Resumo

O presente artigo pretende discutir os impactos reflexos e posteriores da crise econômica mundial, deflagrada no ano de 2008 nos Estados Unidos, na economia e na política brasileira oito anos depois. Não se pretende fazer qualquer juízo de valor acerca de medidas políticas ou econômicas adotadas pelos governantes brasileiros nos últimos anos. Far-se-á neste espaço uma análise crítica e isenta de cunho ideológico sobre os impactos de tal evento econômico e como as respostas à crise provocaram, dentre outros diversos fatores, uma ruptura com o modelo econômico e social que se vinha implantando no país. Não se debaterá outras causas que contribuíram para o atual momento brasileiro, tais como a suposta corrupção nas estatais, a Operação Lava-Jato, o acirramento das posições políticas ou a crise de representatividade partidária, estando a discussão adstrita ao campo econômico.

 

Oito anos depois da maior hecatombe financeira do Século XXI, o Brasil encontra-se na pior, mais longa e profunda recessão econômica de sua história republicana, com índices alarmantes de desemprego e inflação, bem como uma crise fiscal de proporções colossais, que fatalmente comprometerá em parte o futuro do país a médio e longo prazo. O presente trabalho, de tal modo, almeja discutir brevemente sobre tais medidas, apontando críticas e quais deverão ser as medidas a serem tomadas pelo governo federal em 2016, empossado após traumático processo de impeachment.

A crise do Subprime em 2008 alterou a realidade de diversas nações - principalmente no Ocidente - ao redor do mundo. O berço da crise foi os Estados Unidos da América, entretanto, seus efeitos podem ser sentidos ainda hoje no Brasil e no mundo. Mas o que gerou esse problema, essa depressão no sistema capitalista? A eclosão da crise foi a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008. Segundo o professor Leonardo Trevisan (2010), o início da crise se deve à “desobediência das principais autoridades financeiras dos Estados Unidos às regras definidas nos Acordos de Basiléia I (1988) e II (2004)”. Os acordos de Basiléia, cidade do interior da Suíça, são uma série de acordos bancários entre bancos centrais de todo mundo a fim de prevenir o chamado risco de crédito, ao criar regras de reserva de capital. O fenômeno da multiplicação da moeda feito pelos bancos cria o chamado dinheiro escritural, aquele que existe apenas virtualmente, sendo valores muito maiores do que existem na reserva bancária. È o que explica Trevisan:

Em termos mais práticos, os bancos de investimento dos países ricos estavam “alavancados”, no jargão do mercado, em até 35 vezes o seu patrimônio líquido, quando o Acordo de Basiléia permitia apenas oito vezes de alavancagem em relação ao patrimônio. Nos EUA, os bancos comerciais, que continuavam obrigados a obedecer Basiléia, foram separados, desde meados dos anos 1990, dos bancos de investimento, e estes foram dispensados dessa obediência. (TREVISAN, 2010, p. 220)  

Após quase nove anos da crise, seus efeitos ainda são sentidos até a presente data - considerada por muitos o evento econômico mais desastroso desde a Grande Depressão - sendo a saída do Reino Unido da União Européia e o apoio maciço à candidatura do republicano Donald Trump, de discurso antiglobalizante, drásticas seqüelas da Grande Recessão da década passada.

Em 2008, porém, o Brasil vivia raro momento de prosperidade e estabilidade política, capitaneada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tido como responsável pelas medidas de cunho socioeconômicas que diminuíram as desigualdades no país, baseadas em extensos programas de transferência de renda, dentre esses, principalmente, o Bolsa – Família. Lula gozava de altas taxas de popularidade, apoiado em uma base política forte e coesa. O Brasil era respeitado e observado com veneração e admiração da comunidade internacional, recebendo diversos aportes de investimento estrangeiro, chegando ao ápice após o reconhecimento como grau de investimento pelas principais agências reguladoras de risco de investimento naquele mesmo 2008. O país fora escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014 e o Rio de Janeiro pleiteava ser sede das Olimpíadas de 2016, o que acabou se confirmando, e o presidente chegou a cogitar a possibilidade de o Brasil ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Não parecia haver limites para o presidente. Todavia, seus opositores políticos afirmavam que Lula havia recebido um país estruturado, moldado às medidas econômicas do governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002), de cunho neoliberal, ancoradas no que os economistas denominaram de tripé macroeconômico, conjunto de políticas econômicas tomadas por FHC logo após a sua reeleição em 1998, na chamada maxidesvalorização do Real. Tal tripé fundamentava-se na responsabilidade fiscal, com o controle de gastos públicos, o Sistema de Metas de inflação, e taxa de câmbio flutuante, determinado pelo mercado. Para os críticos do petista, Lula havia recebido essa estrutura pronta e aproveitando-se do grande afluxo e valorização de commodities pelo mercado externo obtivera grandes índices de popularidade sem maiores méritos. Razão ou não para os oposicionistas, a verdade é que a Crise de 2008 apresentou-se como grande desafio ao presidente. Como manter os programas sociais, a concessão de crédito interno, a valorização do país perante a comunidade internacional e finalmente os altos índices de popularidade, tendo em vista o pleito eletivo de 2010? Como sustentar os grandes eventos esportivos que seriam realizados brevemente no Brasil com o mundo em recessão?

Para essas perguntas o presidente respondeu alterando a estrutura econômica implantada em 1999. Para combater a crise, o governo apostou no mercado interno, com redução de tributos para diversos setores da indústria, principalmente a automotiva, a concessão de crédito para as classes de baixa renda, o incentivo ao consumo interno e expansão da participação e intervenção estatal na economia. As medidas paliativas obtiveram êxito no ano de 2009, eis que o PIB brasileiro teve queda de 0,2% em relação ao ano anterior, queda essa que se mostrou branda perto dos países desenvolvidos do Hemisfério Norte. Mantendo tais políticas e aproveitando-se do baixo impacto da crise financeira na economia da China, principal parceira econômica do Brasil, o PIB teve desempenho espetacular no ano de 2010, crescendo a 7,5% ao final do ano. Lula deixava o governo com recordes de popularidade e sua sucessora Dilma Rousseff era eleita, dando continuidade à política econômica e ao modelo de transferência de renda às classes baixas. No primeiro ano de governo, Dilma Rousseff estabeleceu como base de sua orientação econômica a que sua equipe denominou de Nova Matriz Econômica. Tal orientação ancorava-se em expansão fiscal, crédito abundantemente, taxa de juros baixa, subsídios, controle de preços e controle da taxa de câmbio, notando-se de tal forma forte intervenção estatal nos rumos econômicos. Durante o primeiro mandato da presidente verificou-se um aumento acintoso do gasto público federal, crescimento da inflação pressionada pelo controle de preços e a desvalorização do real em virtude do controle da taxa cambial. O crescimento econômico manteve-se, embora a índices significativamente menores em relação aos mandatos do ex-presidente Lula.

Já no ano de 2014, em que pleiteava a reeleição, Dilma Rousseff se viu diante de graves problemas na Petrobras, principal estatal do país, fora os indícios de um assustador esquema de corrupção na empresa (não totalmente apurados até a presente data) bem como aguda queda no preço do barril de petróleo e os subsídios no preço da gasolina vendida ao consumidor brasileiro. Tal situação repetiu-se na Eletrobrás, principal estatal no ramo de energia elétrica, com entraves em virtude dos subsídios do preço da energia elétrica. O país estagnou naquele ano e a disputa presidencial se mostrou bastante acirrada, com a vitória da petista ao final. Contudo, no início de 2015, Dilma Rousseff descumpriu sua promessa de campanha, aumentando a taxa de juros e os preços da gasolina e da energia elétrica. Como resposta positiva ao mercado a presidente comprometeu-se na elaboração de um ajuste fiscal, como meio de controle dos gastos públicos. Para tanto nomeou como ministro da Fazenda Joaquim Levy, de formação acadêmica sólida e reconhecimento dos principais atores financeiros do país. Todavia, as medidas não vingaram, de modo a minar a estabilidade política da presidente, o que acarretou na perda do respaldo para aprovar o ajuste. O ministro Levy deixou o cargo no mesmo ano e agências reguladoras de risco tiraram o título de grau de investimento do Brasil, comprometendo a segurança e confiabilidade perante a mesma comunidade internacional que antes o venerava. Assim, a presidente voltou com as políticas de seu primeiro mandato, que se mostraram novamente equivocadas, com o Brasil amargando sua pior recessão em 24 anos ao final de 2015. No ano seguinte, com o prestígio político bastante abalado, uma grave situação econômica, acusações de corrupção, dentre outras circunstâncias complicadas, a presidente acabou sofrendo o processo de impeachment, culminando no fim antecipado de seu mandato, a posse de seu vice Michel Temer, e a adoção de uma nova orientação econômica, com o encerramento da Nova Matriz, na qual ainda se espera novas medidas.

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