Já estou cansado de ouvir, mas não de denunciar. A perversidade corporativa é um dos grandes males sócio-ambientais da atualidade. É bastante comum ver multinacionais passando por cima dos direitos humanos, animais e ambientais em sua ânsia de aumentar os lucros a qualquer custo. Um tênis caro, um refrigerante, um óleo de soja, algo bem próximo de você vem desse tipo vilão de empresa. Exemplos não faltam por aqui e pelo mundo.

É um problema contemporâneo, mas que tem suas raízes lá nos séculos 18 e 19. Naquela época, as primeiras grandes companhias industriais estavam surgindo na Inglaterra e em seguida na Europa e nos EUA, e políticas antiéticas, se não criminosas, não faltavam: roubo de pequenas propriedades rurais, eufemizado pelo termo "cercamento" nos livros de História, para forçar os fazendeiros a servir de operários se não quisessem morrer de fome; desmatamento totalmente descontrolado, que consolidou a dizimação de mais de 99% das florestas primárias da Europa e mais de 90% das norte-americanas – completando o estrago feito pela agropecuária –, em prol do uso intensivo de madeira e lenha; horríveis alojamentos de operários, não muito piores do que masmorras medievais; regime de trabalho semi-escravo, com jornadas de trabalho enormes e sem nenhum dos direitos trabalhistas de hoje; mão-de-obra infantil; violência contra greves e protestos por boas condições de trabalho...

Ao longo da segunda metade do século 19 e de todo o 20, as leis trabalhistas e ambientais foram aparecendo e domando parcialmente aqueles monstros. Mas não foi o bastante para controlar o ímpeto maligno deles e eles recorreram à ascendente globalização para atacar os povos e ecossistemas do Sul, já que não tinham mais como continuar explorando e destruindo em seus territórios natais. Hoje temos abusos ambientais e trabalhistas pipocando na zona tropical da Terra e áreas próximas. Um caso brasileiro é aquele, denunciado pelo Greenpeace há dois anos e que ainda hoje não tenho certeza se foi detido, em que Bunge, Cargill, ADM e a nacional AMaggi lutaram contra a Floresta Amazônica através do financiamento de grileiros cultivadores de soja para exportação e, no caso da Cargill, pelo escoamento dessa soja por um porto ilegal em Santarém/PA. Lá fora, são muitas as denúncias de corporações – como a Nike, segundo muitos relatos – que exploram trabalhadores, incluindo crianças, no Sudeste Asiático e na China, impondo trabalhos extenuantes e desprovidos de direitos trabalhistas em troca de salários miseráveis, ao mesmo estilo da Europa pré-sindical do século 19.

E falando em pré-sindical, é relevante notar que a maturidade sindical causa tremores em muitos grandes empresários, com destaque para os automobilísticos. Sentindo-se muito "puxados" e forçados a oferecer condições muito satisfatórias de trabalho para os exigentes operários das montadoras de regiões como o ABC Paulista, onde o sindicalismo "ascendeu aos céus" desde os anos 70, estão preferindo instalar novas fábricas de automóveis em regiões sem tradição de movimentos reivindicativos fortes, como no interior nordestino. Nota-se que, parecendo um comportamento instintivo natural do empresariado, não querem ter tanto ônus de prover condições excelentes para seus operários e preferem trabalhadores alienados e que, crendo que aquele salário da nova indústria que chegou na cidade é a salvação de sua família, se conformam com as condições que já têm, mesmo que não sejam boas como no ABC. Não deixa de ser um descompromisso com o bem-estar social.

Contra esse tipo de empresas irresponsáveis e maldosas, valem providências como boicotes e conscientizações em larga escala. Não são as únicas atitudes possíveis na luta contra a "corporação do mal", mas são algumas das melhores. Rasgar o bolso dela pelo boicote é muito notável, uma vez que a companhia sente que seu descompromisso sócio-ambiental não está mais compensando e terá que mudar sua conduta institucional se quiser continuar faturando.