seja proporcionada uma capacitação sobre os novos sistemas e recursos disponíveis aos envolvidos, além de um balanceamento das competências dos servidores que lhes permita atuarem em todas as atividades realizadas no Ofício. Sugere-se um contínuo processo de preparação das condições necessárias e a conseqüente implantação de novas melhorias estruturais.


Finalmente, apesar da consideração que se segue não parecer ter relação com a questão da reestruturação da 1ª Instância, ela merece destaque por representar um elemento fundamental para a reflexão sobre o futuro da Justiça Paulista e de sua inadiável necessidade de adoção de padrões, regras e critérios que estruturem o seu funcionamento.


Além de aspectos hoje visíveis e facilmente identificáveis no funcionamento do Tribunal, tais como a distribuição de servidores pelos Ofícios Judiciais, há outros que não são tão aparentes, porém inerentes à dinâmica. Pode-se citar, por exemplo, a composição do atual quadro de aposentados, que totaliza aproximadamente 10.000 juízes e servidores. Projeções estatísticas demonstram que, nos próximos 10 anos, entre 12.000 a 14.000 novos aposentados serão agregados a este contingente.


Mais de 80% desses futuros aposentados estão hoje à disposição da 1ª Instância. A simples reposição do quadro de servidores poderá levar o TJSP a enfrentar crescentes dificuldades orçamentárias, pois mesmo que o impacto das aposentadorias recaia sobre o Fundo Estadual, sabe-se que ele necessitará de aportes adicionais do Tesouro do Estado. Indiretamente, a ampliação dos dispêndios acabará por trazer limitações para todos os entes públicos.

A reestruturação nos moldes aqui preconizados pode constituir-se uma oportunidade para a renovação dos Tribunais e para o atendimento do princípio constitucional da eficiência.

Tabela 1. Exemplos de critérios e regras


Tema relativo a

Regras

Entrância

§Aplicar a resolução aprovada sobre os critérios para alteração na classificação das Comarcas do Estado de São Paulo.

§Estabelecer uma regra específica para as estruturas organizacionais das unidades administrativas que considere as reais necessidades operacionais da unidade, sem adoção de "kits" e que atenda aos padrões de distribuição de pessoal e de cargos de chefia.

Juizados Especiais (JECs)

§Gerenciar a pauta de audiências visando oferecer condições para que o Juizado possa atender suas atribuições legais.

Número de Processos por funcionários

§Adotar padrão de número de processos por funcionário em função das competências específicas do ofício em questão, buscando o ajuste permanente, não só dos padrões, mas também do quadro de pessoal dos ofícios;

§Alocar mais servidores na unidade específica, se constatado que o número de processos em andamento estiver aumentando mesmo com o aumento da produtividade em um determinado ofício;

§Assegurar que os ajustes busquem a redistribuição equilibrada e adequada do quadro de Escreventes Técnico-Judiciários nos ofícios;

§Levar em consideração, nos cálculos, médias e padrões, a existência de colaboradores que não pertencem aos quadros da Justiça Paulista – estagiários, conciliadores e pessoal de prefeituras.

Varas e Ofícios

§Estabelecer, sempre que possível e preferencialmente, ofícios únicos para múltiplas Varas. Na instalação ou especialização de Varas, não criar, a priori, um Ofício correspondente a cada Vara instalada;

§Adotar a concentração das atividades cartorárias em um único Ofício e não fragmentar as atividades dentro dos Ofícios. Assegurar o conhecimento e capacitação nos Ofícios (é fundamental que "todos os servidores conheçam tudo e façam tudo"10);

§A especialização das Varas deve ser baseada na complexidade. Garantir que a especialização de Varas, Ofícios, Serviços Anexos e Juizados Especiais11 não seja primordialmente decorrente do volume de processos distribuídos ou em andamento;

§Revisar e eliminar o fracionamento das unidades em função do volume de trabalho e da especialização visando à racionalização dos trabalhos e à busca da eficiência econômica preconizada no Artigo 37 da Constituição Federal;

§Permitir que a Comarca adote Central de Mandados12 quando for o caso, nos moldes dos levantamentos realizados para o Fórum Hely Lopes Meirelles;

§Unificar, eventualmente, os ofícios e / ou aumentar o número de servidores nas atividades judiciárias ou de juízes visando ao ajuste da capacidade efetiva das unidades;

§Adotar os critérios de razoabilidade e economicidade para o ajuizamento e manutenção das ações nos Serviços e Ofícios de Execução Fiscal; estas regras estão em fase de discussão.



Bibliografia

§MOREY FILHO, F.B. & ROCHA, H., Mapeamento de Estruturas Organizacionais Complexas, in: LIMA GONÇALVES, J.E (org), A construção do novo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – V.II, Editora Plêiade, 2007.


[1] Eficiência econômica.

[2] Resolução apresentada e aprovada pela Assessoria da Presidência do TJSP com o apoio da Assessoria de Planejamento e Gestão.

[3] A regra geral de estruturação organizacional (premissas gerais e regras contidas na Portaria 7249/2005 do TJSP), deverá ser adaptada visando à obtenção de padrões para a organização das áreas administrativas da 1ª Instância, a lotação de pessoal e a estrutura hierárquica correspondente. Grau de terceirização - dependendo das atividades terceirizadas, as unidades poderão ter configurações diferentes e demandar dos servidores com cargos de chefia conhecimentos gerenciais mais atualizados.

[4] Nos Tribunais, quando o recurso humano é liberado pela terceirização, ele deve ser mantido no quadro de pessoal e transferido para outras áreas ou setores. Como a descrição de cargos prevê um escopo estreito de atuação, a transferência poderá gerar eventual reclamação de disfunção.

[5] Dados da Corregedoria Geral da Justiça - TJSP

[6] Dados da Corregedoria Geral da Justiça - TJSP

[7] Mesmo considerando o refluxo no número de ações ligadas à Telefônica.

[8] Independentemente das análises contidas neste relatório, o Presidente do Tribunal já anunciou a intenção em contratar Juízes titulares para os Juizados Especiais.

[9] Independentemente das análises contidas neste relatório, o Tribunal já iniciou estudos para a instalação de Câmaras Recursais concentradas na Capital.

10 Verificar a possibilidade de aumento no número de Juízes Auxiliares e / ou da alteração do escopo de trabalho dos Escreventes tornando-o mais amplo para apoio mais consistente aos Juízes.

11As soluções técnicas mais indicadas para tratar os crescentes volumes de processos são: uso intensivo de tecnologia de informação e aplicação da nova legislação relativa ao processo judicial eletrônico – Lei 11.419; conhecimento e mudanças nos processos de trabalho e nas normas de serviço; em determinados casos, o aumento ou transferência do número de escreventes nas atividades judiciárias dos ofícios existentes; ou a instalação de novas Varas para um mesmo ofício.

12 O TJSP, segundo informações obtidas, já trabalhou com uma central de mandados, entretanto a experiência foi mal sucedida. Recomenda-se levar em consideração os atuais recursos tecnológicos e as peculiaridades de cada tipo de unidade.