Estava ali, o corpo encoberto por alguns sacos de lixo, vigiado por alguns urubus que só pousariam no momento em que seres humanos famintos deixassem a área. Para aquelas pessoas era dia de "sacolão", "feira-livre", "xepa". Os corpos que se encontravam naquele lixão não mais aterrorizavam, era o cenário da vida, do cotidiano, detalhes em meio aquela paisagem nebulosa, suja, que o fedor ganhou ares de perfume.

Nas mãos aquela família sai com algumas folhas secas de alface amparada por um talo sujo, misturado a papéis higiênicos usados; no carrinho-de-mão o garoto equilibra caixas de papelão com hambúrgueres, cujo prazo de validade se esgotara. Em meio aos detritos uma criança, que engatinha, encontra uma chupeta e a leva à boca. Mastiga-a com a fome da comida que saíra da compra que seus pais realizam no lixão. São momentos de muita expectativa. Desde o abrir dos portões pelo "leão-de-chácara" até o cessar das compras. Os minutos são cronometrados pelos fiscais, pois há mais famílias ansiando por esse tratamento. É o sustento, é a vida. É a ingratidão. É a discrepância nacional: de um lado uns com muito; do outro, apenas o resto dos muitos que destinam suas migalhas aos que sentem fome de verdade.

Ao final os urubus pousam e se alimentam do corpo, que em meio aos detritos ganha um tempero especial.