CRIME FALIMENTAR EM FACE DE SIMULAÇÃO DE AUMENTO DE CAPITAL SOCIAL: Viabilidade de condenação de Pessoa Jurídica e dos sócios. ¹

                                                                                                          Ícaro Carvalho Gonçalves

                                                                                                                   Luane Índia do Brasil²

                                                                                                      José Humberto G. de Oliveira³

 

 

1. DESCRIÇÃO DO CASO:

ENE & ERGÚMENOS EMPREENDIMENTOS HOTELEIROS LTDA simulou aumento de capital social junto ao RNEM, simulando também despesas extraordinárias, dívidas ativas/passivas e perdas, com o intuito de se beneficiar de uma linha de crédito especial com base no novo valor do seu capital social, passando de R$ 66.666,00 para R$ 666.666,00, com quotas a integralizar. Também foi constatado aumento substancial no valor dos bens imóveis e dos equipamentos. Cerca de sessenta dias depois teve a falência decretada. Os credores alegam a prática irregular do expediente e buscam configurar a prática de crime falimentar em face da PJ e dos sócios AKI BATISTAKA, ALI BATITAMBORE E AKOLAH BATIKARTERA.

2. DESCRIÇÃO DOS PERSONAGENS RELEVANTES:

- Ene & Ergúmenos Empreendimentos Hoteleiros LTDA: Pessoa Jurídica.

- Aki Batistaka, Ali Batitambore e Akolah Batikartera: Sócios da Empresa.

- RNEM.

3. DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS E DOS ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO:

- Condenação da PJ Ene & Ergúmenos Empreendimentos Hoteleiros LTDA e dos seus sócios por crime falimentar.

- Impossibilidade de condenação da Pessoa Jurídica e seus sócios por crime falimentar.

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¹Case apresentado à disciplina de Recuperação de Empresas, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

²Alunos do 6° período vespertino, do curso de Direito, da UNDB.

³Professor orientador.

3.1 Condenação da Pessoa Jurídica Ene & Ergúmenos Empreendimentos Hoteleiros LTDA e dos sócios por crime falimentar.

A falência revela-se como um conjunto de atos ou fatos que exteriorizam, ordinariamente, um desequilíbrio no patrimônio do devedor, assim como elucida Sérgio Campinho. Tal instituto faz surgir uma série de regras, a fim de disciplinar e solucionar tal desequilíbrio que se faz sobre um estado de insolvência do devedor, que não possui um patrimônio capaz de cumprir suas dívidas. É feito através de um processo de execução coletiva instituída por força de lei em benefício dos credores. Assim, a falência é caracterizada como um processo decretado judicialmente, dos bens do devedor comerciante ao qual concorrem todos os credores para o fim de arrecadar o patrimônio disponível, verificar os créditos, liquidar o ativo, saldar o passivo, em rateio, observadas as preferências legais, como define J. C. Sampaio de Lacerda.

No processo falimentar, constituem-se os credores uma massa que tem por interesse comum o adimplemento dos pagamentos, divididos em partes iguais, impedindo assim que um obtenha vantagem em face dos outros, permitindo que todos tenham a mesma visão da situação. Na falência, os credores concorrem por força de lei e em consequência da sentença declaratória de falência. Sendo assim, arrecarda-se o patrimônio do devedor para a garantia comum de todos os seus credores, podendo ser declarada pelo próprio credor (autofalência), o que não se verifica nas execuções individuais, resultadas da  ação de um credor.

De tal modo, Amador Paes Almeida conceitua falência como um processo de execução coletiva contra o devedor empresário ou sociedade empresária insolventes, sendo assim, uma situação jurídica decorrente da insolvência do empresário, revelado pelo inadimplemento das obrigações líquidas, ou por atos inequívocos que denunciam um desequilíbrio econômico do devedor. A insolvência é a condição de quem não pode pagar suas dívidas, significando que a Pessoa Jurídica ou Física deve em proporção maior do que pode pagar, isto é, tem obrigações a pagar maior que seus rendimentos.

No caso em questão, além da impontualidade, atos ou fatos resultantes da conduta pessoal do devedor no exercício empresarial também são pressupostos para decretação de insolvência. A Lei de falências, em seu artigo 94 caracteriza a insolvência do devedor ensejando o pedido de falência quando:

b) realiza, ou por atos inequívocos, tenta realizar, com o fito de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou totalidade do seu ativo a terceiro, credor ou não.

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor.

Sendo assim, a Lei Falimentar considera em estado de insolvência o devedor que: 1) realiza ou tenta realizar negócio simulado; em conformidade com o art. 167, § 1º CC:

“Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I- Aparentarem conferirir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III- os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós- datados”.

Segundo Amador Paes de Almeida, simulação é a declaração enganosa de vontade, objetivando efeito diverso daquele ostensivamente indicado, com propósito predeterminado de violar direitos de terceiros ou disposição de lei. Assim, a simulação não corresponde à realidade, pois não existe realmente e é diverso do que foi feito.

De todo, se faz conveniente ressaltar o conceito de empresa, que é uma unidade econômica autônoma organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços com finalidade econômica. Atualmente, com a promulgação da nova Lei de Falências, o Brasil passou a adotar o sistema ampliativo (com restrições), estendendo a falência ao empresário e à sociedade empresária. A Lei falimentar não define o que se deva entender por empresário, em face do amplo conceito dado pelo Código Civil, que é a Pessoa Física ou Jurídica que exerce profissionalmente, com habitualidade e escopo de lucro atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços no mercado.

O efeito imediato da decretação de falência é o afastamento imediato do devedor de suas atividades, sendo assim, o empresário perde a administração da empresa, assim como a sociedade empresária a perde, o que implica não apenas o afastamento do administrador societário da condução dos negócios, mas igualmente a extinção do poder de os sócios de, em reunião com assembleia, deliberar sobre as atividades sociais. Sendo assim, todas as ações serão reguladas pela Lei de Falências e Recuperação de empresas, por um administrador judicial, que será intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo, como diz Gladston Mamede. Logo, todo o patrimônio econômico do devedor, empresário ou sociedade empresária tornam-se a massa falida, gerando obrigações ativas e passivas, submetidas à solução possível e legal dessa situação jurídico- econômica criada pela insolvência.

Para Mamede, na falência de sociedade empresária, o administrador judicial assumirá a representação e a condução da Pessoa Jurídica, ainda que sob forma de massa falida e em processo de liquidação judicial, incluindo seu patrimônio moral. Desse modo, nem o administrador societário, nem a coletividade dos sócios, nem qualquer sócio isoladamente, conservará poder de buscar a proteção de tais direitos, embora podendo peticionar em juízo contra o administrador judicial quando neste negligencie a obrigação de fazê-lo, faculdade que igualmente se outorga a qualquer credor. O Falido é uma das partes do processo falimentar, devendo se fazer presente em juízo, em caso de sociedade falida, serão elas representadas pelos seus administradores.

A existência dos sócios para a sociedade falida não traduz impedimento para a atuação pessoal de cada um dos sócios, por menor que seja a sua participação societária, já que é titulares de direitos patrimoniais da massa falida, podendo os sócios, inclusive peticionarem em juízo falimentar. Onde, segundo Mamede, podem ajuizar ação revogatória ou ação pedindo a desconstituição da personalidade jurídica, com efeitos sobre outro sócio, o administrador ou terceiro.

Os crimes falimentares são condutas incrimináveis pelo risco de ocorrer à falência, gerar danos aos credores. Com advento da Lei nº 11.313/2006, modificando as redações dos artigos 60 e 61 da Lei 9.099/95, é possível aplicar os benefícios previstos na Lei 9.099/95 aos delitos que são previstos com procedimento especial, como é o caso dos chamados crimes falimentares. Sendo assim, o crime falimentar é um crime contra o patrimônio, sendo que o seu objeto jurídico é o dano causado ao patrimônio dos credores, bem jurídico que está sob a imediata tutela da lei, ordenado ao interesse público. São elementos constitutivos do crime falimentar: a) a existência de um devedor que seja empresário; b) a sentença declaratória de falência; c) a fraude dolosa; d) evento de perigo para o comércio.

Segundo o Artigo 183 da Lei de Falências, a competência para instruir e julgar os crimes já relatados é do juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial. Todos os crimes vinculados aos delitos falimentares devem ser julgados no juízo de falência, podendo haver também a separação de processos caso haja concurso material, respeitando-se o rito especial do crime falimentar. Os crimes previstos na lei de falência são de ação penal pública incondicionada. Recebida a denúncia ou queixa será observado o rito previsto nos artigos 531 a 540 do Código de Processo Penal, seguindo-se o procedimento sumário.

Com base na nova Lei 11.101/2005, onde enumera no artigo 168 os crimes em espécie a partir da fraude a credores: É crime praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores com o fim de assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. O crime é passível de pena de 3 (três) anos a 6(seis) anos e multa. Podendo a pena ser acrescida de 1/6 a 1/3, se o agente:

a) Elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;

b) Omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;

c) Destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negócios armazenados em computador ou sistema informatizado;

d) Simula a composição de capital social;

e) Destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.

Diante do exposto, e de acordo com a Lei nº 11. 101/05 se houverem indícios veementes que o empresário ou o adminstrador societário cometerem o crime previsto nessa mesma lei, será ele destituído da condução da atividade empresarial, fazendo-se assim um provimento acautelatório, em decorrência dos riscos aos interesses das partes envolvidas no processo. A simulação apresenta-se com elementos essenciais, como: a) é falsa declaração bilateral de vontade, b) é sempre combinada com a outra parte, c) é feita com a intenção de iludir terceiros. Apenas se fazem qualificadoras as ações simuladas se o ato tem por objetivo prejudicar o interesse dos credores.

No caso em questão é viável a condenação da Pessoa Jurídica e seus sócios por crime falimentar em face de simulação do aumento do capital social, uma vez que este crime apresenta-se na legislação e até ser apresentado a petição de recuperação judicial serão afastados da condução da atividade empresarial o administrador que simulou com o intuito de se beneficiar de uma linha de crédito especial com base no novo valor do seu capital social, passando de R$ 66.666,00 para R$ 666.666,00, com quotas a integralizar.

 

 

3.3. Impossibilidade de condenação da Pessoa Jurídica e seus sócios.

Diante do caso, em face das situações jurídicas possíveis para esse crime, é cabível uma retratação penal e cível, onde há destituição da condução da atividade empresarial, permitindo a antecipação dos efeitos cíveis da tutela penal, justificada pelos interesses da empresa e dos credores. Portanto não se exige que a destituição do empresário ou administrador societário, neste caso demonstre a prática inequívoca de crime previsto na Lei 11.101/05, como que antecipar o provimento judicial penal.

O Juiz apenas verificará se há indícios suficientes de ter havido ta prática com tais elementos. Uma vez que se deve atender à Lei, em se art.64, caput, que erige em regra geral, em comportamento habitual, serem mantidos na condução da atividade empresarial, durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores. Por fim, como elucida Mamede, a manutenção do empresário ou do administrador societário na condução da atividade empresarial faz-se na presunção de que sua intenção é a preservação da empresa e, com ela, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhos e dos interesses dos credores. Comprovado que agiu, mesmo antes do aforamento do pedido, ou que está agindo com dolo, situação ou fraude ( artigo 64,III).

A verificação de atos que caracterizem dolo, fraude ou simulação, quando não tem por finalidade prejudicar credores, não autoriza a destituição dos administradores, já que não se encartam na previsão legal. Diante disso, os sócios são diretamente afetados pela decretação da falência, deixando de exercer seus poderes e deliberarem sobre o futuro da atividade empresarial, retirando-se inclusive a quota até a conclusão do procedimento, e se fizer extinta a sociedade empresária, extintos serão também os direitos societários. Não podendo assim, os sócios exercerem o direito de recesso, retirando-se da sociedade, porém podem ceder suas ações ou quotas. Destarte, ao cessionário pela pessoalidade não poderá responder, nem solidária, nem subsidiariamente, por uma eventual condenação ao cedente, não se altera com a eventual cessão do título.

Por fim, segundo Waldo Fazzio Júnior, a sentença declaratória de falência deflagra mecanismos processuais destinados a alcançar atos do devedor prejudiciais aos interesses dos credores praticados na iminência da quebra. Para a lei, pouco importa se a discriminação de credores é determinada pela pressão dos favorecidos ou resultado da própria vontade do devedor. Tal mecanismo, segundo ele fere o princípio da par conditio creditorium. Se o ato atacado for praticado antes da decretação de falência, mas no seu termolegal ou, excepcionalmente, no biênio que antecede a quebra, ou será ineficaz ou revogável. O marco divisório, pois é a sentença declaratória de falência.

4. CRITÉRIOS E VALORES CONTIDOS EM CADA DECISÃO:

Os critérios e valores contidos para a condenação da Pessoa Jurídica e seus sócios por crime falimentar em face de simulação do aumento do capital social, está previsto legalmente como crime na Lei 11.101/2005, onde enumera no artigo 168 os crimes em espécie a partir da fraude a credores: É crime praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores com o fim de assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Onde mesmo afastado, aquele que estava à frente da administração da sociedade ao tempo da falência ainda estará sujeito a persecutio criminis, a uma série de obrigações que não estão diretamente ligadas À Pessoa Jurídica para o adimplemento de seus débitos recorrentes.

Os critérios e valores utilizados para salvaguardar a impossibilidade de condenação da Pessoa Jurídica e seus sócios estão contidos na legislação infringente e ainda mais no que cerne os efeitos da inabilitação dessa Pessoa Jurídica, pouco importa se a discriminação de credores é determinada pela pressão dos favorecidos ou resultado da própria vontade do devedor. Ainda assim, é salutar ressaltar que tal simulação foi feita antes mesmo da decretação da falência, o que pra termos legais, caberia entrar com recursos a fim de se regularizar tal situação.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresas: o novo regime de insolvência empresarial. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

FAZZIO, Júnior, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. 3ed. São Paulo: atlas 2006.

LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de Direito Falimentar. 14 ed. Ver e atual./ por Jorge de Miranda Magalhães. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.

MAMEDE, Gladston. Falência e Recuperação de Empresas. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

RAMOS, André L. Santa Cruz. Direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. vol. 3. São Paulo: Atlas, 2011.