1 CRIME ORGANIZADO E LEGISLAÇÃO

1.1 Lavagem de dinheiro: alteração da Lei nº 9.613/98 para a Lei nº 12.683/2012

No último dia 9 de julho, foi sancionada a Lei nº 12.683/2012, apresentando um novo marco legal para o combate à lavagem de dinheiro. Trata-se de diploma que, ao alterar a Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998, busca incorporar recomendações internacionais acerca do tema e fortalecer o controle administrativo sobre setores sensíveis à reciclagem de capitais (NOVA..., 2012, p. 1).

Das alterações proporcionadas pela Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, tema polêmico é a possibilidade da responsabilização dos advogados pelo crime de lavagem de dinheiro, tendo em vista a nova redação do art. 9.º, XIV, da Lei nº 9.613/1998, que os inclui entre as pessoas que, em decorrência de sua atividade principal ou acessória, eventual ou permanente, têm o dever de notificar as atividades suspeitas de lavagem de seus clientes às autoridades competentes (GRECO FILHO; RASSI, 2012, p. 13).

A Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012, definiu organização criminosa, no seu art. 2º, da seguinte forma:

Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização
criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente
ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes
cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou
que sejam de caráter transnacional.

Para Gomes (2012, online),

Mas não criou o crime de organização criminosa, porque não definiu nenhuma pena. De outro lado, essa definição não pode retroagir para prejudicar qualquer réu. Conclusão: impossível o STF condenar qualquer réu do mensalão por lavagem de dinheiro decorrente de organização criminosa. Isso pode ocorrer se a lavagem decorreu
de outros crimes que antes estavam na lista do art. 1º da antiga Lei
nº 9.613/1998.

Para Andrade (2007, online), a lavagem de dinheiro surgiu na época da Lei Seca nos Estados Unidos, quando Al Capone, para desviar a atenção de seus negócios (que eram o tráfico ilícito de bebida alcoólica), abriu várias lavanderias.

De acordo com Elias (2005, p. 5), a lavagem de dinheiro pode ser compreendida como o processo pelo qual o dinheiro oriundo de atividades ilícitas, em grande parte do crime organizado, consegue se desvincular de suas origens passando a ser reconhecido como proveniente de alguma atividade legalmente estabelecida, podendo, assim,
ser utilizado livremente sem constituir ilícito ou mesmo prejudicar a imagem de
seu possuidor.

O recente fenômeno da globalização aumentou, de modo significativo, a movimentação de dinheiro pelo mundo. É consensual entre os estudiosos que o processo pelo qual se efetua a lavagem de dinheiro pode ser dividido em três estágios básicos, a saber: Colocação: é a etapa em que o dinheiro obtido na atividade criminosa é colocado no sistema econômico o que pode ser feito de várias maneiras – pelo sistema bancário onde haja facilidades, pela aquisição de bens ou aplicação em empresas de fachada (ELIAS, 2005, p. 6).

Na visão de Barros (2004, p. 25),

A lavagem de capitais é produto da inteligência humana. Ela não surgiu do acaso, mas foi e tem sido habitualmente arquitetada em toda parte do mundo. A bem da verdade é milenar o costume utilizado por criminosos no emprego dos mais variados mecanismos para dar aparência lícita ao patrimônio constituído de bens e capitais obtidos mediante ação delituosa.

Castellar (2004, p. 93) conceitua que:

A legislação brasileira sobre lavagem se insere neste contexto, pois sua vinda a lume no nosso ordenamento jurídico é decorrência do Decreto nº 154, de 26/06/91, que ratificou a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, a chamada Convenção de Viena, de 20/10/88, cujo artigo 3° tem a seguinte redação:

Art. 3º Cada uma das partes adotará as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seu direito, quando cometidos internacionalmente:

b) i) a conservação ou transferência de bens, com o conhecimento de que tais bens procedam de algum ou alguns dos delitos tipificados em conformidade com o inciso a) do presente parágrafo, ou de algum ato de participação em tal delito ou delitos, com objetivo de ocultar ou encobrir a origem ilícita dos bens ou de auxiliar a qualquer pessoa que participe na comissão de tal delito ou delitos a elidir as conseqüências jurídicas de suas ações;

ii) a ocultação ou encobrimento da natureza, a origem, a situação determinada, o destino, o movimento ou a propriedade real de bens ou de direitos relativos a tais bens, sabendo que procedem de algum ou alguns dos delitos tipificados em conformidade com o inciso a) do presente parágrafo ou de um ato de participação em tal delito ou delitos.

Esta normativa internacional assinada pelo Brasil em 1988 e ratificada em 1991, assim como a aprovação em 1992, do Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico Ilícito de Drogas e Delitos Conexos, além de outros compromissos no âmbito pan-americano, foram a fonte inspiradora da nossa legislação sobre o crime de lavagem de dinheiro.

1.2 Terrorismo e o crime organizado

Vale salientar que em inúmeras ocasiões o que acontece é uma real intimidade desses dois fenômenos criminais: terrorismo e crime organizado: um se amparando no outro no intuito de obter sucesso em suas ações devastadoras.

Segundo Ferro (2010, online), o art. 288-b conceitua terrorismo como sendo:

Associação de três ou mais pessoas, estável e permanentemente, sob motivação política, social ou religiosa, para o fim de prejudicar a integridade ou a independência nacionais, subverter a ordem democrática e constitucional, intimidar pessoas, grupo ou a população em geral, influenciar a política do governo ou constranger funcionário público a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa, mediante o cometimento de atos terroristas [...].

Anzit Guerrero (2009) assevera que são inúmeras as definições utilizadas para conceituar o terrorismo, como aquele mesmo sujeito que alguns consideram terrorista por pertencer a um movimento de terror, por outros é visto como um lutador pela liberdade, membro de uma revolução, a falta de uma definição mais criteriosa obriga a uniformização de uma noção geral a ser aceita pelas nações, e neste contexto é possível conceituar o terrorismo como a prática de uma violência ilegítima e ilegal, física ou psicológica, contra pessoas ou objetos realizada para difundir intenso medo e levada a efeito por um indivíduo ou grupo organizado que opera na clandestinidade, com o intuito de menosprezar ou destruir uma determinada ordem política, social, religiosa ou cultural. Aqueles que executam tais atos pretendem impor o terror na sociedade como forma de alcançar seus objetivos.

Bobbio (1998, p. 1242) destaca três características fundamentais da forma clássica de terrorismo: a) a organização, pois o terrorismo não pode constituir em um ou mais atos isolados, sendo uma estratégia adotada por um grupo ideológico, que clandestinamente desenvolve sua luta em meio ao povo; b) o emprego de ações demonstrativas, cujos objetivos são “vingar” as vítimas do terror estatal exercido pela autoridade constituída e “aterrorizar” esta autoridade, mostrando sua capacidade destrutiva e sua sólida organização; e c) a mais ampla possibilidade de ação, pela adoção de um número cada vez maior de atentados, simbolizando o crescimento qualitativo e quantitativo do seu movimento.

Nos últimos 100 anos o terrorismo tem sido cada vez mais utilizado como forma de ação estratégica e política por grupos organizados em nome de uma causa, de uma ideologia ou de uma religião. O terrorismo, como o entendemos hoje, é considerado um instrumento de violência com fins estratégicos e políticos, patrocinado por ideologias, inclusive religiosas. No século XIX surgiu essa acepção de ação política, sendo creditada ao alemão Karl Heinzen (1809-1880), que a descreve na sua obra Das Mord. Nela, Heinzen pregava o uso da violência e de métodos que tragam pânico e terror, como bombas e envenenamento, para atingir determinados objetivos considerados fundamentais para uma causa (SUTTI; RICARDO, 2003, p. 4).

1.3 A legislação brasileira

Considerando o artigo de Aras (2009, online), utilizando-se da sua sabedoria e experiência, ressalta-se que:

O conceito de organização criminosa tem sido utilizado no âmbito processual, para a determinação de competência em razão da matéria para a tramitação de inquéritos e o julgamento de ações penais. O art. 109 da Constituição estabelece a competência dos juízes federais.
A Lei nº 5.010, de 30 de maio 1966 e o art. 11, parágrafo único, da Lei nº 7.727/89 e resoluções dos cinco tribunais regionais federais existentes no País permitem a distribuição dessa competência entre suas diversas varas, desta forma organizando a Justiça Federal brasileira.

No Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região (Sul do Brasil), as Resoluções nº 20, de 26 de maio de 2003; nº 42, de 19 de julho de 2006; nº 56, de 6 de setembro de 2006; e nº 63, de 5 de outubro de 2006, estabeleceram a competência das 2ª e 3ª Varas Federais de Curitiba/PR, da 1ª e da 2ª Varas Criminais de Foz do Iguaçu/PR, da 1ª Vara Federal de Porto Alegre/RS e da Vara Federal Criminal de Florianópolis/SC, para o processo e julgamento de crimes de lavagem de dinheiro, contra o Sistema Financeiro Nacional e praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter transnacional da infração.

Para esses crimes, a competência dos juízos federais das capitais sulistas abrange todo o território do Estado em que se situam, com exceção da subseção judiciária federal de Foz do Iguaçu/PR, na tríplice fronteira, que preserva sua competência na matéria. Essa distribuição de trabalho é acompanhada pelo Ministério Público Federal, que também reparte sua atribuição de persecução criminal em modelo similar em tais cidades ou regiões (ARAS, 2009, online).

No entanto, a principal norma processual a respeito de criminalidade organizada ainda é a Lei nº 9.034, de 03 de maio de 1995. A despeito das deficiências apontadas pela doutrina, quanto à indeterminação de conceitos e inconstitucionalidade de alguns de seus dispositivos, uma das quais já reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n. 1570-2, trata-se do único diploma que regula certos procedimentos especiais de investigação.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 9.034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. “JUIZ DE INSTRUÇÃO”. REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei nº 9.034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e §2º; e 144, §1º, I e IV, e §4º). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte (STF, Pleno, ADI 1570-2, Rel. Min. Maurício Corrêa).

Aras (2009, online) aborda que, com efeito, na parte que subsiste, a Lei do Crime Organizado regula a utilização de procedimentos de investigação e formação de provas, denominados pela doutrina internacional de técnicas especiais de investigação (TEI). São elas:

a)  a ação ou entrega controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organização criminosa, de modo que a intervenção legal se concretize no momento mais apropriado do ponto de vista da formação da prova (art. 2º, inciso II);

b)  o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais (art. 2º, inciso III), que consiste no acesso a dados fiscais e eleitorais necessários à prova de delitos praticados por organização criminosa;

c)  a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante autorização judicial (art. 2º, IV);

d) a infiltração de agentes policiais ou de inteligência em organização criminosa, mediante autorização judicial circunstanciada e sigilosa (art. 2º, V).

e)  a colaboração criminal premiada, que consiste na redução da pena de 1/3 a 2/3 daquele agente que espontaneamente colaborar para o esclarecimento da autoria e da materialidade de infrações penais praticadas por organização criminosa (art. 6º).

A disciplina sobre o acesso a dados bancários e financeiros, que também constava da Lei nº 9.034/95, foi alterada pela Lei Complementar nº 105/2001, que, em seu art. 1º,
§ 4º, prevê a possibilidade de obtenção de tais informações mediante autorização judicial:

§4º. A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:

I – de terrorismo;

II – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção;

IV – de extorsão mediante sequestro;

V – contra o sistema financeiro nacional;

VI – contra a Administração Pública;

VII – contra a ordem tributária e a previdência social;

VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores;

IX – praticado por organização criminosa.

Na ótica de Gomes (2002, online):

Se as leis do crime organizado no Brasil (Lei 9.034/95 e Lei 10.217/01), que existem para definir o que se entende por organização criminosa, não nos explicaram o que é isso, não cabe outra conclusão: desde 12.04.01 perderam eficácia todos os dispositivos legais fundados nesse conceito que ninguém sabe o que é. São eles: arts. 2º, inc. II (flagrante prorrogado), 4º (organização da polícia judiciária), 5º (identificação criminal), 6º (delação premiada), 7º (proibição de liberdade provisória) e 10º (progressão de regime) da Lei 9.034/95, que só se aplicam para as (por ora, indecifráveis) “organizações criminosas”.

1.3.1 Conceito sobre a Lei nº 9.034/95

A Lei nº 9.034/95 foi criada com base no Projeto de Lei nº. 3.516, de 24 de agosto de 1989 (Projeto de Lei nº 62/90 no Senado Federal), de relatoria do então Deputado Federal Michel Temer.

O Projeto de Lei nº 3.516/89 ao tentar tipificar organização criminosa em seu
art. 2º, elencava alguns elementos comumente aceitos como caracterizadores do fenômeno, dizendo ser organização criminosa aquela que, por suas características, demonstre a existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional e/ou internacional (GOMES, 2002, online).

Embora possa parecer insuficiente, seria uma boa ideia para o início dos debates políticos, contudo, o legislador ordinário abandonou a diretriz proposta pelo projeto e deturpando o objetivo da lei, no definiu o que seria organização criminosa, bastando para os efeitos da lei que fosse o crime resultante de ações de quadrilha ou bando, abrindo a possibilidade de que crimes de pequena monta, que em tese no estariam previstos pela lei, pudessem, assim, serem por ela tratados (Hassemer, 1993).

Ainda para Hassemer (1993, p. 65), apesar da lei, em sua ementa versar sobre as organizações criminosas, o legislador furtou-se tarefa de conceituá-las, se rendendo tradição nacional de legislar utilizando a figura tipológica do art. 288 do Código Penal, equiparando às complexas atividades exercidas pela criminalidade organizada, com a simples conduta da sociedade delituosa.

Velloso e Andrade (2012, p. 9) ressaltam:

Os efeitos dessa escolha política foram devastadores e permaneceram mesmo após a tentativa da Lei nº 10.217/2001 em corrigi-lo, conforme veremos mais a frente. Outro aspecto controverso da Lei nº 9.034/95 foi a disposição expressa em seu art. 2, inciso I que pela Mensagem n 483 foi vetada, que previa a ‘infiltração de agentes da polícia especializada em quadrilhas ou bandos, vedada qualquer co-participação delituosa, exceção feita ao disposto no art. 288 do Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal, de cuja ao se preexclui, no caso, a antijuridicidade’.

A Lei nº 9.304/95 ainda teria diversos dispositivos relativos aos sigilos fiscal e eleitoral declarados inconstitucionais pelo STF, por ferirem princípios constitucionais como o do contraditório, da publicidade, da imparcialidade do juiz e o da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais. Com relação aos sigilos bancários e financeiros, os mesmos foram revogados pela Lei Complementar 105/2001 (BELLOQUE, 2003).

A ação controlada, prevista no disposto no inciso II, art. 2º da Lei nº 9.034/95, também está definida no art. 53, da Lei nº 11.343/2006, que trata sobre o combate ao tráfico de entorpecentes.

No ano seguinte famigerada Lei 9.034/95, foi promulgada a primeira alteração de seu texto, mais especificamente em seu art. 8º, estabelecendo, por meio da Lei nº 9.303, de 05 de setembro de 1996, o prazo para o fim da instruo criminal em 81 dias quando o réu estiver preso, e de 120 dias, quando o réu estiver solto.

Após, quase três anos de edição da Lei nº 9.303/96, o legislador, em 13 de julho de 1999, por meio da Lei nº 9.807, criou-se o programa federal de assistência vítimas e testemunhas ameaçadas. A preocupação com as vítimas e as testemunhas, principalmente com as relacionadas ao crime organizado, sempre foi grande, devido ao alto poder de intimidação exercido por estas organizações (VELLOSO; ANDRADE, 2012, p. 10).

O legislador buscou com esta norma tornar eficaz o instituto da delação premiada, já que esta no beneficia somente as vítimas e testemunhas ameaçadas, mas também os acusados e condenados que venham a colaborar com a justiça.

As alterações mais sensíveis lei de combate ao crime organizado foram promovidas pela Lei nº 10.217/2001, que acrescentou novas formas de obtenção de provas como a captação e interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, bem como trouxe reformulada a figura da infiltração policial (VELLOSO; ANDRADE, 2012).

Pior, mantendo os crimes praticados por quadrilha ou bando dentro do campo de atuação da norma, faz com que todo o arcabouço excepcional que deveria ser destinado apenas para as formas mais graves de delinquência, pudesse ser utilizado para todas as espécies de crime, ferindo o princípio da proporcionalidade (VELLOSO; ANDRADE, 2012, p. 13).

1.4 A Constituição Federal de 1988

Facciolli (2003) enfatiza que no Brasil, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, tinha o Ministério Público a atribuição de representar os interesses do Poder Executivo. Tal função vai de encontro às diretrizes do órgão, o qual poderia até ser confundido com os atuais Advogados Gerais da União. A definição do que seja o Ministério Público no seio do ordenamento jurídico brasileiro pode ser encontrada no art. 127 da Constituição brasileira: é uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

A Carta Magna, em uma inovação pioneira frente a uma instituição governamental, assegurou ao Ministério Público independência funcional e administrativa, em face do disposto no seu art. 127, §§ 1º e 2º. Azevedo (2003, online) ressalta:

Ainda que não tenha personalidade jurídica, é o Ministério Público independente funcionalmente. É um órgão e não uma pessoa jurídica de direito público, possuindo responsabilidades concedidas pelo ordenamento jurídico. Seria isso uma anomalia? Entendemos que não. A fim de se manter íntegro na realização de suas funções, não pode o Ministério Público ser atrelado a qualquer dos poderes do Estado. Tendo a instituição responsabilidades, e sendo independente, seus membros respondem caso haja uma exacerbação dos mandamentos legais a si conferidos; devem ele agir de acordo com o mandamento legal e com suas próprias consciências.

Di Pietro (2001, p. 479) assevera que para admitir que um ente possua autonomia funcional (autonomia para desempenhar a sua função institucional) é mister que ele reúna, em torno de si, três pressupostos básicos: possuir regime jurídico, conforme os ditames da Constituição; uma própria dotação orçamentária, a si designada; e uma função específica por ele desempenhada, isto é, uma função peculiar.

Lins (2004, online) menciona que

As garantias ofertadas pela Constituição ao Ministério Público, e a capacidade de atuação por este coligida são as principais arenas das quais deve o Parquet se utilizar para instrumentalizar sua finalidade precípua, a defesa do ordenamento jurídico e dos interesses sociais. A Carta Magna de 1988 foi uma ruptura às antigas atribuições do Parquet. A sociedade clamava por uma instituição independente, onde o corporativismo e o jogo de interesses, ainda que existente, fosse dado lugar à defesa do legítimo interesse público, social.

Ainda segundo o autor supracitado, Havendo infração a uma norma penal incriminadora, o Estado, titular do jus puniendi, tem o dever de punir, o qual deve ser concretizado através do devido processo legal. A fim de que isso aconteça, deve o Estado colher o mínimo de elementos informativos acerca do fato. Essa colheita se faz através de procedimentos de investigação levados a efeito, normalmente, através de um inquérito policial, que seria então um “conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria” (CAPEZ, 1998,
p. 64).

Mirabete (2002, p. 88) entende ser a polícia judiciária “uma instituição de direito público, destinada a manter a paz pública e a segurança individual”. Sua atribuição em âmbito estadual é da polícia civil, e na esfera federal é da polícia federal.

Com relação às investigações preliminares, o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal brasileiro nega sua exclusividade à polícia judiciária. Tal norma foi, aparentemente, recepcionada pela Constituição brasileira, pois esta não estabeleceu que as investigações preliminares fossem feitas exclusivamente pela polícia judiciária, mas sim dispôs quais órgãos teriam atribuição de polícia judiciária.

No § 4º do art. 144, há a previsão de que, salvo exceções, a investigação criminal seja procedida pela polícia civil. Tal norma não é taxativa. As exceções existem. No inciso IV, § 1º do art. 144 da Constituição Federal de 1988, está disposto que, em âmbito federal, apenas a polícia federal pode exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, o que não ocorre com a polícia civil nos Estados-Membros da Federação (LINS, 2004, online).

“A Constituição Federal, no § 4º, do art. 144, não estabeleceu com relação às Polícias Civis a exclusividade que confere no § 1º, inciso IV, à Polícia Federal para exercer as funções de polícia judiciária” (TJRS. RT 651/313 apud AZEVEDO, 2003, online).

Em sentido contrário, insurge-se Machado (1997 apud PENTEADO FILHO, 2002, online), “para o qual a investigação policial, tal como a ação penal pública, é um monopólio e deve ser resguardada à polícia judiciária, por ser uma garantia à ordem constitucional”.

A interpretação jurisprudencial acerca da matéria recebeu uma nova perspectiva quando o STF, em decisão de 2002, acordou no sentido de que o inquérito realizado pelo Ministério Público é válido. No voto do Ministro Relator Maurício Correia, são discorridas questões acerca da interpretação conjunta do art. 144 com o art. 129, inciso IX, todos da Constituição Federal (BRASIL, 2002).

Moura (2003, online) ressalta que baseado nessas premissas, o Senado Federal, em uma tentativa de dar respaldo legal a essas reivindicações, estabeleceu no art. 4º do Projeto de Lei nº 3.731, de 16 de outubro de 1997, que:

Art. 4º. O Ministério Público, na apuração de crimes praticados por organização criminosa, requisitará procedimento investigatório de natureza inquisitiva e sigilosa, acompanhando-o, a fim de colher elementos de prova, ouvir testemunhas e, ainda, obter documentos, informações eleitorais, fiscais, bancárias e financeiras, devendo zelar pelo sigilo respectivo, sob pena de responsabilidade penal e administrativa.

1.4.1 Projeto de Lei nº 3.731/97: atribuições ao Ministério Público

O papel do Ministério Público é zelar para que o combate à criminalidade não seja estanque, intermitente. Tal desafio é perene. Sabendo das dificuldades apresentadas na realidade brasileira para tal fim, o legislador visou, no Projeto de Lei nº 3.731/97, uma maior integração entre diversos órgãos componentes da sociedade (SILVA, 2002).

É garantido ao Parquet, no parágrafo único do art. 4º do referido Projeto de Lei, acesso a informações bancárias dos investigados. O art. 7º dispõe que as autoridades fazendárias, bancárias e as da Comissão de Valores Imobiliários, quando tiverem conhecimento de indícios de atividades do crime organizado, deverão remeter, imediatamente, documentos informativos ao Ministério Público. Para que tal argumento legal seja eficaz, é necessário respeito mútuo às instituições, além de uma estruturação prática entre esses órgãos. O art. 13 traz uma norma programática nesse sentido. O projeto dispõe também que empresas de transporte possibilitarão acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público e de autoridade policial aos bancos de dados de reservas e registro de viagens, que deverão ser guardados por cinco anos. No caso das concessionárias de telefonia fixa ou móvel, elas também deverão manter os registros de identificação das ligações por cinco anos (LINS, 2004, online).

Fica demonstrado que deve haver uma preocupação com a reforma das leis penais e processuais, porém a preocupação maior é em dotar os organismos responsáveis pela investigação e persecução de melhores instrumentos para a consecução desses desideratos, além de garantir ao Ministério Público uma postura mais arrojada, a fim de que possam, juntos, coordenar tais atividades (LINS, 2004, online).

Grinover (1995, p. 29) ressalta que qualquer forma de combate ao crime organizado só poderá ser bem sucedida se houver, inicialmente, uma reestruturação das instituições. Para que isso dê certo no Brasil, faz-se necessário o abandono da postura corporativista enraizada nas instituições político-econômicas.

Entretanto, existem leis especiais que tratam a questão de forma diferente,
como é o caso da Lei nº 11.343/2006 – Lei de Drogas, que ao definir uma associação criminosa, para tráfico de entorpecentes, se contenta com a colaboração de apenas
duas pessoas.