A fibrilação atrial é a taquiarritmia supraventricular que vem recebendo a maior atenção nos últimos anos não só devido a sua elevada prevalência na prática clínica, mas, também, por estar associada com risco de complicações potencialmente graves. Sua incidência aumenta com a idade e, por esta razão, com o aumento da sobrevida do homem observado nas últimas décadas, um percentual maior de indivíduos de idade avançada, é encontrada nos ambulatórios médicos acometidos por esta arritmia. Na população geral, na faixa etária de 40 a 60 anos, a incidência varia entre 0,4% e 1,0% enquanto que, na faixa dos 80 anos, a incidência aumenta para 8%.

As complicações relacionadas com a fibrilação atrial são a insuficiência cardíaca, secundária à freqüência cardíaca elevada e à irregularidade dos ciclos cardíacos e, também, a mais devastadora, o tromboembolismo sistêmico que compromete a circulação cerebral na grande maioria dos casos (>70%), sendo responsável pelos casos de invalidez, com prejuízo acentuado da qualidade de vida e, na dependência da gravidade, pela morte de alguns pacientes. Esta complicação pode surgir nos casos de fibrilação atrial crônica ou então, após o restabelecimento do ritmo sinusal por meio da cardioversão química ou elétrica.

As causas diretamente relacionadas com a formação de trombos na fibrilação atrial ainda são desconhecidas mas, seguramente a ausência de contração atrial, anormalidades do endocárdio atrial e a estáse sangüínea intra-atrial são as mais importantes. Além disso, alguns outros fatores podem estar presentes e que podem auxiliar na estratificação de risco (tabela 1). Os resultados de estudos envolvendo grande número de pacientes indicam que a história prévia de acidente vascular cerebral embólico é o fator de risco independente mais importante relacionado à recorrência desta complicação. Além disso, a hipertensão arterial, diabetes mellitus, a disfunção ventricular e a insuficiência cardíaca, além de idade avançada (acima de 75 anos) foram identificados como fatores adicionais. Na dependência da presença ou não de tais fatores de risco cardiovasculares, a incidência de tromboembolismo cerebral varia entre 3 e 8% ao ano, aumentando de 1,5% na sexta década de vida para até 23,5% na nona década. Por esta razão, a identificação precoce dos pacientes com maior probabilidade de serem acometidos é a etapa inicial fundamental para tornar o tratamento preventivo menos empírico reduzindo assim, o risco de complicação tromboembólica nessa população.





Para facilitar a abordagem dos pacientes no que diz respeito ao tratamento preventivo, várias estratégias de avaliação de risco foram combinadas num escore de risco denominado CHADS2 que fornece de maneira simples e confiável, um esquema para se qualificar o paciente ao uso ou não de um anticoagulante. As letras que compõem esta sigla, além da pontuação dada a cada uma delas para a composição do escore, está descrita na tabela 2.





No escore CHADS2, cada um dos fatores de risco recebe 1 ponto, exceto a história prévia de acidente vascular cerebral, que recebe 2 pontos. Baseado neste escore, as recentes diretrizes americanas indicam a utilização de ácido acetil-salicílico ou de anticoagulantes, de acordo com a pontuação obtida num paciente. Quanto maior o número de pontos detectado num determinado paciente, maior a chance de complicação tromboembólica. O valor mínimo encontrado seria o escore 0 ou seja, baixo risco (risco anual de AVC de 0,8 [variando entre 0,4 a 1,7; IC de 95%]) e, portanto não necessidade de medicação preventiva ou então a administração de ácido acetil-salicílico; escore 1-2, ou seja risco moderado (risco anual de AVC de 2,7%, [variando entre 2,2 a 3,4; IC de 95%]) já indicaria a necessidade de uso de anticoagulantes; escore 3 ou maior indicaria alto risco (risco anual de 5,3 [variando entre 3,3 e 8,4 IC de 95]), estando aqui também indicada a anticoagulação.

Outros antitrombóticos indicados são o clopidogrel, a ticlopidina ou o dipiridamol, sendo o ácido acetil-salicílico o mais empregado na prática clínica. O anticoagulante de escolha é a warfarina, um antagonista da vitamina K. O controle da anticoagulação é feito baseado na realização de exames periódicos e o índice internacional normalizado (também conhecido como INR) é o mais utilizado para este fim. São considerados pacientes adequadamente anticoagulados e, portanto, com menor risco de acidente vascular cerebral embólico ou hemorrágico, aqueles nos quais a faixa de anticoagulação encontra-se entre 2 e 3. Abaixo desta faixa há maior risco de fenômenos tromboembólicos (principal complicação em pacientes que fazem uso não controlado de anticoagulantes) enquanto o risco de hemorragia sistêmica se eleva progressivamente quando o INR supera o valor 3 (complicação menos freqüente). Com esta conduta a incidência anual de tromboembolismo periférico se reduz dramaticamente (< 1%), melhorando o prognóstico dos pacientes com fibrilação atrial crônica. Conduta semelhante deve ser tomada quando se pretende restabelecer o ritmo sinusal, por meio da cardioversão química ou elétrica. Nesta condição a anticoagulação deve preceder a reversão, com INR na faixa terapêutica (entre 2 e 3) por no mínimo três semanas, sendo mantida por pelo menos 30 dias após o procedimento. O estudo AFFIRM sugere que a anticoagulação deva ser permanente em pacientes com probabilidade elevada de recorrências de fibrilação atrial e que tenham risco moderado a grave para tromboembolismo.