Crack “e a cegueira da visão”

 

Edson Silva

 

Não é segredo para meus amigos, principalmente os que trabalharam comigo a minha admiração pela obra do saudoso roqueiro baiano Raul Seixas, morto precocemente em 1989. Para o título deste texto utilizei a frase: “... e a cegueira da visão”, do grande sucesso do Raulzito: “Gitá”, de 1974, mas minha intenção primeira não é escrever mais uma homenagem ao Raul. Considero que a frase em questão é mais uma constatação do estado de omissão generalizada pelo qual passa a sociedade.

 

Precisou uma equipe de televisão filmar e divulgar em rede nacional homens, mulheres (inclusive grávidas) e crianças fumando crack em plena luz do dia, em uma praça de Campinas, para que todos enxergassem o que viam diariamente. Antes do crack, que é traficado ilegalmente, sempre houve a pinga dos andarilhos vendida em qualquer bar ou a cola de sapateiro de meninos de rua, que “misteriosamente” chegava a eles para o consumo, embora a venda legal deveria ser apenas para profissionais dos calçados e bolsas. Tudo era visto e registrado, mas ignorado pela “cegueira da visão”.

 

Em meados dos anos 80, lembro-me de ter feito reportagem para rádio sobre a primeira apreensão de crack ocorrida em Campinas. Era uma droga que se espalhava nas classes menos favorecidas da América do Norte, uma perigosa novidade que chegava ao Brasil e que se tornaria a verdadeira epidemia da atualidade, que atinge crianças, jovens e adultos, sendo que inicialmente foram os menos favorecidos das ruas e prisões, mas que se pode afirmar hoje que a droga tem sido pesadelo para toda sociedade, indiferentemente de classe social, nível de escolaridade ou qualquer outra forma estipulada de divisão da raça humana.

 

Depois que uma TV mostra o problema, então ocorre a comoção que devei durar até que outro fato de repercussão seja mostrado. Surgem teorias técnicas, leigas e populares, como a que a Polícia “prende e solta”, lembramos que a Polícia quando prende quem manda soltar é a Justiça, aliás normalmente porque houve “brechas” que permitiram a soltura, tudo garantido em lei. Se a Polícia não prende em determinada situação o que pode ter ocorrido é uma omissão ou conivência, tudo que pode e deve ser rigorosamente investigado antes de alguma conclusão.

 

Agora, uma coisa é certa, se não há condição de se tratar os viciados, que são vítimas, é preciso sim tomar providências imediatas, mesmo que sejam paliativas e isto as Polícias Militar e Civil e as Guardas Municipais podem fazer, desde que a Justiça (Ministério Público e Magistrados) dêem respaldo. Não precisa bater em ninguém, não precisa arbitrariedade, ta vendendo droga prende em flagrante por tráfico, ta comprando? Apreende e destrói a droga, apresenta o viciado em alguma repartição, seja policial, de assistência social, médica, ou outra que valha, enfim ! Seria mais e mais drogas ilegais tiradas de circulação, o que irá, acredito, diminuir o problema.

 

Mas, confesso que não sou otimista em relação ao fato se há ou não intenção de que a situação seja resolvida. Afinal, lembro que em 1976 houve a reforma da Lei de Entorpecentes, quando em linhas gerais definiu-se, entre outras coisas, que os acusados de tráfico, seja o que estivesse vendendo uma pequena porção de droga ou aqueles presos com milhares de quilos não podiam sequer ter o nome divulgado na imprensa, o estranho é que restrição semelhante não se faz ao pai ou mãe de família detidos ao furtarem um pão para o filho... vá entender ?!          

 

Edson Silva, 48 anos, jornalista da Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Sumaré

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