1. A crise da Justiça

A conscientização social em torno da cidadania e da concepção de seus vínculos com a garantia do efetivo acesso à justiça, que cada vez mais abria suas portas aos titulares de direitos subjetivos ofendidos ou ameaçados, as queixas da coletividade, se voltaram contra a baixa e insatisfatória qualidade prática dos serviços jurisdicionais.

Tornou-se patente a real impotência de tais serviços para proporcionar a resposta cívica e eficaz a que o Estado Democrático de Direito se comprometera. Isto porque a sociedade aprendeu a demandar e passou a fazê-lo num ritmo sempre crescente e muito superior à capacidade de vazão dos organismos jurisdicionais.

CAPPELLETTI, considera três principais obstáculos que tornam a Justiça inacessível para a grande parte da população, que podem ser assim divididos: obstáculos de ordem econômica, de ordem organizacional e de ordem processual.

O primeiro deles , o obstáculo econômico, traduz a pobreza de muitas pessoas que, por motivos econômicos, nenhum ou pouco acesso têm à informação e à representação adequada. E, ainda, a) os elevados custos do processo, aí incluídas as despesas processuais e os honorários advocatícios que, notadamente nas pequenas causas, podem inviabilizar economicamente a causa; b) as possibilidades das partes, assim entendidas não só as disponibilidades financeiras das partes, como também a aptidão para reconhecer um direito e propor uma ação ou sua defesa.

O segundo é o obstáculo organizacional que se exterioriza quando se está diante de interesses difusos. Para CAPPELLETTI, nesta hipótese "ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo que buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação".

O resultado é um processo judicial moroso, caro, inadequado para demandas de alta complexidade, excessivamente burocrático, alheio à realidade econômica e social que o circunda.

O terceiro obstáculo foi chamado por CAPPELLETTI de processual, significando que "em certas áreas, são inadequados os tipos ordinários de procedimento". Há determinados litígios para os quais o processo contencioso não é a melhor solução. Este obstáculo deu origem à denominada "terceira onda do movimento de acesso à Justiça" que, atualmente, especialmente no Brasil, continua em processo de vigoroso crescimento.

Dentre as alternativas propostas por CAPPELLETTI para superação desses entraves está a busca de métodos alternativos de solução de conflitos, que serão tratados nos tópicos seguintes.

2.. Vias Alternativas à Jurisdição para a Solução de Conflitos

CAPPELLETTI, ao comentar o movimento pelo acesso à Justiça em sua "terceira onda", salientou a importância de se substituir a Justiça contenciosa estatal por outra, que denominou de "Justiça co-existencial", mais privatística e baseada em formas conciliatórias.

Para ele, essa tendência visa perseguir duas finalidades: a) em primeiro lugar, a finalidade de maior eficiência do aparelho da Justiça, alcançável mediante a atribuição das causas menores a órgãos de conciliação; b) uma segunda finalidade de 'privatização' dos conflitos, que tende a dar ensejo à atividade mediadora de grupos econômicos e sociais que vêm proliferando nas sociedades de capitalismo avançado.

Ressalta, ainda, a necessidade de se pôr um limite "às intervenções da máquina do Estado, que com freqüência se revelou demasiado lenta, formal, rígida, burocraticamente opressiva".

A partir do reconhecimento dessa situação crítica, várias iniciativas foram adotadas pelo direito brasileiro para tentar contornar algumas das causas supramencionadas, que os autores denominaram de "deformalização das controvérsias". Os maiores progressos foram realizados na esfera processual, com a Reforma do Código de Processo Civil, a criação dos Juizados Especiais Cíveis, o advento da nova lei de arbitragem, do Código de Defesa do Consumidor - que criou o ajustamento de conduta – e, ainda, a reforma do processo trabalhista, dentre outras medidas dinamizadoras do sistema processual brasileiro.

Essas iniciativas se caracterizam pela apresentação de diferentes tipos de alternativas de solução de conflitos, com sistema diferenciado, menos custo e mais rapidez.

Várias têm sido as designações que as doutrinas pátria e estrangeira têm utilizado para se referir aos modos alternativos de solução de conflitos, como por exemplo: justiça amigável, justiça convencional, consensual, concentrada, alternativa e privada.

A Procuradora Regional da República, Geisa de Assis Rodrigues aponta as seguintes características dos modos alternativos de solução de litígio: a) a voluntariedade das partes na eleição dessa forma de composição em detrimento da solução jurisdicional (a imposição da solução extrajudicial compromete o ambiente propício para a conciliação, e, nos sistemas como o brasileiro, viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição): b) participação pessoal dos interessados, ou de quem esteja autorizado para tanto, na formação do acordo.

E ainda: a) em alguns casos pode ocorrer a assistência de um terceiro, independente das partes e do juiz, que exerce uma missão de confiança para motivar o acordo; b) em regra, a negociação é confidencial, o que pode facilitar acordos mais adequados, embora o resultado da negociação possa (e deva, em algumas hipóteses) ser público; c) a ausência de qualquer poder jurisdicional na pessoa do mediador; d) a procura de uma solução equânime: e) celeridade; f) ausência de formalismo; g) economia de debates puramente jurídicos ou processuais.

No entanto, a Procuradora enfatiza que a tendência de favorecer os modos alternativos de solução de conflitos não significa, nem de longe, um movimento de privatização da Justiça. A Justiça estatal continua sendo o foro mais importante para a pacificação social, existindo, inclusive, uma estreita relação entre os dois veículos de pacificação social.

Como bem assevera Fredie Didier Júnior, citado pelo Desembargador Vítor Barboza Lenza, constituem equivalentes jurisdicionais autorizados pelo ordenamento jurídico, onde não há o exercício da jurisdição estatal: a mediação, a conciliação, a autocomposição e a arbitragem.
Tais técnicas de solução de conflitos alternativas compõem a chamada "Justiça Consensual" do Brasil.
Passemos, então, para a análise bem sucinta de tais instrumentos.

2.1. Mediação

Como uma vertente alternativa à jurisdição, na mediação, um terceiro alheio à lide faz o papel de mediador entre as partes, buscando a composição consensual do litígio existente entre elas.

Em relevante estudo sobre o tema, o Desembargador Vítor Barboza Lenza aduz que a mediação se presta tanto às soluções dos conflitos de direito privado quanto às de Direito Público Internacional, cuja solução é proposta e não imposta pelo mediador às partes.

Semelhante à arbitragem, a mediação implica a interferência de um terceiro na condução do conflito de interesses entre as partes opositoras, porém nessa não há decisão de mérito pelo mediador, como ocorre na sentença arbitral proferida pelo terceiro (árbitro). Também possui pontos em comum com a autocomposição, já que em ambas inexiste decisão de mérito , no entanto, na autocomposição não ocorre a interveniência de terceiro, pois como o próprio nome indica, nela as partes resolvem o litígio entre si, sem necessidade de se submeterem a qualquer outra pessoa.

2.2. Conciliação

O Desembargador Vítor Lenza considera a conciliação como uma espécie de mediação – a única diferença, ainda que muito sutil, existente entre elas é o fato de que na mediação pode acontecer que mesmo com a interferência de um terceiro as partes não cheguem a um consenso, ainda assim a mediação é considerada realizada , segundo a qual a lide é resolvida com a intermediação de terceiro, alheio às partes, o qual tenta conduzi-los a um entendimento final, a um consenso comum ou, não sendo possível o acordo, tenta transferir o conflito para um estado meramente potencial ou latente com vistas ao seu desaparecimento futuro.

De forma bem simples, o objetivo primordial da conciliação é harmonizar e ajustar, de maneira amigável a questão controvertida entre duas ou mais pessoas, acerca de um negócio, um contrato ou uma estipulação qualquer. Pode ela se dar tanto na via judicial quanto amigavelmente em momento anterior ao ajuizamento de uma demanda judicial.

2.3. Autocomposição

Já na autocomposição, também chamada de negociação direta, posto que feita exclusivamente entre as partes envolvidas no conflito, a solução se dá sem interferência de terceiros, e as partes abrem mão do interesse ou de parte dele, buscando o fim de pacificação.

Discorrendo sobre o tema, o Desembargador apresenta como formas de autocomposição: a) a desistência ou a renúncia da pretensão deduzida; b) o reconhecimento do pedido com a submissão de uma parte em relação à outra e c) a transação com concessões mútuas ou a negociação.

2.4. Arbitragem

Prevista na Lei n. 9.307/1996, a arbitragem é técnica de solução de conflitos mediante a qual os conflitantes buscam em um ou mais terceiros, de sua confiança, a solução amigável e imparcial (por que não é feita pelas partes diretamente) do litígio. Para Fredie Didier Júnior, citado por VÍTOR LENZA, a arbitragem é espécie de heterocomposição.

A arbitragem é forma de solucionar litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, entre pessoas capazes de contratar entre si. Podendo as partes escolherem livremente as regras de direito que serão aplicadas, desde que não implique em violação da ordem pública e dos bons costumes.
Ressalte-se que a solução dada à controvérsia privada tem a mesma eficácia de uma sentença judicial, o que confere maior relevância a essa forma de solução extrajudicial de conflitos.

2.5. Termo de ajustamento de conduta

O termo de ajustamento de conduta se assemelha às técnicas supracitadas por ser também meio de solução consensual de conflitos entre as partes, ocorrendo em momento pré-processual. As semelhanças, no entanto, param por aí.

Diferentemente dos meios citados, no ajustamento de conduta não ocorre a interveniência de um terceiro entre as partes em conflito, refere-se ele exclusivamente a direitos transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), que possuem natureza material indisponível, inadmitindo por isso transação e, ainda, os legitimados para a sua celebração não são os titulares únicos dos direitos em jogo e estão previstos expressamente em lei (Lei 7.347/85).

Conforme aduz em sua obra a Procuradora Regional da República Geisa de Assis Rodrigues:

"o regime peculiar de solução extrajudicial de conflitos que envolvam interesses transindividuais pode ser resumido em duas regras que devem, necessariamente, serem observadas, sendo a primeira relacionada à ausência de renúncia e de concessão do direito em jogo, e a segunda no sentido da observância de um sistema que garanta que a vontade manifestada coincida com os interesses dos titulares do direito, seja através da consulta efetiva dos interessados, seja através da presunção de que órgãos públicos poderão adequadamente representar os direitos da coletividade".

O termo de ajustamento foi criado pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11/09/1990), que em seu artigo 113 determinou o acréscimo do § 6° ao artigo 5º, da Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública).

É instrumento pelo qual os legitimados para a ação civil pública tomam do violador dos direitos transindividuais o compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações de penalidades e com eficácia de título executivo extrajudicial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPPELLETTI, Mauro e Bryant Garth. Acesso à justiça; tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
LENZA, Vítor Barboza. Cortes Arbitrais. Goiânia: AB, 1999.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002.