Corpo e estética "em revista": a cultura da Boa Forma

Resumo

Este artigo aborda o corpo humano como instrumento incisivo de comunicação no contexto sociocultural e a importância que lhe é atribuída pelas publicações femininas, especificamente a revista BOA FORMA. Nesse sentido, apresenta aspectos históricos sobre a relação corpo e sociedade, discute o conceito de corporeidade enquanto elemento estético e analisa uma reportagem para exemplificar tais aspectos. Adota o método da Análise de conteúdo, buscando compreender o significado textual aliado à imagem e utiliza como referencial teórico os pensamentos de Crespo (1990) e Santaella (2003). A partir das evidências textuais percebidas, conclui que o corpo, na sociedade contemporânea, é impelido pela mídia na busca da perfeição, refletindo uma preocupação narcisista, fatores que colocam em plano secundário a saúde das pessoas.

Palavras-chave: Corpo ? Comunicação ? Cultura ? Revista BOA FORMA














Introdução

Pensar na história do corpo é envolver- se na crise de civilização e civilizações. Para isso, é preciso situar os homens nos acontecimentos do mundo atual para compreender o momento gerador da denominada cultura da corporificação, marcada pelo culto excessivo à beleza física. O corpo, enquanto sintoma pós-moderno, é o produto de um cruzamento de elementos políticos, econômicos e culturais A nossa história de vida é registrada em nosso corpo, daí porque estudar o tema significa tratar da comunicação humana em sua complexidade social.
Mas, afinal o que é corpo? Podemos pensar em um sentido geral e chegaremos à conclusão: corpo é um território biológico e também simbólico, é o vetor material que define o que é ser humano.
Segundo Merleau Ponty (1994) o corpo é nosso ponto de vista sobre o mundo, bem como um dos objetos deste mundo. Desta forma, o corpo sujeito/ objeto modifica a cultura e o momento em que vive, bem como sofre alterações em conseqüência do contexto vivido.
Nesse sentido, pensar na história do corpo é também pensar nos processos culturais, nas relações sociais que ditam cada momento da história. Um corpo torna- se um sem limite de possibilidades, que podem, a cada momento, em determinada época da história se modificar.
A história do corpo deve encontrar sua principal justificativa nos problemas que se colocam aos homens do mundo atual. Para Crespo (1990), o corpo é sintoma de cultura e de diferenças:

(...) a história do corpo não pode deixar de ser uma história diferencial, em busca das desigualdades entre os tempos de vida humana, os lugares e os grupos sociais; entre o saber dos eruditos e a espontaneidade das práticas tradicionais, o real e o imaginário; enfim, entre mentalidades diversas, maneiras opostas de representar o corpo ou de o exercitar por múltiplas técnicas (CRESPO, 1990, p.12).

Percebemos assim que a história do corpo é sempre incompleta porque sofre inúmeras mutações. Assim, torna- se indispensável aprofundar as investigações sobre as práticas e as representações do corpo, uma vez que ainda há muito por conhecer numa área em que a "dimensão escondida" das condutas humanas é de uma riqueza imprevisível, sobretudo quando estas dizem respeito à aparência das pessoas.
A própria história da adaptação do ser humano ao ambiente desde a revolução industrial até a revolução tecnológica, na qual estamos inseridos, permite observar a complexidade do processo. O corpo que vemos não é somente o que nos dá suporte para exercermos as diversas atividades do dia a dia. É também o objeto de muitas mudanças, reflexões e interrogações.
Essas reflexões não são simples, diante da imensidão de questionamentos que envolvem essa temática. Pensar no corpo é adentrar num universo de dúvidas, porque o corpo não é tão somente a existência material, o físico, aquilo que podemos ver. Envolve as formas de interação entre os indivíduos, as relações e a maneira de refletir sobre o mundo. Mas que indivíduo é esse que nós estamos expondo através do corpo?
Falamos agora de um indivíduo que descarta a noção de sujeito derivada no cartesianismo ??penso logo existo?? (SANTAELLA, 2003). Nesse contexto cartesiano, o indivíduo era somente um ser pensante e seu corpo era tido como um suporte para realizar suas ações.
Nessa filosofia, o corpo era meramente um meio de individuação do sujeito. Não tinha um espaço próprio. Porém, a Revolução Industrial traz consigo a concepção de um novo ??eu??. Agora esse ??eu?? passou a ocupar um espaço coletivo. Surge então uma nova visão do que é estar no mundo. O homem e o corpo que lhe pertence são vistos pelos outros, são observados. A pergunta que surge na mente do novo homem: será que me encaixo nos padrões do corpo ideal que já foi estabelecido? Alto? Magro? Gordo? A que beleza o corpo precisa se enquadrar?
Antes de seguirmos na discussão que levantamos sobre a história do corpo, torna se relevante falarmos sobre o que é corporeidade. Podemos, em um primeiro momento, dizer que é a maneira como o corpo é inserido no mundo ou que corporeidade é a qualidade do que é corpóreo.
No entanto, a questão é um pouco mais complexa e requer a nossa observação. Como já discutimos, o nosso corpo vive e pode ser explicado a partir de cada época a qual ele pertence. Traz marcas históricas e sociais. Sendo assim, a corporeidade implica numa inserção de um corpo humano num mundo significativo. É a relação de um corpo consigo mesmo, com outros corpos e com os objetos de seu mundo.
Na trilha dessa discussão, apontaremos aqui o corpo como elemento estético, sobretudo considerando a participação das revistas femininas na construção de uma cultura que incentiva a vaidade e a perfeição como requisitos de aceitação social.


1 - O corpo e a estética no contexto contemporâneo

Inicialmente, o queremos traçar aqui é uma breve contextualização histórica para entendermos o processo pelo qual o corpo humano passou, como foi identificado em cada época e qual será o seu papel na sociedade contemporânea, num cenário profundamente influenciado pela mídia.
O corpo humano se tornou, principalmente no ocidente, objeto cada vez mais central do olhar e da criação na arte. Foi assim na arte grega e nas representações visuais que deram importância as imagens do Egito. A noção de juventude esteve presente nesse período. As estátuas Greco/romanas procuravam traduzir esse conceito além de contribuir para formatar a noção de imortalidade apoiada no misticismo dessas duas culturas. Nesse período clássico, a arte deveria representar a perfeição da natureza.
O corpo também foi o foco principal no Renascimento, ocupando lugar especial nas esculturas do século XIX. A escultura foi a melhor forma de expressão artística que caracterizou esse período. Nela, a expressão corporal garantiu o equilíbrio estético, na qual a figura humana surgia com músculos levemente torneados e com perfeitas proporções. O nu, nesse contexto, refletia o naturalismo. Dessa forma, o corpo do período da renascença representou a religiosidade e a mitologia clássica que atendiam as necessidades humanistas daquele período.
As mulheres do Renascimento eram pintadas na Europa, com os cabelos e a pele alva. Os corpos eram carnudos, pescoços volumosos, ombros e braços fortes. Esse padrão estético perdurou por três séculos. No entanto, dentro do contexto das artes instala-se uma modificação: o corpo que sempre compareceu como objeto, como conteúdo da representação visual, passa a ter uma nova configuração no século XX.
Uma grande transformação se operou no tipo de tratamento que muitos artistas começaram a dispensar ao corpo e, mais especialmente, ao seu próprio corpo; de objeto representado, o corpo do artista passou a ser o sujeito e o objeto do seu trabalho (SANTAELLA, 2003, p. 251).
A partir daí, foram inúmeros os trabalhos em que o corpo do artista passou a ser explorado e tornou-se fonte primária de suas obras. A forma de comunicação que impera nesse período é de libertação. Após o início desse século, o corpo salta das telas e se liberta dos pedestais, aproximando-se da sociedade como elemento do cotidiano.
Um pouco mais adiante, encontramos nos anos 70, a chamada body art, na qual o corpo não era tão importante quanto aquilo que era feito com ele. Durante essa época simples funções fisiológicas como, por exemplo, o espirro, era apresentado como obra de arte. Havia, assim, uma preocupação com as mensagens corporais de cunho individual, o corpo retratando histórias das pessoas.
Segundo Santaella (2003),

A body art é primariamente pessoal e privada. Seu conteúdo é autobiográfico e o corpo é usado como o corpo próprio de uma pessoa particular e não com uma entidade abstrata ou desempenhando um papel. (SANTAELLA, 2003, p. 261).

Nesse tipo de arte, o conteúdo das obras coincidia com o ser físico do artista que era, ao mesmo tempo, sujeito e meio da expressão estética. Os artistas eles mesmos são objetos de arte ( SANTAELLA, 2003).
Os anos 70 foram marcados pela destruição de tabus, cenário em que os artistas buscavam usar seus corpos, quando a nudez passou a ser considerada sob o ponto de vista da ação e do olhar femininos. Essa década antecipou o que seria a beleza magérrima que seria consagrada nos anos seguintes. O corpo magro dominou as passarelas e deu lugar a chamada tendência anoréxica. A fragilidade era também representada nos corpos das artistas.
Após essa década, que teve como característica os extremos da transgressão, o movimento dos anos 80 surge de forma um tanto diferente. O período ficou marcado pela tendência performativa do eu-como-imagem e dos simulacros do eu (SANTAELLA, 2003). As artes do corpo agora estariam voltadas para o teatro, a dança e a música, adquirindo movimento.
Surge com o período uma chamada pós-modernidade, que traz aos ambientes artísticos, acadêmicos, intelectuais e até mesmo jornalísticos novas mensagens.

O pós-moderno está relacionado com o alegórico, o apropriativo, a desconstrução e com a ruptura das fronteiras entre as artes e as camadas da cultura: superior-erudita, inferior-popular e de massa (SANTAELLA, 2003, p. 264).


Quanto ao corpo do artista, nesse momento histórico, a estratégia adotada era a de exagerar, sendo necessário tornar visível tudo aquilo que se achava escondido. São inúmeros os trabalhos de fotógrafos que buscavam mostrar corpos reais ? que cheiram, sofrem, envelhecem, adoecem e deformam-se.
Dentre os fotógrafos que fizeram parte desse período, destacamos o trabalho de Sherman, que começa a alienar o auto-retrato das fotos. Em uma série de trabalhos, a artista desvenda o lado nada glorificado das figuras femininas na moda.
Isso fica claro quando, através da construção de corpos monstruosos e abjetos, ela nega todo o consumo de mercadorias relacionadas ao corpo, em algumas fotos, chegando até o extremo de negar o próprio alimento como mercadoria.
Dentre as artes visuais que fizeram parte do movimento, outra recebe um grande destaque; o vídeo. Este era eminentemente uma arte do corpo. Nele, o corpo era usado como instrumento central. Isso deu lugar ao que veremos na década de 90.
Assistimos na década de 90 a centralização do corpo vivo do artista. Agora, nos deparamos com o chamado corpo tecnológico. O corpo deslocou se para as instalações encenadas, para as produções e os retoques. Trata-se da fase de reconstrução da aparência, através de uma cultura que incentiva a mudança de padrões.
O que vemos, na realidade, é que as práticas artísticas e os discursos sobre arte se voltaram novamente para o corpo. Diferentemente das décadas de 50 e 70, "os projetos agora iriam explorar seus novos modos de ser no ambiente urbano crescentemente tecnologizado em que vivemos?? (SANTAELLA, 2003, p.268).
Os anos 90 nos trazem aquilo que seria novo nas artes do corpo. Temos, nessa década, uma substituição do termo body art pela expressão ??práticas orientadas para o corpo" (JONES apud SANTAELLA 2003, p. 268).
A tecnologia domina essa década, levantando assim, vídeos que traziam tanto corpos abstraídos quanto documentais. A tecnologia foi tambémo que mais caracterizou as obras voltadas para o corpo.
De acordo com Jones ( 2003):

A maior parte dos artistas que ficou conhecida, nos anos 90, dispôs de tecnologia multimídia, fotográficas e instalações, tendendo a explorar o corpo e a subjetividade como tecnologizados, especificamente inaturais e fundamentalmente infixáveis na sua identidade ou significado subjetivo/ objetivo no mundo. ( JONES apud SANTAELLA, 2003, p.270).

Todas essas características nos remetem ao corpo que é agora chamado de pós humano. Mas, o que isso significa?

2 ? O corpo do pós humano

Mesmo que o nosso olhar e nosso estudo estejam voltados para o corpo no contexto estético, é importante observarmos as transformações pelas quais o corpo tem passado, caracterizando a denominação de "pós- humano".
Adentramos hoje em uma nova era, na qual é possível pensar em uma nova reformulação e um novo conceito para o que é ser humano. O que de fato é ser humano no século XXI? A pergunta é um tanto complexa. Realmente tanto o corpo como os seres estão vivenciando etapas e dilemas.
Nos últimos vinte anos, não apenas o nosso corpo, mas também tudo aquilo que constitui o humano foi sendo colocado sob um nível de interrogação que acabou por culminar na denominação de ??pós-humano??, meio de expressão encontrado para sinalizar as mudanças físicas e psíquicas, mentais, perceptivas, cognitivas, sensórias que estão em processo (SANTAELLA, 2003, p. 273).
Entre os séculos XX e XXI houve uma nova configuração para designar o que constitui esse corpo diferenciado. A tecnologia permitiu criar uma nova forma para a relação entre o ser humano e o espaço através das máquinas.
Houve uma modificação muito grande na forma dos indivíduos se relacionarem. Vivemos um salto antropológico, chamado de ??revolução noolitica??.
Mas o que mudou com essa revolução neolítica?
Para Levy ( 2003):

As tecnologias intelectuais aumentam e modificam a maioria de nossas capacidades cognitivas: memória (banco de dados, hiperdocumentos), raciocínio (modelização digital, inteligência artificial) capacidade de representação mental (simulações gráficas interativas de fenômenos complexos) e percepção (síntese de imagens a partir de dados digitais) (LEVY apud SANTAELLA, 2003, p. 273).

No entanto, o que queremos aqui não é traçar como aconteceu essa revolução, porém é relevante entendermos como essa tecnologia citada influenciou o novo conceito de humanidade. Dentro do contexto das artes, as tecnologias digitais têm explorado a desfronteirização do corpo físico, sensorial, psíquico, cognitivo (SANTAELLA, 2003, p. 274).
De fato, não podemos desconsiderar a idéia de que o corpo que surge a partir do século XX, não é mais considerado como simples envelope da alma, mas sim, como um corpo pronto para interagir com as novas tecnologias.
Essas tecnologias possibilitaram uma nova arte; a arte do corpo remodelado. Mas, o que significa corpo remodelado? Remodelar nos traz a idéia de reconstruir, manipular, através de técnicas que visam seu aprimoramento físico e estético. (SANTAELLA, 2003, p, 282).
O novo conceito para essa arte do corpo visa à manipulação estética da superfície do corpo. Trata-se do corpo construído com diversas técnicas de aprimoramento físico. Musculação, ginástica são exemplos de exercícios que fazem parte desse aprimoramento. Porém, podemos acrescentar ainda um novo conceito para esse tipo de construção artística. Temos também as técnicas que podemos chamar de ??invasivas??.
É nesse contexto que encontramos diversos processos que na sociedade atual aliam-se para que o novo corpo esteja inserido nos padrões estéticos conjunturais. São as técnicas de modelagem, através das cirurgias plásticas, implantes e os chamados enxertos. A noção de saúde fica esquecida. Tais processos cirúrgicos são feitos não para atender a objetivos saudáveis , mas para se enquadrar na palavra de ordem que está contida em um corpo belo, forte, capaz de alcançar a perfeição como meta de uma sociedade de aparências.
Estamos, assim, diante do culto ao corpo. O exterior agora passa a dominar o interior. Já não importa mais o que somos, mas sim, como somos e o mais importante ??como nos mostramos??. O narcisismo encontra sua mais acabada forma de expressão. Não basta somente ser belo é necessário se mostrar como tal. Não é por acaso que se afirma que o eu entrou em crise. O que assistimos, na sociedade atual, são pessoas inconformadas com seus corpos, rompendo sua personalidade, em busca de um mero corpo fabricado e que esteja dentro dos padrões vigentes ou pré- estabelecidos.
Mas de que forma somos bombardeados por padrões estéticos? Como os veículos comunicação nos mostram o que é belo, perfeito?E a mídia se constitui num instrumento apropriado para difundir tais mensagens?
Como vimos anteriormente, as tecnologias foram relevantes para que o novo corpo viesse a ser reestruturado. Foram responsáveis também, ao longo do século XX, pela propaganda e o marketing. Através desses artifícios, as pessoas passaram a se relacionar de forma diferente. As relações entre pessoas e produtos passaram a existir em termos de imagem do eu, de seu mundo exterior, de seu estilo de vida e, sobretudo, do seu invólucro corporal (SANTAELLA, 2004, p. 126).
Segundo Santaella (2004), isso ocorre, sobretudo, no plano da imaginação:

São, de fato, as representações nas mídias e publicidades que têm o mais profundo efeito sobre as experiências do corpo. São elas que nos levam a imaginar, a diagramar, a fantasiar determinadas existências corporais, nas formas de sonhar e de desejar que propõem (SANTAELLA, 2004, p. 126).


Ou seja, o que assistimos ou lemos nas revistas contribuem, em certo grau, para nos alienar, caso as influências nos façam viver copiando da mídia seus diversos estilos, desde a simples forma de andar, gesticular ao modo de vestir. A imagem do corpo, sua boa forma surgem, assim, como uma espécie de economia psíquica da auto-estima e de reforço do poder pessoal (SANTAELLA, 2004, p. 126, p. 126).
É nesse momento que, como já discutimos anteriormente, o exterior domina o interior. Assim, passamos a compreender o poder que a glorificação e a exibição do corpo humano passaram a assumir no mundo contemporâneo, poder que é efetivado por meio das mais diversas formas de estimulação e exaltação do corpo, como se essa exaltação tivesse como recompensa um renascimento identitário ou a restauração de eus danificados e identidades deterioradas (Crillanovick apud Santaella 2003, p. 126).
Um papel fundamental é dado à mídia nesse sentido. Ela entra como um dos principais meios de difusão e capitalização do culto ao corpo como tendência de comportamento (Castro apud Santaella 2003, p. 126). Alie-se a isso a poderosa indústria da beleza, com seus ??maravilhosos produtos??, que prometem rejuvenescer e tornar belo aquilo que se propõe. Ambas atuam de maneira conjunta. A primeira, a mídia, leva ao público, através de incansáveis mensagens, os mais diversos produtos, descobertas tecnológicas e científicas. A segunda oferece os mais variados produtos para o corpo, prometendo o emagrecimento, pele firme, beleza e aquilo que é pregado sempre, por essa indústria, enquanto fórmula de se encontrar o tão sonhado bem ? estar.
Nesse sentido, o grande público, o alvo dessa mídia e da indústria da beleza, é a esfera feminina. As mulheres da contemporaneidade e sua preocupação com a boa forma são alvos do bombardeio de informação estética. A mídia, através da imprensa escrita, lança revistas que não só divulgam informações sobre produtos e tratamentos estéticos como também ditam padrões e comportamentos a serem seguidos, "ensinando" truques e artifícios de transformação de imagem.
As revistas trazem as mais diversas temáticas, colunas de aconselhamentos, editorias que pregam um ideal de beleza já estabelecido e padronizado difundindo várias dietas para se manter a "forma adequada". Enfim, traduzem em cada página e cada edição a preocupação com a beleza que ganhou força no decorrer do século XX. Mas, na realidade, qual o verdadeiro sentido do corpo mostrado pela cultura da mídia na contemporaneidade?


3 ? O corpo que se exibe nas revistas

A primeira impressão que temos, quando nos deparamos com alguma revista destinada ao público feminino, é a de exagero. Isso mesmo. O corpo que se mostra nas páginas é sempre perfeito, exageradamente belo. Contudo, sabemos que a beleza da imagem é contemplada pela tecnologia, através dos retoques ??milagrosos??.
Não existe imperfeição. O que existe nas páginas são corpos atraentes, perfeitos. Através da fotografia esse corpo passou a ser documentado, registrado. Antes da impressão visual, somente a escultura e a pintura documentavam o corpo. Mas, a fotografia perpetuou essa beleza perfeita, trazendo consigo não apenas a possibilidade de contemplação estética do corpo em todos os ângulos, mas também, e sobretudo, a reprodutibilidade das imagens do corpo (SANTAELLA, 2004, p. 128).Daí surgiram os modelos femininos para a replicação cultural.
Por meio dos avanços tecnológicos e o aprimoramento da fotografia, assistimos agora imagens construídas que não nos parecem reais. Com muita sutileza, tais imagens se distanciam do que o corpo é na vida real. É comum encontrarmos corpos brilhantes, com uma pele aveludada, atingindo uma perfeição fictícia:

Seus corpos são tão perfeitos que parecem cobertos de verniz, de uma película transparente que vitrifica o corpo, um corpo sem poros, sem exsudação, nem excreção, funcionalizado como um revestimento de celofane, exibindo a imortal juventude da simulação.( SANTAELLA, 2004, p. 129).


Temos, portanto, uma simulação do que seria o corpo ideal, com padrões estabelecidos pela sociedade da aparência. Uma característica relevante é que esse padrão de beleza é sempre indubitavelmente obedecido, e por mais que as mulheres fotografadas sejam diferentes, elas sempre estarão parecidas entre si de algum modo. A regra é sempre a mesma; a maquiagem parecida, poses quase idênticas, sensualidade, enfim, tudo que se encaixe dentro de um padrão adequado ao tempo estético.
O que existe, na verdade, é um mercado de corpos produzidos para atrair a atenção. Os olhares sempre estarão voltados para a mulher-objeto. A imagem representa a mulher-perfeição. Para as outras, que não aparecem nas revistas, surge a questão: como atingir esse padrão de beleza? Como ficar com as medidas iguais as que vemos nas revistas? Isso gera, muitas vezes, descontentamento entre as leitoras que possuem corpos distanciados dessa realidade.
Sem dúvida, o que essas imagens sugerem não é possível alcançar. O padrão de corpo mostrado é o da encenação. Tudo é sempre muito bem acabado, a perfeição atinge o auge. Porém, não estamos livres do poder de sedução que tais imagens nos mostram. ??É tal força subliminar dessas imagens que, mesmo quando se tem consciência do poder que elas exercem sobre o desejo, não se está livre de sua influência inconsciente?? (SANTAELLA, 2004, p.130).
O que existe é um corpo fabricado para vender determinado produto. Quase sempre ele vende a si mesmo. Vende medidas, como deve ser uma barriga para se tornar atraente, para ter o ??poder da sedução??. Não importa a que questão da saúde isso venha prejudicar. O que vale é estar bela em um contexto que não permite a imperfeição.
Essa mídia trabalha com um público que, se atém à publicação porque nela encontra respostas sobre como um belo corpo deve ser, o que precisa vestir ou como se comportar, por exemplo. Em uma época em que o narcisismo predomina, é natural (...) o processo mediante o qual as
sociedade prescreve que se conforme com isso, não lhes deixando alternativa a não ser amar a si mesmas. "Investir em si mesmas de acordo com as regras que lhes são impostas pela sociedade" (SANTAELLA, 2004, p.130). Tal contextualização fica evidente quando vemos nessas mídias apelos que sugerem ?? cuide- se??, ou ??invista em você??.
Dessa forma, o que as revistas transmitem para o público é sempre a possibilidade de se possuir tais formas, de quais maneiras pode-se trabalhar o corpo para modificá-lo. No entanto, esse apelo nada mais é do que mera luta que atinge jovens e adultos das diversas classes sociais, mas que, na verdade, significa uma ilusão infinita. O corpo que se almeja, o corpo cobiçado fica tão distante, que dá lugar a um caminho que coloca a nossa aparência como sintoma de uma cultura a alcançar.


4- A revista BOA FORMA e o culto à beleza


Antes de iniciarmos a nossa discussão sobre a publicação analisada, é importante pensarmos um pouco sobre o que é o jornalismo de revista. Hoje as revistas representam uma grande variedade editoral. São milhares de títulos e para todos os gostos. A revista está inserida num mercado segmentado de público e publicidade. Segundo Scalzo (2004) ??revista bem focada é aquela que tem sua missão clara e concisa, cujos jornalistas sabem exatamente para quem escrevem, e trabalham para atender às necessidades ditadas pelos leitores??(SCALZO, 2004, P.62)

Além de conter informações de qualidade, exclusivas e bem apuradas, o texto de revista precisa de um tempero a mais. Diferente do leitor de jornal, o de revistas espera, além de receber a informação correta, simples e clara ? seja o exercício do abdômen, a receita do bolo, a nota política, o roteiro de viagem -, mas quer também um texto que não seja seco, como um mero, aperto de mão (SCALZO, 2004, P.76)

Tal segmentação encontra sua forma mais bem acabada. Sempre haverá público para consumir tal informação. Uma das vantagens que esse veículo detém é que conhece o leitor com proximidade. Essa relação gera confiança e expectativas, o que constrói uma identificação entre leitor/ revista, fidelizando e cativando o público para o qual a publicação se destina. Podemos dizer também que a revista tem natureza conotativa, opinativa, é de conteúdo mais literário e apresenta um estilo mais leve e específico.
Na revista BOA FORMA essa realidade não é diferente. Trata-se de uma publicação mensal da editora Abril. A revista traz assuntos voltados para o público feminino. É possível encontrar em suas páginas: matérias sobre como emagrecer, dietas, receitas, dicas de malhação, moda e comportamento, guias de calorias e histórias de leitoras que venceram o desafio de adquirir o corpo que desejavam.
Para este estudo selecionamos uma seção da revista intitulada "Eu consegui?? para desenvolver o método da análise de conteúdo. A análise será temática, utilizando trechos da matéria que comprovem a relação corpo e aparência e adotando a transcrição literal das passagens que compõem o texto. Adotamos também a análise do conteúdo das imagens para a compreensão do texto selecionado: as fotos da personagem mostradas na reportagem.
Segundo Bardin (1979), o método análise de conteúdo consiste em uma explicitação, sistematização e expressão dos conteúdos das mensagens, com a finalidade de efetuarem deduções lógicas e justificadas a respeito da origem dessas mensagens.
Para Bardin (1979) a análise de conteúdo constitui:

?? Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores ( quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção dessas mensagens?? (BARDIN, 1979: 42).

De acordo com a definição exposta é possível perceber que o procedimento é baseado na inferência e na lógica.
A matéria escolhida é assinada pela jornalista Márcia Di Domenico e traz uma leitora da revista contando a sua história de vida e como conseguiu emagrecer. O próprio título da seção nos remete a idéia de algo que exigiu grande esforço da protagonista.
A sessão expõe mulheres com uma história de vida comum, donas-de-casa, que buscam um corpo perfeito, não importando o que isso pode custar ou quais as intervenções ou métodos para se adquirir êxito nessa empreitada. A história é narrada pela própria protagonista, da maneira como ela vivenciou os fatos e sem a preocupação de ser um texto com estrutura literária, mas que atende o caráter de um texto opinativo e de cunho mais sensacionalista.
Escolhemos de forma aleatória uma das edições da revista que nos mostra essa realidade. A edição de setembro de 2010 nos traz como título ??Dei adeus a depressão e voltei a ser magra??, retratando a história de uma mulher com uma vida normal que, devido a alguma circunstância, engorda, começa a se incomodar com os quilos extras e a aparência daí decorrente e a partir daí começa sua jornada sofrida para emagrecer. No início do texto observamos:

Comecei a engordar há dez anos, quando minha carreira de tabeliã deslanchou. Passei a ser chefe, assumi responsabilidades e a ansiedade me fez passar dos 60 para os 73 quilos. (...) (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).

Percebemos assim, numa leitura inicial, que houve, de fato, um motivo para explicarmos o ganho de peso da personagem. A ansiedade, a vida agitada nas grandes cidades, a comida rápida, a pressão a qual algumas mulheres são submetidas no trabalho, em casa, ao exercer o papel de mãe e as cobranças da sociedade com as novas funções. Ela nos mostra como fazia para driblar a ansiedade, utilizando a comida como tática de sobrevivência ao estresse:

Em 2007, com esse peso, fiquei grávida (...) os médicos disseram que tínhamos, eu e a criança, chances mínimas de sobreviver, mas deu tudo certo. (...) Meu bebê, porém, ficou mais de dois meses na UTI, (...) fiquei superestressada e me consolava na comida. (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).



Com essa declaração observamos um exemplo de comida como um refúgio, um consolo para suprir alguma falta. Nesse caso, a preocupação de uma mãe que está com um filho enfermo. No entanto o fato que irá nos interessar ainda mais vem adiante, através do seguinte trecho:


De volta para casa, mas ainda muito abalada, não suportei a pressão que eu mesma me impunha para ser uma profissional eficiente, mãe perfeita (...) e esposa bonita e dedicada ( olhava no espelho e me via cansada e gorda). Acabei caindo em depressão. (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).


Vemos, no período em destaque, o desespero da personagem em assumir diversas tarefas diárias e ainda, segundo os padrões sociais de beleza, permanecer bonita, magra e aparentemente sensual. Como ela não vivenciou essa realidade, não foi capaz de lidar com a pressão exercida, talvez por ela mesma, caiu em depressão.
Adiante, podemos perceber a luta contra a doença quando fica explícita a afirmação: ??estava pesando 78 quilos e desesperada para emagrecer quando fui parar nas mãos de um médico completamente despreparado (...)??( Revista BOA FORMA, São Paulo, n. 283, p.130, set. 2010). Notamos assim a busca desenfreada pelo auxílio que possa conduzir ao corpo ideal. A procura pelo especialista, nesse caso o médico, traduz esse desespero, aquilo que Santaella (2003) denomina de "pulsão contemporânea" pela busca do enquadramento e a possível transformação do que nos incomoda.
No entanto, percebemos que a busca da leitora não obteve êxito apenas com sua força de vontade; foi preciso apelar para várias táticas. A reportagem nos mostra que para perder peso, especialmente nesse caso, foram adotadas diversas técnicas de manipulação da superfície do corpo já citadas nesse estudo. Isso fica claro quando a personagem relata:

(...) No final do ano passado, consegui dar a volta por cima. Com acompanhamento de uma endocrinologista, dieta, RPG, ioga e tratamentos estéticos, além de terapia, controlei a ansiedade e a depressão e alcancei os 63 quilos em cinco meses (...). (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).

Somente foi possível conquistar o corpo desejado através dessas técnicas de aprimoramento estético. A personagem declara com visível satisfação que "o meu guarda-roupa GG não existe mais ? hoje, uso manequim 40?? ( REVISTA BOA FORMA, São Paulo, n. 283, p.130, set. 2010).
Um fato que chama a atenção no final do texto é a exposição de uma antítese quando fica exposta a idéia de que a personagem nunca almejou ter o corpo perfeito ou malhado, mas de forma inconsciente alcançou "a felicidade", tornando-se mais bela, mostrando que se deixou levar pelo apelo das diversas mídias na aquisição deste ideal, influenciando-se por propagandas, imagens de modelos e um padrão de corpo estabelecido culturalmente: magro e saudável. Podemos inferir tal conclusão quando analisamos o seguinte trecho:
(...) mas poder encontrar roupas bacanas para trabalhar e me olhar no espelho e reconhecer a mulher que eu era antes (...). Isso é uma felicidade conquistada com disciplina e força de vontade. (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).

O objetivo de poder usar ??roupas bacanas?? nos permite inferir que estas são somente usadas por pessoas magras, ou que estejam com o corpo de acordo com o padrão estabelecido. Alie-se a isso o fato de que, a personagem utiliza a palavra ??felicidade?? para designar o seu estado de espírito depois de conseguir emagrecer e poder usar tais roupas. Ela não diz em seu discurso que o a perda de peso a deixou mais "saudável". Não há referências à saúde na sua fala, o que nos conduz a pensar que a aparência é o fator mais importante.
A seção também nos mostra duas imagens da personagem. A fotografia menor fica a direita da página e mostra como ela era antes do processo de emagrecimento. Os dados adicionais são nome, idade, altura, peso atual e sua conquista (nesse caso quantos quilos conseguiu emagrecer). A outra imagem ocupa um maior espaço na página. Podemos perceber uma completa produção, desde figurino até a maquiagem.
A expressão de felicidade da personagem chama a atenção dos leitores e uma pequena coluna a direita da página tem como título ??Projeto corpo novo?? apontando as medidas adotadas pela personagem para obter o corpo ideal. Na coluna estão contidos três tópicos: a dieta, os exercícios e a estética, utilizadas para ??(...) recuperar a boa forma e autoestima.?? (REVISTA BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).
Nesse sentido, o método da análise de conteúdo permitiu que nossas inferências fossem confirmadas, uma vez que a publicação associa a autoestima das leitoras ao processo de reconstrução estética, quando vale menos as condições de saúde das pessoas e mais a beleza física, o que comprova os padrões estimulados pela chamada sociedade de aparências. Sobressai também que o bem estar físico é condição de felicidade social, sendo capaz de superar transtornos psicológicos, reduzindo assim a importância do acompanhamento médico. É como se um belo corpo fosse também capaz de embelezar as almas femininas.











Conclusão

A partir desse estudo podemos concluir que o corpo humano é um elemento incisivo no processo de comunicação e que ao longo da história e das transformações da sociedade torna-se elemento de diversas mudanças, expectativas e indagações. O próprio conceito de corpo em sua complexidade nos permite essa observação, modificando-se ao longo das transformações culturais evidenciadas ao longo da história.
Assim, o corpo inserido dentro desse contexto dinâmico nos remete não apenas à idéia de processos culturais, como também processos econômicos e sociais. Para constatar isso, precisamos situar um determinado conceito de corpo em determinados períodos da história, cada um com suas particularidades e singularidades, conforme a fundamentação teórica de autores como Crespo e Santaella.
Isso nos conduziu a entender o que é o ser humano na contemporaneidade e como sua personalidade se mostra vulnerável à cultura estética, através do padrão de corpo que a sociedade prega como ideal. Percebemos ainda, nesse processo, a forte influência exercida pelos meios de comunicação, sobretudo, as revistas femininas, como a BOA FORMA, na construção e difusão da beleza corporal.
Na análise da reportagem, pertencente à seção ??Eu consegui??, detectamos que existe uma exigência por um corpo magro, esbelto, sem imperfeições, independentemente de qual técnica será utilizada para se obter êxito nessa busca. E, sobretudo, que a revista transmite a mensagem de que o ato de ser feliz está atrelado a um corpo condizente com os padrões estabelecidos.
Diante da complexidade que perpassa o tema, impossível de ser esgotado nos limites de um artigo, esperamos que este trabalho contribua para novas e aprofundadas pesquisas a respeito do corpo como instrumento de comunicação na sociedade contemporânea, contemplando outros veículos de natureza midiática, a fim de encontrarmos mais respostas sobre essa problemática.
REFERÊNCIAS


BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. 229 p.

CRESPO, Jorge. A História do Corpo. Lisboa - Portugal: DIFEL, 1990.


DI DOMENICO, Márcia. Eu consegui. Revista BOA FORMA, São Paulo, n. 283, p. 130, set.2010.

SANTAELLA, Lúcia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus , 2004.

SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.

SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2003.












































Corpo e estética "em revista": a cultura da Boa Forma

Resumo

Este artigo aborda o corpo humano como instrumento incisivo de comunicação no contexto sociocultural e a importância que lhe é atribuída pelas publicações femininas, especificamente a revista BOA FORMA. Nesse sentido, apresenta aspectos históricos sobre a relação corpo e sociedade, discute o conceito de corporeidade enquanto elemento estético e analisa uma reportagem para exemplificar tais aspectos. Adota o método da Análise de conteúdo, buscando compreender o significado textual aliado à imagem e utiliza como referencial teórico os pensamentos de Crespo (1990) e Santaella (2003). A partir das evidências textuais percebidas, conclui que o corpo, na sociedade contemporânea, é impelido pela mídia na busca da perfeição, refletindo uma preocupação narcisista, fatores que colocam em plano secundário a saúde das pessoas.

Palavras-chave: Corpo ? Comunicação ? Cultura ? Revista BOA FORMA














Introdução

Pensar na história do corpo é envolver- se na crise de civilização e civilizações. Para isso, é preciso situar os homens nos acontecimentos do mundo atual para compreender o momento gerador da denominada cultura da corporificação, marcada pelo culto excessivo à beleza física. O corpo, enquanto sintoma pós-moderno, é o produto de um cruzamento de elementos políticos, econômicos e culturais A nossa história de vida é registrada em nosso corpo, daí porque estudar o tema significa tratar da comunicação humana em sua complexidade social.
Mas, afinal o que é corpo? Podemos pensar em um sentido geral e chegaremos à conclusão: corpo é um território biológico e também simbólico, é o vetor material que define o que é ser humano.
Segundo Merleau Ponty (1994) o corpo é nosso ponto de vista sobre o mundo, bem como um dos objetos deste mundo. Desta forma, o corpo sujeito/ objeto modifica a cultura e o momento em que vive, bem como sofre alterações em conseqüência do contexto vivido.
Nesse sentido, pensar na história do corpo é também pensar nos processos culturais, nas relações sociais que ditam cada momento da história. Um corpo torna- se um sem limite de possibilidades, que podem, a cada momento, em determinada época da história se modificar.
A história do corpo deve encontrar sua principal justificativa nos problemas que se colocam aos homens do mundo atual. Para Crespo (1990), o corpo é sintoma de cultura e de diferenças:

(...) a história do corpo não pode deixar de ser uma história diferencial, em busca das desigualdades entre os tempos de vida humana, os lugares e os grupos sociais; entre o saber dos eruditos e a espontaneidade das práticas tradicionais, o real e o imaginário; enfim, entre mentalidades diversas, maneiras opostas de representar o corpo ou de o exercitar por múltiplas técnicas (CRESPO, 1990, p.12).

Percebemos assim que a história do corpo é sempre incompleta porque sofre inúmeras mutações. Assim, torna- se indispensável aprofundar as investigações sobre as práticas e as representações do corpo, uma vez que ainda há muito por conhecer numa área em que a "dimensão escondida" das condutas humanas é de uma riqueza imprevisível, sobretudo quando estas dizem respeito à aparência das pessoas.
A própria história da adaptação do ser humano ao ambiente desde a revolução industrial até a revolução tecnológica, na qual estamos inseridos, permite observar a complexidade do processo. O corpo que vemos não é somente o que nos dá suporte para exercermos as diversas atividades do dia a dia. É também o objeto de muitas mudanças, reflexões e interrogações.
Essas reflexões não são simples, diante da imensidão de questionamentos que envolvem essa temática. Pensar no corpo é adentrar num universo de dúvidas, porque o corpo não é tão somente a existência material, o físico, aquilo que podemos ver. Envolve as formas de interação entre os indivíduos, as relações e a maneira de refletir sobre o mundo. Mas que indivíduo é esse que nós estamos expondo através do corpo?
Falamos agora de um indivíduo que descarta a noção de sujeito derivada no cartesianismo ??penso logo existo?? (SANTAELLA, 2003). Nesse contexto cartesiano, o indivíduo era somente um ser pensante e seu corpo era tido como um suporte para realizar suas ações.
Nessa filosofia, o corpo era meramente um meio de individuação do sujeito. Não tinha um espaço próprio. Porém, a Revolução Industrial traz consigo a concepção de um novo ??eu??. Agora esse ??eu?? passou a ocupar um espaço coletivo. Surge então uma nova visão do que é estar no mundo. O homem e o corpo que lhe pertence são vistos pelos outros, são observados. A pergunta que surge na mente do novo homem: será que me encaixo nos padrões do corpo ideal que já foi estabelecido? Alto? Magro? Gordo? A que beleza o corpo precisa se enquadrar?
Antes de seguirmos na discussão que levantamos sobre a história do corpo, torna se relevante falarmos sobre o que é corporeidade. Podemos, em um primeiro momento, dizer que é a maneira como o corpo é inserido no mundo ou que corporeidade é a qualidade do que é corpóreo.
No entanto, a questão é um pouco mais complexa e requer a nossa observação. Como já discutimos, o nosso corpo vive e pode ser explicado a partir de cada época a qual ele pertence. Traz marcas históricas e sociais. Sendo assim, a corporeidade implica numa inserção de um corpo humano num mundo significativo. É a relação de um corpo consigo mesmo, com outros corpos e com os objetos de seu mundo.
Na trilha dessa discussão, apontaremos aqui o corpo como elemento estético, sobretudo considerando a participação das revistas femininas na construção de uma cultura que incentiva a vaidade e a perfeição como requisitos de aceitação social.


1 - O corpo e a estética no contexto contemporâneo

Inicialmente, o queremos traçar aqui é uma breve contextualização histórica para entendermos o processo pelo qual o corpo humano passou, como foi identificado em cada época e qual será o seu papel na sociedade contemporânea, num cenário profundamente influenciado pela mídia.
O corpo humano se tornou, principalmente no ocidente, objeto cada vez mais central do olhar e da criação na arte. Foi assim na arte grega e nas representações visuais que deram importância as imagens do Egito. A noção de juventude esteve presente nesse período. As estátuas Greco/romanas procuravam traduzir esse conceito além de contribuir para formatar a noção de imortalidade apoiada no misticismo dessas duas culturas. Nesse período clássico, a arte deveria representar a perfeição da natureza.
O corpo também foi o foco principal no Renascimento, ocupando lugar especial nas esculturas do século XIX. A escultura foi a melhor forma de expressão artística que caracterizou esse período. Nela, a expressão corporal garantiu o equilíbrio estético, na qual a figura humana surgia com músculos levemente torneados e com perfeitas proporções. O nu, nesse contexto, refletia o naturalismo. Dessa forma, o corpo do período da renascença representou a religiosidade e a mitologia clássica que atendiam as necessidades humanistas daquele período.
As mulheres do Renascimento eram pintadas na Europa, com os cabelos e a pele alva. Os corpos eram carnudos, pescoços volumosos, ombros e braços fortes. Esse padrão estético perdurou por três séculos. No entanto, dentro do contexto das artes instala-se uma modificação: o corpo que sempre compareceu como objeto, como conteúdo da representação visual, passa a ter uma nova configuração no século XX.
Uma grande transformação se operou no tipo de tratamento que muitos artistas começaram a dispensar ao corpo e, mais especialmente, ao seu próprio corpo; de objeto representado, o corpo do artista passou a ser o sujeito e o objeto do seu trabalho (SANTAELLA, 2003, p. 251).
A partir daí, foram inúmeros os trabalhos em que o corpo do artista passou a ser explorado e tornou-se fonte primária de suas obras. A forma de comunicação que impera nesse período é de libertação. Após o início desse século, o corpo salta das telas e se liberta dos pedestais, aproximando-se da sociedade como elemento do cotidiano.
Um pouco mais adiante, encontramos nos anos 70, a chamada body art, na qual o corpo não era tão importante quanto aquilo que era feito com ele. Durante essa época simples funções fisiológicas como, por exemplo, o espirro, era apresentado como obra de arte. Havia, assim, uma preocupação com as mensagens corporais de cunho individual, o corpo retratando histórias das pessoas.
Segundo Santaella (2003),

A body art é primariamente pessoal e privada. Seu conteúdo é autobiográfico e o corpo é usado como o corpo próprio de uma pessoa particular e não com uma entidade abstrata ou desempenhando um papel. (SANTAELLA, 2003, p. 261).

Nesse tipo de arte, o conteúdo das obras coincidia com o ser físico do artista que era, ao mesmo tempo, sujeito e meio da expressão estética. Os artistas eles mesmos são objetos de arte ( SANTAELLA, 2003).
Os anos 70 foram marcados pela destruição de tabus, cenário em que os artistas buscavam usar seus corpos, quando a nudez passou a ser considerada sob o ponto de vista da ação e do olhar femininos. Essa década antecipou o que seria a beleza magérrima que seria consagrada nos anos seguintes. O corpo magro dominou as passarelas e deu lugar a chamada tendência anoréxica. A fragilidade era também representada nos corpos das artistas.
Após essa década, que teve como característica os extremos da transgressão, o movimento dos anos 80 surge de forma um tanto diferente. O período ficou marcado pela tendência performativa do eu-como-imagem e dos simulacros do eu (SANTAELLA, 2003). As artes do corpo agora estariam voltadas para o teatro, a dança e a música, adquirindo movimento.
Surge com o período uma chamada pós-modernidade, que traz aos ambientes artísticos, acadêmicos, intelectuais e até mesmo jornalísticos novas mensagens.

O pós-moderno está relacionado com o alegórico, o apropriativo, a desconstrução e com a ruptura das fronteiras entre as artes e as camadas da cultura: superior-erudita, inferior-popular e de massa (SANTAELLA, 2003, p. 264).


Quanto ao corpo do artista, nesse momento histórico, a estratégia adotada era a de exagerar, sendo necessário tornar visível tudo aquilo que se achava escondido. São inúmeros os trabalhos de fotógrafos que buscavam mostrar corpos reais ? que cheiram, sofrem, envelhecem, adoecem e deformam-se.
Dentre os fotógrafos que fizeram parte desse período, destacamos o trabalho de Sherman, que começa a alienar o auto-retrato das fotos. Em uma série de trabalhos, a artista desvenda o lado nada glorificado das figuras femininas na moda.
Isso fica claro quando, através da construção de corpos monstruosos e abjetos, ela nega todo o consumo de mercadorias relacionadas ao corpo, em algumas fotos, chegando até o extremo de negar o próprio alimento como mercadoria.
Dentre as artes visuais que fizeram parte do movimento, outra recebe um grande destaque; o vídeo. Este era eminentemente uma arte do corpo. Nele, o corpo era usado como instrumento central. Isso deu lugar ao que veremos na década de 90.
Assistimos na década de 90 a centralização do corpo vivo do artista. Agora, nos deparamos com o chamado corpo tecnológico. O corpo deslocou se para as instalações encenadas, para as produções e os retoques. Trata-se da fase de reconstrução da aparência, através de uma cultura que incentiva a mudança de padrões.
O que vemos, na realidade, é que as práticas artísticas e os discursos sobre arte se voltaram novamente para o corpo. Diferentemente das décadas de 50 e 70, "os projetos agora iriam explorar seus novos modos de ser no ambiente urbano crescentemente tecnologizado em que vivemos?? (SANTAELLA, 2003, p.268).
Os anos 90 nos trazem aquilo que seria novo nas artes do corpo. Temos, nessa década, uma substituição do termo body art pela expressão ??práticas orientadas para o corpo" (JONES apud SANTAELLA 2003, p. 268).
A tecnologia domina essa década, levantando assim, vídeos que traziam tanto corpos abstraídos quanto documentais. A tecnologia foi tambémo que mais caracterizou as obras voltadas para o corpo.
De acordo com Jones ( 2003):

A maior parte dos artistas que ficou conhecida, nos anos 90, dispôs de tecnologia multimídia, fotográficas e instalações, tendendo a explorar o corpo e a subjetividade como tecnologizados, especificamente inaturais e fundamentalmente infixáveis na sua identidade ou significado subjetivo/ objetivo no mundo. ( JONES apud SANTAELLA, 2003, p.270).

Todas essas características nos remetem ao corpo que é agora chamado de pós humano. Mas, o que isso significa?

2 ? O corpo do pós humano

Mesmo que o nosso olhar e nosso estudo estejam voltados para o corpo no contexto estético, é importante observarmos as transformações pelas quais o corpo tem passado, caracterizando a denominação de "pós- humano".
Adentramos hoje em uma nova era, na qual é possível pensar em uma nova reformulação e um novo conceito para o que é ser humano. O que de fato é ser humano no século XXI? A pergunta é um tanto complexa. Realmente tanto o corpo como os seres estão vivenciando etapas e dilemas.
Nos últimos vinte anos, não apenas o nosso corpo, mas também tudo aquilo que constitui o humano foi sendo colocado sob um nível de interrogação que acabou por culminar na denominação de ??pós-humano??, meio de expressão encontrado para sinalizar as mudanças físicas e psíquicas, mentais, perceptivas, cognitivas, sensórias que estão em processo (SANTAELLA, 2003, p. 273).
Entre os séculos XX e XXI houve uma nova configuração para designar o que constitui esse corpo diferenciado. A tecnologia permitiu criar uma nova forma para a relação entre o ser humano e o espaço através das máquinas.
Houve uma modificação muito grande na forma dos indivíduos se relacionarem. Vivemos um salto antropológico, chamado de ??revolução noolitica??.
Mas o que mudou com essa revolução neolítica?
Para Levy ( 2003):

As tecnologias intelectuais aumentam e modificam a maioria de nossas capacidades cognitivas: memória (banco de dados, hiperdocumentos), raciocínio (modelização digital, inteligência artificial) capacidade de representação mental (simulações gráficas interativas de fenômenos complexos) e percepção (síntese de imagens a partir de dados digitais) (LEVY apud SANTAELLA, 2003, p. 273).

No entanto, o que queremos aqui não é traçar como aconteceu essa revolução, porém é relevante entendermos como essa tecnologia citada influenciou o novo conceito de humanidade. Dentro do contexto das artes, as tecnologias digitais têm explorado a desfronteirização do corpo físico, sensorial, psíquico, cognitivo (SANTAELLA, 2003, p. 274).
De fato, não podemos desconsiderar a idéia de que o corpo que surge a partir do século XX, não é mais considerado como simples envelope da alma, mas sim, como um corpo pronto para interagir com as novas tecnologias.
Essas tecnologias possibilitaram uma nova arte; a arte do corpo remodelado. Mas, o que significa corpo remodelado? Remodelar nos traz a idéia de reconstruir, manipular, através de técnicas que visam seu aprimoramento físico e estético. (SANTAELLA, 2003, p, 282).
O novo conceito para essa arte do corpo visa à manipulação estética da superfície do corpo. Trata-se do corpo construído com diversas técnicas de aprimoramento físico. Musculação, ginástica são exemplos de exercícios que fazem parte desse aprimoramento. Porém, podemos acrescentar ainda um novo conceito para esse tipo de construção artística. Temos também as técnicas que podemos chamar de ??invasivas??.
É nesse contexto que encontramos diversos processos que na sociedade atual aliam-se para que o novo corpo esteja inserido nos padrões estéticos conjunturais. São as técnicas de modelagem, através das cirurgias plásticas, implantes e os chamados enxertos. A noção de saúde fica esquecida. Tais processos cirúrgicos são feitos não para atender a objetivos saudáveis , mas para se enquadrar na palavra de ordem que está contida em um corpo belo, forte, capaz de alcançar a perfeição como meta de uma sociedade de aparências.
Estamos, assim, diante do culto ao corpo. O exterior agora passa a dominar o interior. Já não importa mais o que somos, mas sim, como somos e o mais importante ??como nos mostramos??. O narcisismo encontra sua mais acabada forma de expressão. Não basta somente ser belo é necessário se mostrar como tal. Não é por acaso que se afirma que o eu entrou em crise. O que assistimos, na sociedade atual, são pessoas inconformadas com seus corpos, rompendo sua personalidade, em busca de um mero corpo fabricado e que esteja dentro dos padrões vigentes ou pré- estabelecidos.
Mas de que forma somos bombardeados por padrões estéticos? Como os veículos comunicação nos mostram o que é belo, perfeito?E a mídia se constitui num instrumento apropriado para difundir tais mensagens?
Como vimos anteriormente, as tecnologias foram relevantes para que o novo corpo viesse a ser reestruturado. Foram responsáveis também, ao longo do século XX, pela propaganda e o marketing. Através desses artifícios, as pessoas passaram a se relacionar de forma diferente. As relações entre pessoas e produtos passaram a existir em termos de imagem do eu, de seu mundo exterior, de seu estilo de vida e, sobretudo, do seu invólucro corporal (SANTAELLA, 2004, p. 126).
Segundo Santaella (2004), isso ocorre, sobretudo, no plano da imaginação:

São, de fato, as representações nas mídias e publicidades que têm o mais profundo efeito sobre as experiências do corpo. São elas que nos levam a imaginar, a diagramar, a fantasiar determinadas existências corporais, nas formas de sonhar e de desejar que propõem (SANTAELLA, 2004, p. 126).


Ou seja, o que assistimos ou lemos nas revistas contribuem, em certo grau, para nos alienar, caso as influências nos façam viver copiando da mídia seus diversos estilos, desde a simples forma de andar, gesticular ao modo de vestir. A imagem do corpo, sua boa forma surgem, assim, como uma espécie de economia psíquica da auto-estima e de reforço do poder pessoal (SANTAELLA, 2004, p. 126, p. 126).
É nesse momento que, como já discutimos anteriormente, o exterior domina o interior. Assim, passamos a compreender o poder que a glorificação e a exibição do corpo humano passaram a assumir no mundo contemporâneo, poder que é efetivado por meio das mais diversas formas de estimulação e exaltação do corpo, como se essa exaltação tivesse como recompensa um renascimento identitário ou a restauração de eus danificados e identidades deterioradas (Crillanovick apud Santaella 2003, p. 126).
Um papel fundamental é dado à mídia nesse sentido. Ela entra como um dos principais meios de difusão e capitalização do culto ao corpo como tendência de comportamento (Castro apud Santaella 2003, p. 126). Alie-se a isso a poderosa indústria da beleza, com seus ??maravilhosos produtos??, que prometem rejuvenescer e tornar belo aquilo que se propõe. Ambas atuam de maneira conjunta. A primeira, a mídia, leva ao público, através de incansáveis mensagens, os mais diversos produtos, descobertas tecnológicas e científicas. A segunda oferece os mais variados produtos para o corpo, prometendo o emagrecimento, pele firme, beleza e aquilo que é pregado sempre, por essa indústria, enquanto fórmula de se encontrar o tão sonhado bem ? estar.
Nesse sentido, o grande público, o alvo dessa mídia e da indústria da beleza, é a esfera feminina. As mulheres da contemporaneidade e sua preocupação com a boa forma são alvos do bombardeio de informação estética. A mídia, através da imprensa escrita, lança revistas que não só divulgam informações sobre produtos e tratamentos estéticos como também ditam padrões e comportamentos a serem seguidos, "ensinando" truques e artifícios de transformação de imagem.
As revistas trazem as mais diversas temáticas, colunas de aconselhamentos, editorias que pregam um ideal de beleza já estabelecido e padronizado difundindo várias dietas para se manter a "forma adequada". Enfim, traduzem em cada página e cada edição a preocupação com a beleza que ganhou força no decorrer do século XX. Mas, na realidade, qual o verdadeiro sentido do corpo mostrado pela cultura da mídia na contemporaneidade?


3 ? O corpo que se exibe nas revistas

A primeira impressão que temos, quando nos deparamos com alguma revista destinada ao público feminino, é a de exagero. Isso mesmo. O corpo que se mostra nas páginas é sempre perfeito, exageradamente belo. Contudo, sabemos que a beleza da imagem é contemplada pela tecnologia, através dos retoques ??milagrosos??.
Não existe imperfeição. O que existe nas páginas são corpos atraentes, perfeitos. Através da fotografia esse corpo passou a ser documentado, registrado. Antes da impressão visual, somente a escultura e a pintura documentavam o corpo. Mas, a fotografia perpetuou essa beleza perfeita, trazendo consigo não apenas a possibilidade de contemplação estética do corpo em todos os ângulos, mas também, e sobretudo, a reprodutibilidade das imagens do corpo (SANTAELLA, 2004, p. 128).Daí surgiram os modelos femininos para a replicação cultural.
Por meio dos avanços tecnológicos e o aprimoramento da fotografia, assistimos agora imagens construídas que não nos parecem reais. Com muita sutileza, tais imagens se distanciam do que o corpo é na vida real. É comum encontrarmos corpos brilhantes, com uma pele aveludada, atingindo uma perfeição fictícia:

Seus corpos são tão perfeitos que parecem cobertos de verniz, de uma película transparente que vitrifica o corpo, um corpo sem poros, sem exsudação, nem excreção, funcionalizado como um revestimento de celofane, exibindo a imortal juventude da simulação.( SANTAELLA, 2004, p. 129).


Temos, portanto, uma simulação do que seria o corpo ideal, com padrões estabelecidos pela sociedade da aparência. Uma característica relevante é que esse padrão de beleza é sempre indubitavelmente obedecido, e por mais que as mulheres fotografadas sejam diferentes, elas sempre estarão parecidas entre si de algum modo. A regra é sempre a mesma; a maquiagem parecida, poses quase idênticas, sensualidade, enfim, tudo que se encaixe dentro de um padrão adequado ao tempo estético.
O que existe, na verdade, é um mercado de corpos produzidos para atrair a atenção. Os olhares sempre estarão voltados para a mulher-objeto. A imagem representa a mulher-perfeição. Para as outras, que não aparecem nas revistas, surge a questão: como atingir esse padrão de beleza? Como ficar com as medidas iguais as que vemos nas revistas? Isso gera, muitas vezes, descontentamento entre as leitoras que possuem corpos distanciados dessa realidade.
Sem dúvida, o que essas imagens sugerem não é possível alcançar. O padrão de corpo mostrado é o da encenação. Tudo é sempre muito bem acabado, a perfeição atinge o auge. Porém, não estamos livres do poder de sedução que tais imagens nos mostram. ??É tal força subliminar dessas imagens que, mesmo quando se tem consciência do poder que elas exercem sobre o desejo, não se está livre de sua influência inconsciente?? (SANTAELLA, 2004, p.130).
O que existe é um corpo fabricado para vender determinado produto. Quase sempre ele vende a si mesmo. Vende medidas, como deve ser uma barriga para se tornar atraente, para ter o ??poder da sedução??. Não importa a que questão da saúde isso venha prejudicar. O que vale é estar bela em um contexto que não permite a imperfeição.
Essa mídia trabalha com um público que, se atém à publicação porque nela encontra respostas sobre como um belo corpo deve ser, o que precisa vestir ou como se comportar, por exemplo. Em uma época em que o narcisismo predomina, é natural (...) o processo mediante o qual as
sociedade prescreve que se conforme com isso, não lhes deixando alternativa a não ser amar a si mesmas. "Investir em si mesmas de acordo com as regras que lhes são impostas pela sociedade" (SANTAELLA, 2004, p.130). Tal contextualização fica evidente quando vemos nessas mídias apelos que sugerem ?? cuide- se??, ou ??invista em você??.
Dessa forma, o que as revistas transmitem para o público é sempre a possibilidade de se possuir tais formas, de quais maneiras pode-se trabalhar o corpo para modificá-lo. No entanto, esse apelo nada mais é do que mera luta que atinge jovens e adultos das diversas classes sociais, mas que, na verdade, significa uma ilusão infinita. O corpo que se almeja, o corpo cobiçado fica tão distante, que dá lugar a um caminho que coloca a nossa aparência como sintoma de uma cultura a alcançar.


4- A revista BOA FORMA e o culto à beleza


Antes de iniciarmos a nossa discussão sobre a publicação analisada, é importante pensarmos um pouco sobre o que é o jornalismo de revista. Hoje as revistas representam uma grande variedade editoral. São milhares de títulos e para todos os gostos. A revista está inserida num mercado segmentado de público e publicidade. Segundo Scalzo (2004) ??revista bem focada é aquela que tem sua missão clara e concisa, cujos jornalistas sabem exatamente para quem escrevem, e trabalham para atender às necessidades ditadas pelos leitores??(SCALZO, 2004, P.62)

Além de conter informações de qualidade, exclusivas e bem apuradas, o texto de revista precisa de um tempero a mais. Diferente do leitor de jornal, o de revistas espera, além de receber a informação correta, simples e clara ? seja o exercício do abdômen, a receita do bolo, a nota política, o roteiro de viagem -, mas quer também um texto que não seja seco, como um mero, aperto de mão (SCALZO, 2004, P.76)

Tal segmentação encontra sua forma mais bem acabada. Sempre haverá público para consumir tal informação. Uma das vantagens que esse veículo detém é que conhece o leitor com proximidade. Essa relação gera confiança e expectativas, o que constrói uma identificação entre leitor/ revista, fidelizando e cativando o público para o qual a publicação se destina. Podemos dizer também que a revista tem natureza conotativa, opinativa, é de conteúdo mais literário e apresenta um estilo mais leve e específico.
Na revista BOA FORMA essa realidade não é diferente. Trata-se de uma publicação mensal da editora Abril. A revista traz assuntos voltados para o público feminino. É possível encontrar em suas páginas: matérias sobre como emagrecer, dietas, receitas, dicas de malhação, moda e comportamento, guias de calorias e histórias de leitoras que venceram o desafio de adquirir o corpo que desejavam.
Para este estudo selecionamos uma seção da revista intitulada "Eu consegui?? para desenvolver o método da análise de conteúdo. A análise será temática, utilizando trechos da matéria que comprovem a relação corpo e aparência e adotando a transcrição literal das passagens que compõem o texto. Adotamos também a análise do conteúdo das imagens para a compreensão do texto selecionado: as fotos da personagem mostradas na reportagem.
Segundo Bardin (1979), o método análise de conteúdo consiste em uma explicitação, sistematização e expressão dos conteúdos das mensagens, com a finalidade de efetuarem deduções lógicas e justificadas a respeito da origem dessas mensagens.
Para Bardin (1979) a análise de conteúdo constitui:

?? Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores ( quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção dessas mensagens?? (BARDIN, 1979: 42).

De acordo com a definição exposta é possível perceber que o procedimento é baseado na inferência e na lógica.
A matéria escolhida é assinada pela jornalista Márcia Di Domenico e traz uma leitora da revista contando a sua história de vida e como conseguiu emagrecer. O próprio título da seção nos remete a idéia de algo que exigiu grande esforço da protagonista.
A sessão expõe mulheres com uma história de vida comum, donas-de-casa, que buscam um corpo perfeito, não importando o que isso pode custar ou quais as intervenções ou métodos para se adquirir êxito nessa empreitada. A história é narrada pela própria protagonista, da maneira como ela vivenciou os fatos e sem a preocupação de ser um texto com estrutura literária, mas que atende o caráter de um texto opinativo e de cunho mais sensacionalista.
Escolhemos de forma aleatória uma das edições da revista que nos mostra essa realidade. A edição de setembro de 2010 nos traz como título ??Dei adeus a depressão e voltei a ser magra??, retratando a história de uma mulher com uma vida normal que, devido a alguma circunstância, engorda, começa a se incomodar com os quilos extras e a aparência daí decorrente e a partir daí começa sua jornada sofrida para emagrecer. No início do texto observamos:

Comecei a engordar há dez anos, quando minha carreira de tabeliã deslanchou. Passei a ser chefe, assumi responsabilidades e a ansiedade me fez passar dos 60 para os 73 quilos. (...) (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).

Percebemos assim, numa leitura inicial, que houve, de fato, um motivo para explicarmos o ganho de peso da personagem. A ansiedade, a vida agitada nas grandes cidades, a comida rápida, a pressão a qual algumas mulheres são submetidas no trabalho, em casa, ao exercer o papel de mãe e as cobranças da sociedade com as novas funções. Ela nos mostra como fazia para driblar a ansiedade, utilizando a comida como tática de sobrevivência ao estresse:

Em 2007, com esse peso, fiquei grávida (...) os médicos disseram que tínhamos, eu e a criança, chances mínimas de sobreviver, mas deu tudo certo. (...) Meu bebê, porém, ficou mais de dois meses na UTI, (...) fiquei superestressada e me consolava na comida. (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).



Com essa declaração observamos um exemplo de comida como um refúgio, um consolo para suprir alguma falta. Nesse caso, a preocupação de uma mãe que está com um filho enfermo. No entanto o fato que irá nos interessar ainda mais vem adiante, através do seguinte trecho:


De volta para casa, mas ainda muito abalada, não suportei a pressão que eu mesma me impunha para ser uma profissional eficiente, mãe perfeita (...) e esposa bonita e dedicada ( olhava no espelho e me via cansada e gorda). Acabei caindo em depressão. (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).


Vemos, no período em destaque, o desespero da personagem em assumir diversas tarefas diárias e ainda, segundo os padrões sociais de beleza, permanecer bonita, magra e aparentemente sensual. Como ela não vivenciou essa realidade, não foi capaz de lidar com a pressão exercida, talvez por ela mesma, caiu em depressão.
Adiante, podemos perceber a luta contra a doença quando fica explícita a afirmação: ??estava pesando 78 quilos e desesperada para emagrecer quando fui parar nas mãos de um médico completamente despreparado (...)??( Revista BOA FORMA, São Paulo, n. 283, p.130, set. 2010). Notamos assim a busca desenfreada pelo auxílio que possa conduzir ao corpo ideal. A procura pelo especialista, nesse caso o médico, traduz esse desespero, aquilo que Santaella (2003) denomina de "pulsão contemporânea" pela busca do enquadramento e a possível transformação do que nos incomoda.
No entanto, percebemos que a busca da leitora não obteve êxito apenas com sua força de vontade; foi preciso apelar para várias táticas. A reportagem nos mostra que para perder peso, especialmente nesse caso, foram adotadas diversas técnicas de manipulação da superfície do corpo já citadas nesse estudo. Isso fica claro quando a personagem relata:

(...) No final do ano passado, consegui dar a volta por cima. Com acompanhamento de uma endocrinologista, dieta, RPG, ioga e tratamentos estéticos, além de terapia, controlei a ansiedade e a depressão e alcancei os 63 quilos em cinco meses (...). (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).

Somente foi possível conquistar o corpo desejado através dessas técnicas de aprimoramento estético. A personagem declara com visível satisfação que "o meu guarda-roupa GG não existe mais ? hoje, uso manequim 40?? ( REVISTA BOA FORMA, São Paulo, n. 283, p.130, set. 2010).
Um fato que chama a atenção no final do texto é a exposição de uma antítese quando fica exposta a idéia de que a personagem nunca almejou ter o corpo perfeito ou malhado, mas de forma inconsciente alcançou "a felicidade", tornando-se mais bela, mostrando que se deixou levar pelo apelo das diversas mídias na aquisição deste ideal, influenciando-se por propagandas, imagens de modelos e um padrão de corpo estabelecido culturalmente: magro e saudável. Podemos inferir tal conclusão quando analisamos o seguinte trecho:
(...) mas poder encontrar roupas bacanas para trabalhar e me olhar no espelho e reconhecer a mulher que eu era antes (...). Isso é uma felicidade conquistada com disciplina e força de vontade. (Revista BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).

O objetivo de poder usar ??roupas bacanas?? nos permite inferir que estas são somente usadas por pessoas magras, ou que estejam com o corpo de acordo com o padrão estabelecido. Alie-se a isso o fato de que, a personagem utiliza a palavra ??felicidade?? para designar o seu estado de espírito depois de conseguir emagrecer e poder usar tais roupas. Ela não diz em seu discurso que o a perda de peso a deixou mais "saudável". Não há referências à saúde na sua fala, o que nos conduz a pensar que a aparência é o fator mais importante.
A seção também nos mostra duas imagens da personagem. A fotografia menor fica a direita da página e mostra como ela era antes do processo de emagrecimento. Os dados adicionais são nome, idade, altura, peso atual e sua conquista (nesse caso quantos quilos conseguiu emagrecer). A outra imagem ocupa um maior espaço na página. Podemos perceber uma completa produção, desde figurino até a maquiagem.
A expressão de felicidade da personagem chama a atenção dos leitores e uma pequena coluna a direita da página tem como título ??Projeto corpo novo?? apontando as medidas adotadas pela personagem para obter o corpo ideal. Na coluna estão contidos três tópicos: a dieta, os exercícios e a estética, utilizadas para ??(...) recuperar a boa forma e autoestima.?? (REVISTA BOA FORMA, São Paulo, n.283, p.130, set. 2010).
Nesse sentido, o método da análise de conteúdo permitiu que nossas inferências fossem confirmadas, uma vez que a publicação associa a autoestima das leitoras ao processo de reconstrução estética, quando vale menos as condições de saúde das pessoas e mais a beleza física, o que comprova os padrões estimulados pela chamada sociedade de aparências. Sobressai também que o bem estar físico é condição de felicidade social, sendo capaz de superar transtornos psicológicos, reduzindo assim a importância do acompanhamento médico. É como se um belo corpo fosse também capaz de embelezar as almas femininas.











Conclusão

A partir desse estudo podemos concluir que o corpo humano é um elemento incisivo no processo de comunicação e que ao longo da história e das transformações da sociedade torna-se elemento de diversas mudanças, expectativas e indagações. O próprio conceito de corpo em sua complexidade nos permite essa observação, modificando-se ao longo das transformações culturais evidenciadas ao longo da história.
Assim, o corpo inserido dentro desse contexto dinâmico nos remete não apenas à idéia de processos culturais, como também processos econômicos e sociais. Para constatar isso, precisamos situar um determinado conceito de corpo em determinados períodos da história, cada um com suas particularidades e singularidades, conforme a fundamentação teórica de autores como Crespo e Santaella.
Isso nos conduziu a entender o que é o ser humano na contemporaneidade e como sua personalidade se mostra vulnerável à cultura estética, através do padrão de corpo que a sociedade prega como ideal. Percebemos ainda, nesse processo, a forte influência exercida pelos meios de comunicação, sobretudo, as revistas femininas, como a BOA FORMA, na construção e difusão da beleza corporal.
Na análise da reportagem, pertencente à seção ??Eu consegui??, detectamos que existe uma exigência por um corpo magro, esbelto, sem imperfeições, independentemente de qual técnica será utilizada para se obter êxito nessa busca. E, sobretudo, que a revista transmite a mensagem de que o ato de ser feliz está atrelado a um corpo condizente com os padrões estabelecidos.
Diante da complexidade que perpassa o tema, impossível de ser esgotado nos limites de um artigo, esperamos que este trabalho contribua para novas e aprofundadas pesquisas a respeito do corpo como instrumento de comunicação na sociedade contemporânea, contemplando outros veículos de natureza midiática, a fim de encontrarmos mais respostas sobre essa problemática.
REFERÊNCIAS


BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. 229 p.

CRESPO, Jorge. A História do Corpo. Lisboa - Portugal: DIFEL, 1990.


DI DOMENICO, Márcia. Eu consegui. Revista BOA FORMA, São Paulo, n. 283, p. 130, set.2010.

SANTAELLA, Lúcia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus , 2004.

SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.

SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2003.