CRIANÇAS NÃO PENSAM... APENAS IMITAM...

Por uma prática pedagógica e avaliativa que liberte e não aprisione! 

Por: Profº. Fernando Corrêa. * 

RESUMO: A escola é o espaço responsável para mediar de forma sadia, intensa e equilibrada as características do universo infantil. Com isso, deve-se vencer o pensamento pedagógico que considera as crianças ou nossos alunos, não como sujeitos dentro do processo de ensino-aprendizagem e de uma sociedade em constante movimento, mas como meros receptores de conhecimentos e conteúdos. Isso nos remete a uma nova postura frente à prática pedagógica e também ao método avaliativo que se pretende, uma vez que a primeira está para a segunda e vice-e-versa. Para tanto, resta-nos indagar se realmente o público ao qual queremos educar e, por conseguinte avaliar é depositário da capacidade real do pensar, ou o de simplesmente imitar aquilo que vê ou ouve, mas que não sente e nem cria algo novo daquilo que se apresenta diante de si no mundo no qual vive. 

PALAVRAS-CHAVES: escola – mediar – prática – avaliar – pensar – imitar. 

ABSTRACT: The school is the field responsible for mediating in healthy, balanced and intense way the characteristics of the infant universe. Therefore you should vanquish the pedagogical thinking that considers children or our students, not as subjects in the process of teaching and learning and a society in constant motion, but as mere receivers of knowledge and content. This takes us to a new posture that relation to teaching practice and also the evaluative intended's method, once the first is for the second and the opposite too. So, we must ask if the public whom we wuant to educate and assess have he real capacity to think and simply imitate what they see or hear, but don't of feel or create something new about what is represented ahead them in the world which they live. 

KEY WORDS: school – mediate – practice – assessing – to think – to imitate. 

            Falar de crianças é vislumbrar todo um universo infantil, é lembrar que crianças brincam, choram, sorriem, correm, machucam-se, gostam de cores diversificadas e querem confiar, aprender e que tem muito a nos ensinar – nós os adultos. Não obstante a essa realidade, encontra-se a escola, espaço preponderantemente responsável para que tudo isso seja vivenciado de forma sadia, intensa e equilibrada. Espaço educacional que, por sua vez, não somente deve criar a oportunidade para essa vivencia, mas mais do que nunca, deve avaliar os resultados que advém da dinâmica dos indivíduos que estão aos seus cuidados. Nesse sentido, emerge uma problemática a ser vencida quanto ao pensamento equivocado que tenciona avaliar os pequenos sujeitos sociais dessa escola, considerando-os como objetos de reprodução de conhecimentos adquiridos, ou simplesmente 'imitadores'. Tal emergência, por sua vez, sugere a superação de um período histórico onde imperava uma concepção de Educação caracterizada como produto, já que os modelos a serem alcançados eram pré-estabelecidos em função de alvos institucionais, ignorando-se o processo gradual e equitativo do aluno, onde a transferência da aprendizagem dependia do treino, sendo imprescindível a retenção, a memorização, para que o mesmo respondesse a situações novas de forma semelhante às situações anteriores.

            Esta pedagogia revela uma redução do processo educativo, ignorando os sujeitos que dele fazem parte como agentes, não apenas como mero receptores, assistentes de um processo que lhes é alheio

 

...toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto do homem concreto a quem queremos educar (ou melhor dito: a quem queremos ajudar a educar-se). Faltando uma tal reflexão sobre o homem, corre-se o risco de adotar métodos educativos e maneiras de atuar que reduzem o homem à condição de objeto. (...) Para ser válida, a educação deve considerar a vocação ontológica do homem – vocação de ser sujeito – e as condições em que ele vive: em tal lugar exato, em tal momento, em tal contexto. (FREIRE, 1980. p. 33-34).

 

            Logo, ter a criança como sujeito da realidade educacional requer que a vejamos como agente participativo dentro do processo de ensino-aprendizagem e de uma sociedade em constante movimento. Essa compreensão pedagógica, inevitalvemente, faz-nos apreciar um paradigma que principia na avaliação de que se realmente o público ao qual queremos educar e, por conseguinte avaliar é depositário da capacidade real do pensar, ou o de simplesmente imitar aquilo que vê ou ouve, mas que não sente e nem cria algo novo daquilo que se apresenta diante de si no mundo no qual vive.

            Imitar é arte, mais entenderemos o termo aqui não em sua plenitude, ou seja, não como, por exemplo, uma manifestação mimética intuída por Aristóteles em sua obra 'A Poética', mais como a simples reprodução automática e técnica daquilo que se observa externo a si mesmo e que por vezes internamente não se preserva e não representa nada. Ora, ninguém é uma ilha em si mesmo, “...ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte”.   (FREIRE, 1993. p. 79). É por isso que a prática pedagógica não deve impor aquilo que se deve conhecer e muito menos como esse conhecimento deve ser absolvido quando se entende que os indivíduos são por natureza diferenciáveis e desiguais, não em sua essência de humanos, mas dentro de seu próprio esquema cognitivo dependente da interação com o outro que está à sua volta.

            Quando se caracteriza uma criança como imitadora da realidade, ou seja, que nada acrescenta naquilo que observa que não reflete que não interage com o meio com ideias próprias, a desvaloriza-se por completo, deixando-a sem espaço para buscar sua autonomia, pois não a compreende como um sujeito em desenvolvimento, nem mesmo como humano e sim como espelhos que refletem somente aquilo que se lhe é imposto, inerte e que por vezes é usado para refletir a performance de seu professor ou de sua professora, o seu nobre talento, a sua astúcia em ensinar e a sua bela imagem frente a uma respectiva instituição educacional.

...uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente ele é capaz de tornar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do objeto para admirá-lo. Objetivando ou admirando – admirar-se se torna aqui no sentido filosófico – os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade objetivada. É precisamente isto, a “práxis humana”, a unidade indissolúvel entre minha ação e minha reflexão sobre o mundo... (FREIRE, 1980. p. 25-26).

 

            As crianças não podem ser vistas como imitadoras de uma realidade na qual elas interferem, embora sejam crianças e pensem o meio no qual vivem e atuem no espaço que se encontram, nessa condição, não deixam de ser sujeitos. A criança é capaz de objetivar aquilo que está à sua volta refletindo, admirando e interferindo na realidade com suas ações. Essa compreensão implica, por conseguinte, na necessidade demasiadamente enfatizada de se considerar o método de educar e avaliar nossas crianças a partir de sua condição de sujeitos:

 

... se a vocação ontológica do homem é a de ser sujeitos e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre suas condições espaço-temporais, introduz-se, de maneira crítica. Quanto mais for levado a refletir sobre sua situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal, mais “emergerá” dela conscientemente “carregado” de compromisso com sua realidade, da qual, porque é sujeito não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais. (FREIRE, 1979. p. 61).

 

                Ao interpretar a criança, ou o aluno, como objeto, não estamos intencionando sua libertação, mas estamos sim o domesticando, adaptando-o e, por fim, tornando-o incapaz de produzir algum tipo de pensamento sobre aquilo que se está conhecendo da realidade.  E, nesse sentido, liberdade “é uma conquista e não uma dádiva; ela exige uma pesquisa permanente. Pesquisa permanente que só existe no ato responsável daquele que a realiza. Ninguém possui a liberdade, como condição para ser livre; ao contrário, luta-se pela liberdade porque não se a possui...”. (JORGE, 1979. p. 72). A criança é capaz de refletir e lutar pela sua liberdade, mas à sua maneira. Não é, por exemplo, pelo fato de não discutir política como os adultos que ela não saiba o que seja política, não é porque uma criança não reflete o motivo das guerras da maneira como refletimos que elas não querem que estas acabem e assim por diante. O educador não deve de maneira nenhuma agir como um inquisidor do conhecimento, mas como um mediador, que não subestime o aluno naquilo que ele é capaz de produzir partindo de seu potencial e de sua característica etária. É assim que se deve intuir a ação avaliativa dentro do processo educacional, onde a prática docente medie a criança como criança, que vive num mundo infantil mais que se potencializa como gente grande.

            Avaliar uma criança dentro do processo de ensino-aprendizagem não é somente imputar-lhe notas, ou requerer resultados 'iguais', mas sim, buscar sua promoção equitativamente como agente social em sua situação contextualizada:

 

...o que significa, então, promover o homem? Significa tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transformando-a no sentido de uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração entre os homens. Trata-se, pois, de uma tarefa que deve ser realizada. Isto nos permite perceber a função da valoração e dos valores na vida humana. Os valores indicam as expectativas, as aspirações que caracterizam o homem em seu esforço de transcender-se a si mesmo e à sua situação histórica; como tal, marcam aquilo que deve ser em contraposição àquilo que é. ( SAVIANI, 1991. p. 41).

 

            Enfim, é de suma importância a fuga de uma pedagogia que teime em colocar o professor como o centro do processo educativo, cuja missão se restringe à transmissão dos conteúdos onde os conceitos sejam recebidos através da repetição de exercícios sistemáticos, onde todos seguem o mesmo ritmo de trabalho, estudam os mesmos livros-textos, o mesmo material didático, adquirindo-os mesmos conhecimentos. 

            Contrapondo-se à visão de que as crianças são seres reprodutores e não produtores de pensamentos sobre a realidade na qual vivem, faz-se urgente atentar a uma pedagogia mais humana e real onde a práxis docente ao educar e avaliar seus alunos não seja o de um simples itinerário fixo e rígido, mas que seja o de mediar na flexibilidade circunstancial e contextual os conhecimentos que paulatinamente se estruturam em suas brilhantes mentes.

 

 

Referências:

 

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação - uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. Tradução de: Kátia de Mello e Silva. 2. ed. São Paulo: Moraes, 1980.

 

______. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra S/A., 1979.

 

______. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993.

 

JORGE, J. Simões. A ideologia de Paulo Freire. São Paulo: Loyola, 1979.

 

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1991.


*    Especialista em Metodologia do Ensino da Filosofia na Educação Básica, Graduado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Eurico de Mello e Licenciado em Pedagogia - Faculdades Opet. Atualmente atua como professor nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Ministra palestras para pais e colabora na Capacitação Profissional de professores e profissionais da área da Educação. Participa do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino de Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected]