Edson Silva

É bem possível que parte da chamada elite brasileira esteja "chocada" com cenas fortes de um viciado em crack, apresentadas em horário nobre, que invadiram salas das classes de A a Z deste país, mas por meio de novela da TV Globo. Vale ressaltar a magnifica interpretação do ator Cauã Reymond, que entra no apartamento de luxo da família de classe alta, pedindo ajuda ao pai, um empresário totalmente politicamente incorreto- será que isso é praxe ?- que o enxota aos pontas pés, dizendo para não envergonhá-lo e que fosse morrer nas ruas.

Embora a cena foi ficção, estamos falando de realidade já presente na classe alta, a que tem condições de bancar tratamento do viciado, nem que seja para não sentir-se envergonhada diante do resto da sociedade. Mas, para ver a cena que a novela mostrou nem precisa TV, basta caminhar pela maioria das cidades ou olhar da janela e ver adultos, jovens e até crianças usando crack. Lógico que a aparência de zumbis não deixam identificar, embora haja, se algum é ou foi milionário, pois no resumo dessa ópera dos mortos, todos são ou acabam miseráveis.

O pior de tudo é ver que no estado de São Paulo, por exemplo, candidatos que passaram e saíram de administrações se vangloriam de fantasiosos índices estatísticos da segurança, educação ou saúde e dizem que agora enfrentarão a questão do crack, criando clínicas para viciados, quando sequer tratam de milhões e milhões de outros doentes que procuram o sistema público de saúde. Quem querem enganar ? Será que a novela terá de mostrar que existe também crime organizado agindo, algo que durante anos foi ignorado pelos mesmos governantes que agora vêem que crack existe?

Lembro-me, nos anos 80, fiz a primeira matéria de apreensão de crack, em Campinas. A droga era problemática na América do Norte, mas havia certa "vista grossa" das autoridades, pois naquele país marcado de preconceito racial, a droga afetava mais guetos de maioria moradora da raça negra e imigrantes, nada que pudesse por em risco o modo americano de viver, como se dizia.

Hoje, e não apenas pela novela das oito, a epidemia de crack invadiu ruas da maioria dos países, entrou nas salas e quartos sem escolher classes sociais e mesmo assim nada se faz de concreto, pelo menos é o que sinto em São Paulo, terra onde há 20 anos os mesmos governantes dizem que tudo corre bem: Que a escola pública ensina bem; professor é bem pago; a saúde e os hospitais são bons; dizem que as estradas são boas, sem falarem dos altos pedágios e dizem até que existe segurança pública. Será que é outra novela?

Edson Silva, 48 anos, jornalista, nasceu em Campinas e trabalha com assessor de imprensa em Sumaré
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