CRIMES CIBERNÉTICOS: Os desafios no processo investigatório frente à ausência de legislação específica no ordenamento brasileiro.[1]

Melina Mafra Cruz[2]

Rhonyere Rios da Paz[3]

RESUMO 

Com o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação, em especial o campo da cibernética, surgem novas questões a serem ponderadas, uma vez que não deve-se ter em mente que o Direito deve acompanhar a evolução da sociedade, adequando-se à realidade na qual se insere, qual seja, a do mundo virtual e da sociedade da informação.Visa este estudo, analisar à problemática acerca do ajustamento da norma penal em face dos crimes cibernéticos e sua repercussão em âmbito jurídico, abordando o atual cenário dos crimes praticados por meio de tecnologias avançadas e no espaço cibernético. Suscita algumas fragilidades devido à aos constantes  avanços da sociedade na era digital .

Palavras-Chave: Crimes Cibernéticos. Legislação Brasileira, Tipificação

INTRODUÇÃO

A utilização cada vez maior de novas aplicações tecnológicas, culminando com a chamada “revolução digital”, contribuiu para o avanço da sociedade. Atrelado a esse contexto, entretanto, surgem usuários que utilizam tais inovações, mais especificamente a Internet, para praticar atos ilícitos, seja criando novas modalidades de crimes, seja com a expansão de praticar crimes já tipificados na legislação penal brasileira, passando-se, com isso, a exigir soluções que o Direito não estava preparado para resolver. O Brasil não apresenta uma legislação específica referente a crimes cibernéticos, evidenciando a necessidade urgente de regulamentação definitiva dos novos tipos penais, com o intuito de evitar que tais práticas delitivas permaneçam impunes e prossigam acarretando atos lesivos à sociedade e diversos bens jurídicos. (MEDEIROS, 2010, p.1)

Cumpre lembrar que, a existência de um mundo virtual ou  ciberespaço, que apresenta novas concepções de tempo e  espaço, bem como as dificuldades de identificação dos usuários da  Internet, além dos entraves que surgem no campo da produção de provas, dentre outros aspectos, constituem verdadeiros óbices no combate à criminalidade informática. (SANTOS, 2008, p.2)

Acontece que, tais mudanças provocadas pela informatização generalizada, acabaram não sendo acompanhadas pela legislação pátria, obrigando os aplicadores da lei, na medida do possível, a enquadrar os novos tipos de condutas lesivas nos tipos penais já existentes. Assim, com a utilização inapropriada das técnicas e procedimentos informáticos, ocorre um relevante impacto da tecnologia nas relações jurídicas, especialmente no âmbito do Direito Penal (DAOUN e LIMA, 2010, p.3).

  1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS CRIMES CIBERNÉTICOS

Crime de informática pode ser entendido como:

(...) aquele praticado contra o sistema de informática ou através deste, compreendendo os crimes praticados contra o computador e seus acessórios e os perpetrados através do computador. Inclui-se neste conceito os delitos praticados através da Internet, pois pressuposto para acessar a rede é a utilização de um computador" (CASTRO, 2002, p.9)

Na visão de Senise Ferreira (1992, p. 141 e 142), “crime de informática é toda ação típica, antijurídica e culpável contra ou pela utilização de processamento automático e/ou eletrônico de dados ou sua transmissão”. Para Bittencourt Brasil (2000, p.133 e 134), não há diferença entre crime comum e crime de informática; salienta, todavia que a fronteira que os separa é a utilização do computador para alcançar e manipular o seu sistema em proveito próprio ou para lesionar outrem.

É importante demonstrar que o início das condutas socialmente reprováveis vem da sensação de anonimato que implica um sentimento de impunidade, por não se acreditar que qualquer conduta lesiva praticada via computador, poderá ensejar responsabilidades. E é inegável que, havendo possibilidade de rastrear os movimentos dos usuários, existe responsabilidade na Internet, civil e criminal, e que ela poderá ser requerida desde que se comprove o dano, a conduta do autor e seu nexo de causalidade, sem olvidar, em outra acepção, da responsabilidade administrativa. (LIRA, CAVALCANTI, 2005, P.17)

  1. OS CRIMES CIBERNÉTICOS FRENTE À ESFERA PENAL

A Constituição, no art. 5o., inciso XXXIX, estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina (princípio da reserva legal). Nesses termos, o chamado tipo penal consiste numa conduta claramente fixada em lei. Portanto, os traços caracterizados da ação criminosa reclamam especificação legal com a pertinente densidade e precisão, não admitindo operacionalizações ou construções excessivamente abertas, viabilizando desvios, abusos e, em última instância, insegurança jurídica.

A princípio, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo nos crimes de informática, ou seja, é um crime comum quanto ao agente, sendo classificados em próprios ou impróprios. Os primeiros são aqueles que só podem ser praticados através da informática, sem ela é impossível a execução e consumação da infração. São tipos novos, que agridem a informática como bem juridicamente protegida. Daí porque em virtude da pouca legislação existente, alguns fatos são atípicos e, portanto não podem ser punidos. Os crimes de informática impróprios são os que podem ser praticados de qualquer forma, inclusive através da mesma. Assim, para que o individuo cometa o crime, utiliza-se do computador, o qual é um meio, um instrumento para a execução do crime. São delitos que violam bens já protegidos por nossa legislação, como patrimônio e honra. Portanto recorre-se a legislação vigente. (CASTRO, 2003 p. 08)

Podemos constatar, portanto, que é imprescindível que o legislador penal elabore normas próprias para coibir tais práticas delitivas, no caso, os chamados “crimes de informática”. Para isso, é necessário, entretanto, identificá-los, diferenciá-los e conceituá-los, propiciando assim leis mais claras e específicas, de forma a alcançarem seu objetivo primordial, que é o e regulamentar o comportamento do ser humano em sua vida cotidiana. (ROSA, T., 2007, p.5)

  1. OS DESAFIOS NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Com a evolução da tecnologia, principalmente da cibernética surge o crescimento dos crimes praticados por meio de computadores e da internet, ou cibercrimes gerando reflexos cada vez mais danosos no mundo jurídico. As brechas no código penal, no que se diz respeito a crimes cibernéticos, põem os criminosos do ramo mais à vontade para a prática de condutas ilícitas.Quando se consegue identificar a origem ou autoria desses crimes, ocorre a tentativa de penalização por vias análogas de clássicos e antigos crimes. (VERÇOSA, 2010, p.1)

Ocorre que graças à ausência de legislação específica para crimes cibernéticos, o Poder Judiciário vem punindo os infratores com base nos tipos penais já existentes. A tentativa de adaptar tais crimes em leis antigas e ultrapassadas, nem sempre é possível, mostrado-se ineficaz em muitos casos, o que acaba por gerar impunidade. (MEDEIROS 2010, p.3)

No decorrer de uma investigação relacionada a crimes ocorridos no meio cibernético, muitos são os desafios encontrados pelo investigador na busca de provas materiais. A dinamicidade da Internet, a possibilidade do anonimato e o alcance ilimitado em termos de espaço físico facilitam a eliminação dos indícios necessários para a comprovação do delito. (MEDEIROS, 2010, p.5) Na maioria das vezes, estes delitos permanecem impunes, porque "continuam a ser novidade" para os mecanismos coercitivos estatais. (LIRA, CAVALCANTI, 2005, P.12)

Há uma dificuldade em identificar e localizar o agente causador do ato danoso. Surge com isso a tendência em responsabilizar os provedores que transmitem as informações prejudiciais. Existe, no entanto, a possibilidade de delimitar a responsabilidade dos provedores, onde o agente causador do dano deverá ser responsabilizado discutindo-se acerca da solidariedade ou co-autoria com aqueles que transmitiram as informações prejudiciais. (LIRA, CAVALCANTI, 2005, P.21)

A identificação do número IP (Internet Protocol) é o passo inicial e mais importante em uma investigação relacionada a crimes cibernéticos. O IP consiste em um “endereço” atribuído exclusivamente a um determinado usuário, enquanto este estiver conectado na rede. Neste caso, o provedor de acesso tem a obrigação de fornecer tal informação para tentar localizar e identificar o infrator. Para isto, é necessária a existência de mecanismos legais que possam obrigar os provedores de acesso a armazenar e fornecer as informações de seus usuários por um tempo estabelecido a fim de vincular os provedores ao dever de colaborar no processo. (MEDEIROS, 2010, p.6)

Ocorre que os provedores não fornecem tais informações sigilosas sem um “pedido de quebra de sigilo de dados telemáticos”, visto que os mesmos, não são obrigados a guardar os registros de acesso quando um determinado indivíduo acessa a Internet. Isso dificulta bastante a persecução penal na busca da infração em crimes por computador, notadamente na Internet. (LIRA, CAVALCANTI, 2005, P.17)

O principal ponto é que a legislação é omissa quanto à obtenção dos dados cadastrais dos usuários nos provedores. Como são dados cadastrais, não deveria ser necessário mandado, ou seja, mediante ordem formalizada pelo juiz. Princípios constitucionais como a Intimidade o Direito à Imagem não podem servir de escudo à prática criminosa, daí não se reconhecer direitos absolutos, ou seja, que valham por si mesmo. (LIRA, CAVALCANTI, 2005, P.17)

Além disto, o mecanismo de identificação das máquinas pelo IP permite identificar, em muitos casos, apenas as máquinas, mas não quem provocou o delito. Encontrar a máquina, o responsável pela conta do e-mail ou o responsável por um determinado sítio, não significa que se identificou o autor do fato típico. (LIRA, CAVALCANTI, 2005, P.17)

Outro desafio a ser considerado trata da jurisdição, ou seja, da competência de investigação nos casos em que mais de um País é envolvido no problema. Questiona-se como determinar os lugares em que o crime ocorreu e gerou resultados, bem como definir autoria e materialidade satisfatoriamente. (LIRA, CAVALCANTI, 2005, P.17)

A aplicação ou não da lei brasileira aos crimes de informática deve considerar o disposto nos arts. 5º- o princípio da territorialidade que impõe a aplicação da lei brasileira ao crime cometido no território nacional- e 6º do Código Penal- o princípio da ubiqüidade, que considera lugar do crime tanto aquele da conduta, quanto o do resultado.Portanto, o crime virtual iniciado no Brasil, desenvolvido no Brasil ou com resultados verificados no Brasil será apreciado segundo a legislação brasileira. ((LIRA, CAVALCANTI, 2005, P.15)

A regra, neste caso, é atribuir a competência de investigação ao Estado em que ocorreu o fato, bem como aos demais territórios utilizados para a prática material de atos relacionados ao crime. Caso um site de conteúdo irregular, por exemplo, esteja hospedado no exterior, a competência da Justiça brasileira será executável apenas se houver algum vínculo com brasileiros. Se tal site, entretanto não estiver hospedado em provedores nacionais e nem seja identificada a participação de brasileiros no crime, a competência deverá ser atribuída a outras entidades estrangeiras (BRASIL. M., 2006).

                                                                                                                

CONCLUSÃO

É indiscutível a necessidade de adoção, pela via legislativa de tipos penais adequados à realidade atual para permitir a repressão às ações realizadas por intermédio de meios eletrônicos tendo como alvos os bens jurídicos protegidos. Nem todas as práticas se enquadram corretamente na legislação vigente e, graças ao princípio da legalidade, pilar ao Direito Penal, torna-se, muitas vezes, impossível uma punição pelos crimes cometidos em ambiente virtual. Assegurar mecanismos cada vez mais eficientes de controle e segurança a partir da realidade social em que o Direito se insere, são tarefas fundamentais, para que a sociedade possa usufruir dos benefícios e da praticidade que a tecnologia traz consigo.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Ângela Bittencourt. Informática Jurídica – o ciber direito. Rio de Janeiro. 2000. FERREIRA, Ivette Senise 

BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria da República do Estado de SP. Crimes Cibernéticos: manual prático de investigação. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/TAC/Manual_de_Crimes_de__Inform%C3%A1tica_-_vers%C3%A3o_final2.pdf> Acesso em: 31.out. 2011 

CASTRO. Carla Rodrigues Araújo de. Crimes de Informática e seus Aspectos Processuais. Pág. 9. 2a. Edição. Lumen Juris. 2003.

DAOUN, Alexandre Jean; LIMA, Gisele Truzzi. Crimes Informáticos: O Direito Penal na Era da Informação. Disponível em: <http://www.truzzi.com.br/pdf/artigocrimes-informativos-gisele-truzzi-alexandre-daoun.pdf> Acesso em: 30 out. 2011.

FERREIRA, Ivette Senise. Os Crimes da Informática. São Paulo : RT, 1992.

MEDEIROS, Claudia Lucio de. DEFICIÊNCIAS DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA FRENTE AOS CRIMES CIBERNÉTICOS. Universidade Estadual do Ceará, 2010. Disponível em: http://www.pgj.ce.gov.br/esmp/publicacoes/edf_2010/artigos/art05ClaudiaMedeiros.pdf Acesso em: 30 out. 2011

LIRA, Kaliane Wilma Cavalcante. CAVALCANTI, José Ivalmir Neves Cavalcanti. Crimes Praticados via Internet e suas Conseqüências Jurídicas. Disponível em: http://manfred.com.br/publico/unerj/tecnologia_em_informatica/seguranca_em_sistemas_de_informacao/extras/Artigo%20-%20Crimes%20Praticados%20via%20Internet%20e%20suas%20Conseq%FC%EAncias%20Jur%EDdicas.pdf  Acesso em 31.out.2011 

ROSA, Thiago Santos. Projeto de Monografia Científica: A Diferença entre os crimes de Informática e Crimes Comuns cometidos Via Internet. Bebedouro, 2007. Disponível em:<http://www.fafibe.br/revistasonline/arquivos/revistajuridicafafibe/sumario/5/14042010174132.pdf> Acesso em: 30. Out. 2011

SANTOS, Coriolano Aurélio Almeida Camargo. ATUAL CENÁRIO DOS CRIMES CIBERNÉTICOS NO BRASIL. 2008. Disponível em: http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/sociedade_informacao/artigos/crimes_ciberneticos.pdf Acesso em: 2 nov. 2011

VERÇOSA, Bruno Nascimento. Novo cenário dos crimes cibernéticos no Brasil e as leis que gerem esse mercado. Goiás. 2010



[1] Paper apresentado à disciplina Processo Penal I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2] Graduanda do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – [email protected]

[3]Graduando do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB. Email: [email protected]