DIREITO AMBIENTAL - CRIME AMBIENTAL: CORTE DE ESPÉCIMES DA FLORA NATIVA

                                                                                                                     Jorge Clecio de Moraes Dias[1]

1.     Introdução

 Os crimes ambientais em suas diversas modalidades possuem características de difícil apuração, haja vista o extenso rol de legislações aplicadas à matéria e da eficácia da produção da prova material referente à lesão aos bens ambientais tutelados. Também há em nosso sistema algumas dúvidas sobre as atribuições relativas à apuração e fiscalização dos delitos ambientais concernentes aos diversos órgãos existentes na administração pública, v.g., IBAMA, Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar Ambiental, dentre outros. A destruição de espécimes da flora nativa de Mata Atlântica, ameaçada de extinção e com previsão na Lei dos crimes ambientais, Lei nº. 9.605/98 é um exemplo bem característico da dificuldade da apuração criminal. Assim é necessário um trabalho de investigação centrado na produção da prova e no conhecimento da legislação.

 

Discorreremos especificamente sobre o delito de supressão de espécimes pertencentes aos biomas de Mata Atlântica, na qual estão inseridas às áreas de preservação permanente em nosso estado, com ampla previsão no Código Florestal, Lei nº. 4.771/ 65, assim: são caracterizadas áreas de preservação permanente:

 

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

 

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº. 7.803 de 18.7.1989);

 

1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10(dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

2 - de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham

de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº. 7.803 de 18.7.1989) 5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou

artificiais;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de

mangues;

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. (Redação dada pela Lei nº. 7.803 de 18.7.1989)

 

  1. 2.     Crime contra espécimes de áreas de Preservação Permanente

 

O código Florestal conceitua área de preservação permanente, em seu artigo 1°, §2°, inciso III, como sendo a "área protegida nos termos dos arts. 2 e 3 desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas". Assim, o preenchimento do conceito de área de preservação permanente é do âmbito do interesse local, oriundo de uma aferição técnica, sendo, por conseguinte de competência também, do município, para restringir, quando necessário, a possibilidade de depredação.

O município pode, por exemplo, certificar tecnicamente que em prol da preservação daquela área é necessário ampliar-se o limite métrico estabelecido pelo Código Florestal como Área de Preservação Permanente. Ainda, caracterizam-se como de preservação permanente:

 

Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras;

b) a fixar as dunas;

c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;

e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;

g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;

h) a assegurar condições de bem-estar público.

§ 1° A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.

§ 2º As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao regime de preservação permanente (letra g) pelo só efeito desta Lei.

Art. 3o-A. A exploração dos recursos florestais em terras indígenas somente poderá ser realizada pelas comunidades indígenas em regime de manejo florestal sustentável, para atender a sua subsistência, respeitados os arts. 2o e 3o deste Código. (Incluído pela Medida Provisória nº. 2.166-67, de 2001).

 

Tendo em vista que o órgão competente para estabelecer as normas regulamentadoras sobre a política do meio ambiente é o CONAMA, então vejamos o que dispõe a Lei nº. 6.938/81:

 

 

Art. 8º Compete ao CONAMA: (Redação dada pela Lei nº. 8.028, de 1990):

I - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo

IBAMA; (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios:(...)

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...)

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

§1. ° No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-à a estabelecer normas gerais.

§2. ° A competência da União para legislar sobre normas gerais

não exclui a competência suplementar dos Estados As áreas de preservação permanente e as reservas legais são formas de proteção jurídica especial das florestas nacionais. Ambas foram

instituídas pelo Código Florestal brasileiro. Os artigos 2° (sua redação original foi alterada pela Lei n° 7.803/89) e 3° criaram as denominadas áreas de preservação permanente.

 

Desta forma, foi editada a resolução nº. 278, de 24 de maio de 2001, na qual o CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE-CONAMA, no uso das competências que lhe são conferidas pela Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto nº. 99.274, de 6 de junho de 1990, e tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, anexo à Portaria nº. 326, de 15 de dezembro de 1994, e considerando que o bioma Mata Atlântica é patrimônio nacional, nos termos do § 4º do art. 225 da Constituição, e que o uso de seus recursos naturais deve ser feito de forma a preservar o meio ambiente, vejamos:

 

        Resolução nº. 278, de 24 de maio de 2001

 

Considerando o que dispõe o art. 19 da Lei no 4.771, de 15 de setembro de1965, e os arts. 2º 7º e 12 do Decreto nº. 750, de 10 de fevereiro de 1993;

Considerando que é prioridade garantir a perenidade, a conservação e a recuperação de espécies nativas da Mata Atlântica;

Considerando a situação crítica atual das espécies da flora ameaçadas de extinção, agravada pela intensa fragmentação do bioma Mata Atlântica, que compromete o necessário fluxo gênico;

Considerando a inexistência de informações científicas consistentes que assegurem o adequado e sustentável manejo das espécies da flora ameaçadas de extinção, resolve:

Art. 1º Determinar ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, a suspensão das autorizações concedidas por ato próprio ou por delegação aos demais órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente-SISNAMA, para corte e exploração de espécies ameaçadas de extinção, constantes da lista oficial daquele órgão, em populações naturais no bioma Mata Atlântica, até que sejam estabelecidos critérios técnicos, cientificamente embasados, que garantam a sustentabilidade da exploração e a conservação genética das populações exploráveis.

Parágrafo único. O CONAMA apresentará, no prazo de um ano, prorrogável por igual período, proposta para a fixação de critérios técnicos e científicos para cada espécie, referidos no caput deste artigo.

Art. 2º A exploração eventual, sem propósito comercial direto ou

Indireto, de espécies da flora nativa ameaçadas de extinção, para

consumo nas propriedades rurais ou posses de povos indígenas e populações tradicionais poderá ser autorizada quando não houver possibilidade de uso de outras espécies e desde que respeitadas as seguintes diretrizes:

I - retirada não superior a quinze metros cúbicos por propriedade ou posse, no período de cinco anos;

II - prioridade para o aproveitamento de exemplares de árvores mortas ou tombadas por causas naturais; e

III - retirada não superior a vinte por cento do estoque dos exemplares adultos;

§ 1º O requerimento para efeito de autorização para corte eventual, de que trata este artigo, deverá conter dados de altura, diâmetro à altura do peito-DAP, volume individual e total por espécie, relação das árvores selecionadas, previamente identificadas com plaquetas numeradas, e justificativa de utilização.

§ 2º A autorização terá prazo de validade de sessenta dias, podendo ser prorrogado, excepcionalmente, por mais trinta dias, mediantejustificativa.

§ 3º A autorização será emitida após vistoria técnica do órgão ambiental responsável.

Art. 3º O IBAMA promoverá, a cada dois anos, a revisão e atualização das listas oficiais de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção.

Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.

 

As Áreas de Preservação Permanente e as destinadas à Reserva Legal, são formas de proteção jurídica especial das florestas nacionais. Assim, não podem sofrer interferência, exploração, a não ser que o órgão estadual competente autorize e fiscalize, e desde que se tratem de casos de utilidade pública ou de interesse social. Em síntese, as Áreas de Preservação Permanente e as de Reserva Legal – visam à proteção jurídica das florestas brasileiras - diferem entre si, basicamente, no que diz respeito à dominialidade, pois aquelas incidem sobre o domínio público e privado e estas apenas sobre o privado, já que a propriedade particular é a única que poderá, mediante autorização, ser objeto de exploração. Então vejamos, se o agente agiu conforme o fato subsumido na legislação penal ambiental tipifica-se tal conduta como delito ambiental:

 

LEI Nº. 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências:

 

                                          Seção II

                             Dos Crimes contra a Flora

Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

 

Com amparo nos regramentos supracitados e em consonância com a lista oficial de árvores ameaçadas de extinção editada pela Portaria Nº. 37-N, de três de abril de 1992, poderemos perceber que ao se suprimir um espécime da flora relacionada na listagem do órgão competente (IBAMA) vislumbra-se a prática do crime em si, sendo necessária a colheita da prova material e a verificação do espécime através de laudo pericial com a finalidade de uma correta aplicação da punição inerente prevista na Lei dos crimes ambientais, v.g, o corte ou destruição de árvore do espécime “canela”, situada em área de preservação permanente, eis que a lista assim a classifica:

 

           Lista Oficial de Flora Ameaçada de Extinção

 

Através da Portaria Nº. 37-N, de 3 de abril de 1.992, o IBAMA torna pública a Lista Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçada de Extinção:

Espécies marcadas com asteriscos (*) estão provavelmente extintas. Estas espécies não foram encontradas na natureza nos últimos 50 anos.

Licania indurata Pilger. CHRYSOBALANACEAE. Nome popular: ”milho-cozido”. (São Paulo). Categoria: Em perigo (E);

Lomatozona artemisaefolia Baker. COMPOSITAE. (Goiás). Categoria: Rara (R);

 Lychnophora ericoides Mart. COMPOSITAE. Nome popular: “arnica”, “candeia” (Goiás, Minas Gerais, São Paulo). Categoria: Vulnerável (V);

Ocoteca basicordatifolia Vattimo. LAURECEAE. (São Paulo). Categoria: Rara (R);

Ocoteca catharinensis Mez. LAURECEAE. Nome popular: ”canelapreta”. (São Paulo, Paraná, Santa, Catarina, Rio Grande do Sul). Categoria: Vulnerável (V);

“louro-de-inhamuhy”, “sassafráz”. (Amazonas). Categoria: Vulnerável (V); Ocoteca langsdorffii Mez. LAURACEAE. Nome popular: “canelinha”. (Minas Gerais). Categoria: Vulnerável (V);

Ocotea porosa (Nees) Barroso. LAURACEAE. Nome popular: “imbuia”. (São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul). Categoria: Vulnerável (V);

 Ocotea pretiosa Mez. LAURACEAE. Nome popular: “canelasassafráz”. (da Bahia até o Rio Grande do Sul). Categoria: Em perigo (E).

 

 

Por fim, infere-se que mediante confirmação pericial de referida espécime constar no rol de árvores ameaçadas de extinção e situada em área de preservação permanente, estaria configurado o delito previsto na lei dos crimes ambientais. Lembrando sempre que o direito ambiental como preceitua a doutrina é um direito de terceira geração, de caráter transindividual, referentes a uma coletividade não determinada, sendo assim a degradação ambiental da flora projetará reflexos em toda estrutura local, regional ou até mesmo mundial dependendo da grandeza do dano gerado.

 

  REFERÊNCIAS

Lei nº. 4.771/65. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em 11.05.2010 às 16h29min;

 

Lei nº. 6.938/81. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em 11.05.2010 às 16h50min;

 

Resolução nº. 278, de 24 de maio de 2001. Disponíveis em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res01/res27801.html>. Acesso em 11.05.2010 às 16h25min;

 

Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm>. Acesso em 11.05.2010 às16h21min;

 

Portaria Nº. 37-N, de três de abril de 1992. Disponível em: <http://www.rnambiental.com.br/downloads/portarias/37.pdf>. Acesso em 11.05.2010 às 16h15min.



[1]   Bacharel em Direito - Pós-Graduação – UNISUL/SC