É interessante traçar paralelamente a esta análise o contexto histórico no qual se instituiu as ações afirmativas e se discutir, sobretudo, o sistema de cotas, pois quase cinqüenta anos após a abolição da escravatura é um assunto pertinente e necessário, ademais outrora, Paulo Duarte, importante intelectual paulista, escrevia em 1947: "O Brasil quer ser um país branco e não um país negro pela miscigenação".
A expressão: Ações afirmativas tem origem nos Estados Unidos, local que ainda hoje se constitui como importante referência no assunto. Nos anos 60, os norte-americanos viviam um momento de reivindicações democráticas internas, expressas principalmente no movimento pelos direitos civis, cuja bandeira central era a extensão da igualdade de oportunidades a todos. No período, começam a ser eliminadas as leis segregacionistas vigentes no país, e o movimento negro surge como uma das principais forças atuantes, com lideranças de projeção nacional, apoiado por liberais e progressistas brancos, unidos numa ampla defesa de direitos. É nesse contexto que se desenvolve a idéia de uma ação afirmativa, exigindo que o Estado, para além de garantir leis anti-segregacionistas, viesse também a assumir uma postura ativa para a melhoria das condições da população negra.
No início do século XX o governo brasileiro subsidiou a vinda de imigrantes europeus, com o objetivo vergonhoso de embranquecer a nação. Para elite brasileira, os negros seriam incapazes de produzir cultura e conhecimento porque sua inferioridade estava cientificamente comprovada. Segundo eles (a elite brasileira), seria impossível construir uma nação avançada com tantos negros.
Foram 350 anos de trabalho escravo, exploração e humilhação. Não roubaram apenas a dignidade do negro, roubaram-lhe a sua história e sua referencia de vida. Um mal que perdura até os dias atuais.
O racismo no Brasil é alimentado na sutileza dos detalhes do cotidiano. Na maioria das vezes, ocorre de forma escamoteada, imperceptível, quase invisível. Na televisão à mulher negra estão reservados os papéis de empregada doméstica ou mulher de bandido, que geralmente também é negro. Nas raras vezes que é protagonista, é ela que se ajoelha perante o branco, se humilha e leva tapa na cara. Aos homens negros estão reservados os papéis de motorista, jardineiro, feirante, escravo (salvo quando a telenovela é de época), malandro, viciado e ladrão.
O Maranhão tem mais de 1.700.000 jovens negros na faixa etária de 10 a 24 anos. Destes, 240 mil são analfabetos; 850 mil, na faixa etária de 19 a 24 anos não conseguem ter acesso a Universidade pública.
Segundo publicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas ? Ibase, a quantidade de negros formados no ensino superior em 2008 era menos da metade dos brancos formados em 1998, dez anos antes. Estudos comprovam que em todas as esferas socioeconômicas, estudantes negros têm, em média, menor rendimento de aprendizado em relação aos estudantes brancos. Segundo o antropólogo Kabengele Munanga, o preconceito incutido na cabeça do professor e sua incapacidade em lidar profissionalmente com a diversidade, somando-se ao conteúdo preconceituoso dos livros e matérias didáticos e às relações preconceituosas entre alunos diferentes ascendências étnico-racias, socias e outras desestimulam o aluno negro e prejudicam seu aprendizado.
Adiciona-se esse contexto a falta de referencia no corpo docente das universidades e encontraremos um forte fator inibidor para o ingresso do negro nos cursos superiores. O número de professores (as) negros (as) nas universidades não chega a 1%%. Estudo realizado pelo professor José Jorge de Carvalho, da UnB, revelou que em seis das universidades mais prestigiadas no Brasil: USP, Unicamp, UFMG, UFMGS e UnB, do total de 15.866 professores (as), somente 64 são negros (as), o equivalente a 0.4% do total, isto é, não chega a meio percentual.
As universidades brasileiras, segundo dados do Censo educacional de 2005, realizam mais de 330 mil matriculas. Desse total, apenas 2,5% são reservadas para estudantes negros, através de diferentes programas de ação afirmativa, incluindo aí, as cotas raciais. O sistema de cotas atende, portanto, pouco mais de 8.000 alunos negros anualmente.
Já esta mais que comprovado que as universidades adotaram o sistema de cotas, a democratização do acesso ao ensino superior alterou seu perfil racial e social do corpo dicente de forma extremamente positiva, não havendo diferença de rendimento entre cotista e não cotista, haja vista que existem diversas políticas afirmativas de permanência para estes que ingressantes ao ensino superior.
Nesse sentido fica bem notória a necessidade de se empregar essas políticas de ações afirmativas, sobretudo de permanência com qualidade destes alunos nas universidades, entendendo que não há necessidade de extingui-la, pois isto seria uma violência e a ideia de que essas políticas estão violando os direitos básicos de igualdade, é um argumento pobre e racista, logo, pois o ideal seria ampliar para que o direito a educação seja assegurado.
Desta maneira, pode-se dizer que as ações afirmativas cada vez mais são estimuladas, pois se entende que são necessárias para que se estabeleça um novo perfil de sociedade, que esteja preocupada com igualdade e o respeito à diferença, não esquecendo, que essa transição é cercada de tensões e conflitos, afinal, visa-se contrapor a conversão de diferentes naturais (fenotípicas) em desigualdades sociais, que são as diferenças produzidas socialmente pela diferenciação na garantia de direitos e oportunidade.
Qualquer visão diferente pode ser interpretada como uma postura preconceituosa e radical demais, visto que procuram manter a ordem de diferenciação de classes. Fato este que pode ser comprovado ao analisarmos a Universidade pública de hoje que está mais negra e seus cursos antes vistos como pertencentes à elite social estão sendo povoados por classes mais populares. Como destaca Adilson José Moreira, aluno do curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard: esse pensamento de que a raça no Brasil não tem importância só "serve para manter processos contínuos de marginalização da população negra".
As ações afirmativas devem ser encaradas como um mecanismo de transformação social, não como privilégio, forma de discriminação positiva e/ou um mal necessário para universidade publica brasileira, como muito tem sido divulgado. Sendo assim vale salientar o que menciona Oliveira (2006): "somente a ação afirmativa, vale dizer, a atuação transformadora, [...] possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição Brasileira garante como direito fundamental de todos".