Conversa de Pescadores. A história da onça que comeu o jacaré, que comeu o gavião, que comeu caranguejo, que...

 

                Esta história se passou nas cercanias de Santarém, Pará, na região do Baixo Amazonas. Foi-me contada por um colega, o Dionísio, filho daquela região.

                O caboclo mocorongo, como de resto todo caboclo vivente das beiras dos rios amazônicos, tira das águas destes rios o seu alimento diário. Para isso, costuma usar diversos  métodos de captura de peixes. Um dos mais usados é o espinhel, que consiste de uma linha principal feita de corda mais grossa, que suporta comumente de 4 a 10 anzóis, suspensos por linhas curtas de um metro de comprimento ou menos. A extensão total do espinhel pode chegar a 30 metros. As suas extremidades são amarradas entre ramos de árvores ou cipós da beira e, em seguida, os anzóis são iscados. Para esta tarefa, usam-se frutos, sementes e também uma espécie de caranguejo pequeno, de coloração avermelhada, muito comum nessas áreas.

                Certa feita, o caboclo estendeu o espinhel, iscado que foi com o dito caranguejo. Quando foi despesca-lo, em vez de encontrar tambaqui (Colossoma macropomum) deu de cara com uma onça (Pantera onça) iscada na linha. Ao sacrificá-la, para a retirada do anzol, em seu estomago foi encontrado um pequeno jacaré-açu (Melanosuchus Níger). Curioso que era, tirou as tripas deste réptil e, dentro delas, encontrou um gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis). O espanto do caboclo foi maior ainda quando percebeu que, na goela da ave falconiforme, encontrava-se o pequeno caranguejo (trichodactylus sp.) e finalmente o procurado anzol!

                Descontados os exageros próprios de história de pescadores, esta narrativa nos mostra um fato ecológico muito importante e já constatado cientificamente: a interdependência existente entre os ambientes terrestres e aquáticos da Amazônia. Senão vejamos: O peixe tambaqui alimenta-se de frutos de seringueira-barriguda (Hevea spruceana) e de jauari (Astrocarium jauri), na época de floração dessas espécies vegetais, características das margens dos rios. Quando não existem estes frutos, o peixe captura pequenos crustáceos, dentre outros pequenos animais. Outros três gêneros deste peixe caracóide (Brycom, Mylosmae Myleus) também são considerados frugívoros – comedores de frutos – e granívoros – comedores de sementes. Pacus alimentam-se de mata-fome (Paulinia sp.) e de tartaruguinha (Amanoa sp.) que crescem nas margens do rio. Até a temível piranha (Serrasalmus sp.), na época da escassez de suas presas, não dispensa sementes de seringueira.

                Na história acima, temos um organismo – crustáceo – que vive por entre os capins das margens; uma ave de rapina, que habita a floresta marginal ao rio; um réptil que alterna o ambiente aquático com o terrestre e um mamífero carnívoro, tipicamente terrestre, porém, que vai à beira do rio se refrescar e beber água. Assim, a cadeia alimentar formada, engloba organismos que mesmo vivendo em ambientes distintos, trocam entre si relações alimentares, que demonstram o quanto deve ser cuidadoso o manuseio e a transformação dos ecossistemas da Amazônia.