KEMYSON PIERRE DIAS






CRIMES OMISSIVOS E A SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE













João Pessoa/PB
2011
CRIMES OMISSIVOS E A SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE






RESUMO: Os crimes omissivos dizem respeito a uma conduta negativada pelo agente contrariando o dispositivo legal, ou seja, o agente deveria fazer o que a lei ordena, no entanto, ele deixa de fazer sendo omisso naquela situação. Este estudo mostrará os tipos de crimes omissivos existentes suas peculiaridades, a sua relação com a sociedade e mostrar alguns exemplos práticos do dia a dia que acontecem corriqueiramente.


PALAVRA-CHAVE: Crimes Omissivos e Sociedade





INTRODUÇÃO



O trabalho aqui desenvolvido tem por objetivo esclarecer alguns aspectos entre os crimes omissivos, o que de fato faz provar que o agente foi omisso diante de uma situação onde a ação natural seria outra completamente diferente do resultado conseguido pela omissão.

Abordaremos o comportamento da sociedade diante da omissão criminosa dos agentes comuns e dos agentes legalmente constituídos para a defesa da sociedade. A culpa dos agentes públicos e também da sociedade, a defasagem da lei penal.

Pretende-se com isso quebrar algumas lendas urbanas previstas no Código Penal Brasileiro, ou seja, alguns mitos relacionados ao tema aqui a ser estudado, mostrando assim a importância desse tema para a melhor compreensão, coibindo alguns juízos de valores previamente questionados pela sociedade.

O artigo aqui exposto está organizado para um melhor entendimento sobre o tema, de maneira sucinta, clara e objetiva. Não aprofundaremos demais no tema porque esse não é o objetivo aqui, a única pretensão é mostrar de forma objetiva a relação entre os crimes omissivos e a sociedade.

Ademais, a prática de crimes omissivos pela sociedade tornou-se uma coisa corriqueira nos dias atuais, enfatizaremos neste artigo, a constância dessa prática hoje e compararemos com o comportamento da sociedade das décadas passadas, só assim saberemos em que nível de impunidade estamos em relação aos crimes omissivos.


Diante de toda essa explanação introdutória, seguiremos agora sobre o assunto do nosso artigo, os crimes omissivos e a sua relação com a sociedade.





DOS CRIMES OMISSIVOS



Crime omissivo é aquele que é praticado diante de uma omissão causada por um agente que tem o dever agir diante de um caso concreto e se omite, ou seja, o comportamento esperado pela sociedade não é aquele desejado, isto é, é um comportamento negativado pelo autor.
A omissão caminha de mãos dadas com a ação, quando a norma descreve que tal conduta positiva deve ser realizada e o realizador da ação não o faz, se omite diante da imposição legal, esse agente causa uma lesão ao dispositivo mandamental.
A lei traz consigo descrições de condutas típicas que o indivíduo deve realizar quando tiver diante de um caso concreto. A conduta descrita na lei tem que ser determinada e precisa, mas muitas vezes ela não o é como descreve o renomado autor Cesar Roberto Bitencourt em sua obra,


Mas nem sempre a descrição típica é concisa e objetiva. Frequentemente os tipos penais apresentam outros elementos que complementam a ação típica descrita, tais como referências à vítima, ao autor, aos meios ou formas especiais de execução, condições de lugar, tempo, maneira de execução ou outras circunstâncias objetivas do fato. No entanto, o estudo pormenorizado desses elementos acidentais do tipo, por assim dizer, deve ser realizado na parte especial, em cada figura delituosa.


Assim, o tipo penal por vezes não terá sua descrição típica de forma objetiva e certa, aparecerão outros tipos de recursos que irão completar a ação típica discorrida. Também concordo com o autor no que concerne a tais estudos serem feitos na parte especial do Código Penal, pois é lá que toda ação típica descrita dever ser estudada detalhadamente. A lei tem que atingir seu objetivo essa é sua função de natural, sua função de origem.

Todos os tipos penais devem trazer alusão aos elementos que comporão a conduta típica descrita como alusão ao autor, à vítima, tempo, condições de lugar etc. Se tais elementos não tiverem contidos no dispositivo legal a lei perde seu rumo, não há uma meta a ser atingida, não há objetivo a ser cumprido, nesse caso dar-se uma sensação de impunidade até porque nosso Código Penal vigente é da década de 1940, a certas situações que o Código Penal ainda não se adequou, tem que se recorrer a legislação esparsa, é necessário uma reforma desde já.

Duas teorias são retratadas nos crimes omissivos a Teoria Naturalística diz que a omissão de certo modo seria um fenômeno causal ,ou seja, por essa a omissão tem como característica a ação, a omissão seria um tipo de ação e não a omissão propriamente dita, isto é, na medida em que em que eu me omito dessa forma estou tendo uma conduta positiva, estou agindo, estou em ação. A outra teoria é a Normativa que discorre que a omissão não tem o poder de proporcionar nada, o agente que se omite, não dar causa a coisa alguma, com isso nada responderá pelo possível resultado.

Para esse teoria, deve existir uma norma mandamental descrevendo o que o agente deve fazer no caso concreto, só assim a conduta omissiva teria importância diante do universo jurídico criminal. Diante disso fica evidenciado a responsabilidade pelo do agente causador da omissão. O indivíduo diante de uma situação real em ele deva agir não pode se omitir tendo ele o dever de agir, assim enfatiza o consagrado autor Fernando Capez,

A norma é o mandamento de uma conduta normal, ditada pelo senso comum da coletividade: não se encontra escrita em nenhum lugar, defluindo da consciência de cada um dos integrantes da sociedade, por essa razão, o dever jurídico de agir não pode ser equiparado a um mero dever previsto em lei: é isso e muito mais, envolvendo todos os casos em que o senso comum impuser a realização do comportamento comissivo.


Sendo assim, a realização de uma ação perante um caso concreto deve ser propagado eficazmente em toda a sociedade, essa ação tem que ser realizada de maneira voluntária sem ter o indivíduo que se vincular a lei,ou seja, se o indivíduo não o fizer receberá uma punição. O comportamento comissivo deve ser natural e instintivo sem imposição legal, o dever legal de não se omitir diante de um acontecimento onde se espera um comportamento comissivo do agente, nos leva a refletir sobre a imposição mandamental que o dispositivo legal nos traz. Será que seria necessário de fato toda essa imposição descrita na lei ou seria mais adequado a naturalidade de uma ação voluntária.

Para saber se o indivíduo foi omisso ou não numa conduta se faz necessária a análise do omitente sobre a situação do fato, saber se ele tinha o conhecimento de toda a situação, também é de suma importância saber se o omitente tinha a consciência de poder agir no momento em que a situação típica estava se desenvolvendo, se ele agisse poderia ter evitado ou não o resultado final não desejado pelo dispositivo legal. Diante de tais elementos estar caracterizado a conduta omissiva.

As condutas omissivas podem ser classificadas em: Crimes omissivos próprios, isto é, se o dispositivo normativo discorre que algo deve ser feito perante tal acontecimento, se o sujeito não o faz, ele é omisso na forma da lei, um exemplo claro de crime omissivo próprio é a omissão de socorro presente no artigo 135 do Código Penal brasileiro, outro exemplo está contido no artigo 269 do mesmo código, também pode ser encontrado exemplo desse tipo de omissão no artigo 304 do Código de Trânsito Brasileiro. Sendo assim, há a necessidade de comprovação da relação de causalidade, como explana de maneira objetiva César Roberto Bitencourt em seu livro,

Em outros termos, deve-se fazer o juízo hipotético de acréscimo, isto é, se o agente não tivesse se omitido, ou seja, se houvesse prestado socorro o resultado ainda assim teria ocorrido? Em caso positivo, contata-se que a conduta omissiva do agente foi irrelevante, pois se tivesse agido não teria obtido êxito, não se podendo atribuir a ocorrência do resultado à omissão praticada, não havendo, portanto, relação de causa e efeito entre resultado e omissão; em caso negativo, ou seja, se o agente não se houvesse omitido o resultado morte ou lesão grave não teria ocorrido; nessa hipótese, a omissão realmente concorreu para o não impedimento de dito resultado, ficando claro, por conseguinte, a "relação de causalidade" (ficção jurídica), justificando-se, politicamente, a majoração legal.



Se todos esses questionamentos forem feitos, se fará melhor julgamento sobre a conduta do agente omitente. Nos Crimes Omissivos Próprios a investigação sobre a omissão e o resultado ocorrido é dispensado, não há essa necessidade. Nota-se no comentário do autor que se agente agir e mesmo assim o resultado não for satisfatório, se não houver êxito na ocorrência, então a sua omissão para tal situação não teria relevância alguma, pois de qualquer modo o resultado final iria acontecer de qualquer forma. No entanto, se o agente não for omisso podendo ter evitado no resultado final, neste caso se configura a relação de causa e efeito no que concerne entre o resultado e a omissão causada pelo o agente.


Também há os Crimes omissivos impróprios que podem ser encontrados com outra denominação como Crimes Omissivos Impuros ou até mesmo Crimes Comissivos por Omissão, ou seja, o indivíduo tinha o dever legal de agir, tinha que agir de qualquer forma. A norma impositiva descreve o que ele deveria fazer e não o fez, dessa forma o omitente responderá pelo resultado que for produzido por tal omissão realizada, o agente tem a obrigação de coibir o resultado da ocorrência do fato determinador, essa é a finalidade, pode-se encontrar os elementos ensejadores desse tipo de omissão no parágrafo segundo do artigo 13 do Código Penal Brasileiro, ressaltando que o omitente também responde pelo crime de omissão na sua forma simplificada.


O outro é o Crime Omissivo por Comissão, nesse tipo de crime existe uma ação anterior a omissão, ação preexistente é que enseja a omissão. Esses são os tipos de crimes omissivos existentes. Esse crime é pouco difundido na doutrina, boa parte da doutrina, isto é, em sua maioria não faz qualquer menção a esse tipo de crime aqui explanado. Sem fazer juízo de valor a nenhum autor, achei interessante mostrar essa forma de crime omissivo pouco conhecido na doutrina. Também outro crime pouco difundido são os crimes de condutas mistas, Mirabete comenta esse tipo em sua obra,


Fala-se também em crimes de condutas mista, em que o tipo penal se inscreve uma fase inicial comissiva, de fazer, de movimento, e uma final de omissão, de não fazer o devido. Exemplo clássico se encontra no art. 169,II, que trata do crime de apropriação de coisa achada. Na primeira fase, o agente se apossa da coisa alheia perdida, mas o crime somente ocorre se, dentro de 15 dias, o autor não a restitui ao legítimo possuidor ou não a entrega à autoridade competente.


Portanto, no exemplo citado do autor, o agente só se torna sujeito ativo do ilícito decorrido 15 dias após ter se apropriado da coisa achada. Nesse tipo de crime o agente inicia com uma conduta comissiva e conclui com uma conduta omissiva, deixando de fazer o que era determinado.



DA RESPONSABILIDADE PARA IMPEDIMENTO DO RESULTADO


A responsabilidade de um agente prestar socorro a alguém que está necessitando de ajuda deve ser estudada de forma responsável e objetiva, isto porque quando o agente toma pra si a responsabilidade para evitar o resultado ele fica vulnerável a determinados prequestionamentos feitos pela sociedade e também pelo Poder Judiciário quando provocado. Assim o agente que age de forma voluntária e de boa-fé deve ser isento de qualquer obrigação ou ônus se a conduta salvadora não obtiver o resultado esperado. Desse modo Bitencourt em sua obra diz que,


De qualquer forma, o que importa é que o sujeito voluntariamente se tenha colocado na condição de garantidor, assumindo, por qualquer meio, esse compromisso. E não é necessário que essa posição dure por determinado período de horas, por exemplo. Lembramos um exemplo que ocorre com frequência: em locais, digamos, menos favorecidos, onde as mulheres não têm condições de pagar babá para seus filhos, é comum que uma vizinha ofereça-se para cuidar do filho da outra, enquanto essa se ausenta, rapidamente. A assunção da responsabilidade de cuidar da criança, portanto, uma obrigação de cuidado assumida voluntariamente, torna-se essa vizinha garantidora. E essa obrigação existirá até o momento em que a mãe voltar e retomar o cuidado do próprio filho. Nesse espaço de tempo, essa vizinha é garantidora da segurança e proteção desse menor. Portanto, se omitir uma conduta necessária para impedir um processo causal, que pode produzir um resultado lesivo, será responsável por esse resultado, porque tinha o especial dever de impedi-lo. Da mesma forma, o médico de plantão, embora já se tenha esgotado o seu turno, não poderá, abandonar o serviço enquanto o seu substituto não tiver chegado e assumido regularmente a sua função.


No comentário do autor é colocada de forma brilhante a responsabilidade daquele que garantidor do dever de cuidar, se eu passo a minha responsabilidade de cuidado para um terceiro, esse terceiro é investido de responsabilidade, ou seja, cabe ao terceiro agora assumir o dever que eu tinha a pouco tempo. Nos exemplos mostrados por Bitencourt, se houver omissão desse terceiro cuidador, ele responderá pelo resultado provocado por sua omissão. No caso da mãe que deixa seu rebento com terceiro, ela nada responderá caso aconteça algo com seu filho, pois ela não o abandonou, simplesmente o deixou sob a responsabilidade de outrem.
Já o médico plantonista que passada a sua hora de trabalho, não poderá ausentar-se de forma alguma, enquanto o seu sucessor do plantão não chegar, não poderá ele deixar de atender os pacientes simplesmente porque alguém ainda não o substituiu, se isso for feito responderá ele na forma da lei por tal conduta.

O que conta também nos crimes omissivos é o comportamento anterior do agente, se esse comportamento gerou risco ou ainda se o comportamento atual gera algum risco e agrava mais e mais a situação que está acontecendo. Aqui não há relevância alguma se a conduta do agente foi realizada com intenção, ou seja, se o agente agiu com dolo ou se ele se agiu com culpa, a única relevância que há é que por ter se omitido foi gerado uma situação real risco ou também o agravamento de uma situação já existente.

Com isso, as situações aqui expostas dificultam bastante na determinação ou na identificação de qual tipo de crime omissivo se trataria, assim Bitencourt mais uma retrata essa ideia em sua obra,


A doutrina alemã arrola uma série de hipóteses em que poderia haver dúvida quanto à interpretação sobre a existência de crime comissivo por omissão ou simplesmente comissivo. Podem ocorrer, na verdade, duas hipóteses: 1ª) uma conduta omissiva do agente seguida de uma conduta comissiva; 2 ª) uma conduta comissiva seguida de uma conduta omissiva. Um desses exemplos é aquele em que uma pessoa oferece a outra um copo d'água, sem ferver, quando, na localidade, grassava uma epidemia de tifo, que a outra pessoa desconhecia. Essa outra toma a água sem ferver, contrai a doença e morre. Aqui há uma conduta omissiva anterior, primitiva, que é o fato de não ter fervido a água antes de oferecê-la, sabendo da existência de uma epidemia de tifo. A seguir há uma segunda conduta, agora ativa, comissiva, que é oferecer o copo d'água naquelas circunstâncias. Nesse caso, há uma omissão e uma ação posterior. A solução mais correta, a nosso juízo, é considerar o crime comissivo quando podemos relacionar o resultado com uma conduta ativa imediatamente anterior a ele, ficando a omissão como a conduta remota. Em sentido inverso, deve-se considerar crime omissivo impróprio quando podemos relacionar o resultado com uma conduta omissiva imediatamente anterior, ficando a conduta ativa como remota. Nesse exemplo citado, portanto, teríamos um crime culposo comissivo e não omissivo impróprio.



No primeiro exemplo a conduta anterior da mulher a qual não ferveu a água que estava contaminada sabendo da existência do tifo e mesmo assim serviu a outrem, a omissão de não ferver a água causou um dano a pessoa que ingeriu o líquido, foi causado um dano ainda maior que foi a morte, nesse caso ficou configurada uma omissão acompanhada de uma ação.


O brilhante autor fala que há o crime omissivo impróprio quando ficar relacionado o resultado daquela conduta omissiva anteriormente a ela, deixando a conduta do omitente originário como uma conduta distante. Desse modo, não mais existiria a modalidade de crime omissivo impróprio e sim o crime de omissão na sua modalidade culposa, isto é. Crime culposo comissivo.


Poderia ocorrer, uma conduta ativa do agente que viria a ser acompanhada de uma conduta omissiva, nesse hipótese teríamos o crime de omissão imprópria. Se a conduta anterior trouxer uma situação de perigo e esse perigo ocasionar posteriormente em um dano efetivo e o autor de tal conduta omitir-se diante da situação se configurará o crime comissivo por omissão ou omissivo impróprio, mesmo o agente ter agido sem intenção nenhuma de causar dano anteriormente, mas sua posterior omissão diante do fato poderá ser configurada como uma conduta dolosa, ou seja, teve a intenção de causar o dano final.

Diante de todo exposto, a relação desses crimes com a sociedade é um tanto conturbado, devido às várias interpretações que existem socialmente e também juridicamente. Durante anos e anos os agentes que cometeram crimes omissivos são acometidos de certos preconceitos, por não ter agido na hora de agir e não se sabe o real motivo de tal omissão configurando dessa forma uma injustiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com isso quero enfatizar mais uma vez, que o estudo apresentado aqui é para uma reflexão mais aprofundada da sociedade e do Poder Público perante os agentes ativos dos crimes omissivos. Destacar também as interpretações errôneas diante dos casos. É importante enfatizar o pensamento de colaboração entre a sociedade e o Poder Público para evitar certas injustiças ocorridas por anos e anos.


REFERÊNCIAS

? BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal; Parte Geral 1. 15 ed. Revisada, atualizada e ampliada. São Paulo, Saraiva, 2010.

? CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1: parte geral(art.1 a 120). 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

? MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 25. ed. revista e atualizada até 11 de março de 2009. São Paulo, Atlas, 2010.