PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – PUC MINAS

FACULDADE MINEIRA DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

 

 

 

 

 

 

CLARA GARZON TAVARES NOGUEIRA

 

 

 

 

 

 

crimes dolosos contra a vida:

TRIBUNAL DO JURI X COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA

EM DECORRÊNCIA DA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Belo Horizonte

2012

 


Crimes dolosos contra a vida: Tribunal do Juri x Competência Originária  em decorrência da prerrogativa de função

Clara Garzon Tavares Nogueira[1]

 

 

RESUMO: A competência do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos contra a vida está Constitucionalmente previsto, no entanto, a própria Constituição também prevê o privilégio de foro para as pessoas constantes do artigo 102, I, b e c, tratando estes como competência especial em detrimento da competência comum do Tribunal do Júri.

 

PALAVRAS CHAVE: Crimes dolosos contra a vida – Tribunal do Júri – Prerrogativa de função – Foro privilegiado – STF – Princípios.

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Princípios. 3. Separação processual – Tribunal do Juri x Foro Privilegiado. 4. Jurisprudências. 5. Conclusão. Referências

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

 

A competência do Tribunal do Júri para julgamento de crimes dolosos contra a vida está prevista na Constituição Federal, no artigo 5º, XXXVIII, d e artigo 74, parágrafo 1º do CPP, no entanto, a Constituição também prevê em seu artigo 102, I, b e c, que compete ao STF julgar originariamente nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República e nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. Diante disso, temos que a competência especial prevista na Constituição para a prerrogativa de função se sobrepõe ao do Tribunal do Júri, em outras palavras, quaisquer daqueles enumerados no artigo 102, I, b e c que cometam crimes dolosos contra a vida, não serão julgados perante o juiz comum, mas sim pelo STF.

Segundo a doutrina e a jurisprudência, a existência do foro privilegiado tem fundamento não na pessoa, e sim na relevância do cargo ocupado pelo agente do delito, mas, no mesmo entendimento que Guilherme de Souza Nucci (ano 2012, p. 268), “seria necessário uma razão relevante para afastar o criminoso do seu juiz natural, entendido este como o competente para julgar todos os casos semelhantes ao que foi praticado[2]. Entretanto, não há razão relevante para tanto, apenas a conclusão de que o agente com prerrogativa de foro, ao praticar um crime doloso contra a vida, ganha status de cidadão comum, ferindo, assim, os princípios da igualdade e de que são assegurados a todos a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 

 

 

2. PRINCÍPIOS

 

 

O Princípio da Igualdade está previsto no artigo 5º, caput e inciso I da CF/88 e relaciona-se com o entendimento de que deve-se tratar os “iguais igualmente”, portanto, o privilégio de foro cria uma desigualdade de tratamento para o agente do delito, estabelecendo um foro privilegiado para aquele que cometeu um crime comum doloso contra a vida, do mesmo modo ocorre com o princípio art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal (inserido pela Emenda Constitucional 45), assevera: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, pois o foro privilegiado pode protelar o julgamento de um crime por muitos anos, o que demonstra a demora da punibilidade no Brasil. Por outro lado, há também a supressão de instâncias, reduzindo assim, os recursos a outros tribunais.

No entanto, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (ano 2012, p. 268), a competência por prerrogativa de função está constitucionalmente prevista, razão pela qual deve ser respeitada. No futuro, havendo amadurecimento suficiente, tal situação merecerá ser alterada.

 

3. SEPARAÇÃO PROCESSUAL – TRIBUNAL DO JURI X FORO PRIVILEGIADO

 

 

Quando houver o cometimento de um crime doloso contra a vida conexo com outro crime que possui foro por prerrogativa de função, inexistirá atração, prevalecendo a regra do Juiz Natural, havendo, necessariamente a separação dos processos, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal, exposto a seguir:

 

envolvimento de co-réus em crime doloso contra a vida, havendo em relação a um deles a prerrogativa de foro como tal definida constitucionalmente, não afasta, quanto ao outro, o juiz natural revelado na alínea d do inciso XXXVIII do art.5º da Carta Federal. A continência, porque disciplinada mediante normas de índole instrumental comum, não é conducente, no caso, à reunião dos processos. A atuação de órgãos diversos integrantes do Judiciário, com duplicidade de julgamento, decorre do próprio texto constitucional, isto por não se lhe poder sobrepor preceito de natureza estritamente legal (STF – 2ª T. – HC 70.581 – AL, RTJ 150.832-3, STF – Pleno – HC nº 69.325-3.GO – Rel. Min. Néri da Silveira – DJU, 4 dez. 1992, p.23.058).

 

Portanto, os processos correrão em separado, podendo encontrar divergências nos julgamentos, já que um seguirá o procedimento do Tribunal do Júri e o outro pelo STF.

 

 

4. JURISPRUDÊNCIAS

 

 

Em consonância com a matéria tratada, importante destacar algumas jurisprudências que a ilustram.

 

EMENTA: PRIMEIRA PRELIMINAR. INCOMPETÊNCIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. DESMEMBRAMENTO INDEFERIDO PELO PLENO. PRECLUSÃO. Rejeitada a preliminar de incompetência do STF para julgar a acusação formulada contra os 34 (trinta e quatro) acusados que não gozam de prerrogativa de foro. Matéria preclusa, tendo em vista que na sessão plenária realizada no dia 06/12/06 decidiu-se, por votação majoritária, pela necessidade de manter-se um processo único, a tramitar perante o Supremo Tribunal Federal. SEGUNDA PRELIMINAR. CONSTATAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DE CRIMES. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. INVESTIGAÇÕES NÃO CONCLUÍDAS. ÓBICE INEXISTENTE. AUSÊNCIA DO RELATÓRIO POLICIAL. PEÇA DISPENSÁVEL PARA EFEITO DE OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. 1. Se o titular da ação penal entende que há indícios mínimos de autoria e materialidade dos fatos tidos como criminosos, ele pode oferecer a denúncia antes de concluídas as investigações. A escolha do momento de oferecer a denúncia é prerrogativa sua. 2. O relatório policial, assim como o próprio inquérito que ele arremata, não é peça indispensável para o oferecimento da denúncia. TERCEIRA PRELIMINAR. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO DECRETADA PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. INEXISTÊNCIA, À ÉPOCA, DE INVESTIGADOS COM FORO PRIVILEGIADO. COMPETÊNCIA. VALIDADE DOS ATOS. POSTERIOR RATIFICAÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

 

EMENTA: CRIME FINANCEIRO – LEI Nº 7.492/86 – ESTADO – EMISSÃO DE TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA – AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. O Estado, ao emitir títulos da dívida pública e colocá-los no mercado, visando a obter recursos para o Tesouro, não atua como instituição financeira. Precedente: Inquérito nº 1.690, Plenário, relatado pelo ministro Carlos Velloso. DENÚNCIA – FORMALIZAÇÃO E RECEBIMENTO – AUSÊNCIA DE CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO – INSUBSISTÊNCIA. Uma vez proclamada a inexistência de crime contra o Sistema Financeiro Nacional, da competência da Justiça Federal, há de concluir-se pela insubsistência da denúncia ofertada e respectivo recebimento. CRIME – AUSÊNCIA DE TIPICIDADE – MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A manifestação do Ministério Público quanto à inexistência de fato típico é irrecusável, desaguando no arquivamento do processo. DENÚNCIA – RECEBIMENTO – FALSIDADE IDEOLÓGICA. Ocorrendo a materialidade e indícios de autoria, impõe-se o recebimento da denúncia. COMPETÊNCIA – PRERROGATIVA DE FORO – DESMEMBRAMENTO. A racionalidade dos trabalhos do Judiciário direciona ao desmembramento do processo para remessa à primeira instância, objetivando a sequência no tocante aos que não gozem de prerrogativa de foro, preservando-se com isso o princípio constitucional do juiz natural.

 

EMENTA – Direito Constitucional e Processual Penal. Competência. Licença prévia do Senado Federal (art. 53, par. 1, da C.F.). Crime imputado a quem, depois, se elege parlamentar. (E também a outros, sem foro privilegiado). Competência superveniente do Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos atos validamente praticados perante o órgão judiciário originariamente competente. Crimes eleitorais (artigos 322 e 347 do Código Eleitoral). Prescrição, quanto ao primeiro. E atipicidade da conduta, quanto ao segundo, por se tratar de descumprimento de normas genéricas, contidas em Resolução do Tribunal Superior Eleitoral, sem sanção penal, e não de desobediência a ordem legal concreta e específica, emitida por funcionário público, nem de resistência a execução de ato legal, concreto e específico, praticado por funcionário competente. Questão de Ordem, suscitada pela Procuradoria Geral da República, que o Supremo Tribunal Federal resolve, declarando a prescrição da pretensão punitiva, quanto a um dos delitos (art. 322 do C. Eleitoral) e concedendo "habeas corpus" de ofício, quanto ao do art. 347, para trancar a ação penal, por falta de justa causa, sem necessidade, nessas circunstâncias, de solicitar licença ao Senado Federal, para eventual prosseguimento da ação penal. Precedentes.

 

 


5. CONCLUSÃO

 

 

Ao enfrentarmos as questões do dia a dia, deparamos com situações que não raro trazem uma certa indignação e a indagação do por quê do privilégio de alguns e tão pouco para outros. O certo é que a Constituição Federal é o documento supremo de nossa democracia, mas que também foi pensada por seres humanos, que no anseio dos acertos, também cometeram muitos erros.

Portanto, aqui, a conclusão é de que a Constituição Federal tratou de resguardar a importância das funções desempenhadas, dando aos agentes do delito um privilégio e por outro lado, prolongando a espera de quem lesado, pobres cidadãos, na esperança de um julgamento digno.

 

REFERÊNCIAS

 

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 26 maio 2012.

 

BRASIL. CPP. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 26 maio 2012.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. HC nº 70.581 – AL. RTJ, 150.832-3.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 2012.

 

 

 

 


[1] Aluna do curso de graduação em Direito.

 

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 2012, p. 268.