Convenção sobre Diversidade Biológica: a biopirataria no Brasil e a necessidade de uma política criminalizadora para a efetiva proteção jurídica da biodiversidade

Marcio Renard Lima de Araujo
Ruana Talita PEnha de Sá

Sumário: Introdução; 1 A Convenção sobre Diversidade Biológica; 1.2 Aspectos gerais da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais associados; 2 A tutela Jurídica da Biodiversidade no Brasil; 3 A biopirataria no Brasil 4 A necessidade criminalização da biopirataria no Brasil; Considerações Finais; Referências.

RESUMO

A biopirataria consiste no uso não autorizado do patrimônio genético e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade de determinada nação e é um problema que aflige principalmente os países considerados megadiversos. A partir da Convenção da Diversidade Biológica, contrariando o entendimento que os recursos genéticos constituíam patrimônio da humanidade, reconheceu-se o direito soberano dos Estados sobre seus recursos naturais, assim a autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional. No entanto, é importante frisar que a legislação pátria ainda é precária, inexistindo instrumentos jurídicos eficazes. Desta forma, haja vista as conseqüências negativas da biopirataria para o Brasil, o presente trabalho sustenta a necessidade de tutela penal como um passo importante e decisivo à efetiva proteção jurídica da biodiversidade.


PALAVRAS-CHAVE

Biodiversidade ? Biopitaraia ? Criminalização ? Convenção sobre Diversidade Biológica


Introdução

Em 1992 durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento no Rio de Janeiro, foi aberta para assinatura a Convenção sobre Diversidade Biológica iniciando um processo de conscientização da necessidade de conservação da diversidade biológica, o uso sustentável de seus componentes e a divisão eqüitativa e justa dos benefícios decorrentes do uso de recursos genéticos.
A CDB, ratificada pelo Brasil em 1994, afirmou a soberania dos países quanto ao acesso e utilização dos recursos biológicos, assim cada país é responsável pela promoção de leis que protejam, preservem e incentivem o seu uso sustentável. Sendo o Brasil um país considerado megadiverso, figurando entre as nações com maior biodiversidade do mundo, torna-se relevante a adoção de políticas e medidas que visem proteger esse inestimável patrimônio das praticas de biopirataria.
Cabe, destacar que a biopirataria não consiste exclusivamente no contrabando da flora e fauna de um país, trata-se de uma atividade extremamente rentável, que inclui ainda a apropriação e monopolização de conhecimentos tradicionais no que se refere ao uso dos recursos naturais.
A questão da biopirataria envolve diversos tipos de crimes que ainda não possuem uma lei específica e diante deste déficit de disposições de proteção legal o presente trabalho busca demonstrar, a partir de pesquisas bibliográficas e documentais, em que medida a criminalização do uso não autorizado dos recursos biológicos pode figurar como um instrumento eficiente na proteção da diversidade biológica nacional.
Partindo de uma breve análise da Convenção sobre Diversidade Biológica buscou-se abordar os aspectos gerais da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais associados. Em um segundo momento percorreu-se o ordenamento jurídico brasileiro apresentando os principais dispositivos normativos existentes que visam tutelar esse patrimônio biológico. E por fim, após apresentar a biopirataria no Brasil, foram feitas algumas considerações acerca da necessidade de tutela penal na proteção do patrimônio genético.

1 A Convenção sobre Diversidade Biológica

Aberta para assinatura em 1992 durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento no Rio de Janeiro, a Convenção sobre Diversidade Biológica "trata-se de uma ?convenção quadro? que define medidas legislativas, técnicas e políticas a serem adotadas pelos Estados-Parte." (ANTUNES, 2007, p. 345).
Em regras gerais a convenção tem como objetivos a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização desses recursos genéticos.
A CDB reconheceu o direito soberano dos Estados sobre seus recursos biológicos. Assim, nos termos da convenção, o acesso aos recursos biológicos e genéticos deve estar sujeito ao consentimento prévio informado dos países de origem e das populações tradicionais detentora dos conhecimentos associados a estes recursos. (SANTILLI, 2005, p.48).

1.2 Aspectos gerais da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais associados

A partir de então, o termo diversidade biológica passou a ser utilizado constantemente, contudo há quem afirme que não há unanimidade quanto à expressão não sendo assim pacífica sua conceituação.
Nesse sentindo, faz-se necessário, apresentar, ainda que de forma breve o que vem ser a biodiversidade. Para tanto, faremos o uso do conceito jurídico adotado pela CDB em seu art. 2º que define o termo como:

A variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.

Cumpre frisar ainda, uma noção panorâmica do que vem ser o conhecimento tradicional associado à biodiversidade. É sabido que a biotecnologia exercida pelo homem ao longo de décadas, insurgiu em inúmeros conhecimentos científicos que se agrupam ao famoso mundo globalizado. Entretanto, é imprescindível reconhecer que existe outro mundo que está à margem dessa órbita moderna, que são os conhecimentos tradicionais, que segundo SANTILLI (2005, 192) vão desde técnicas de manejo de recursos naturais até métodos de caça e pesca, conhecimentos sobre os diversos ecossistemas e sobre propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas de espécies e as próprias categorizações e classificações de espécies de flora e fauna utilizadas pelas populações tradicionais
Compete dizer que considera-se populações tradicionais, qualquer comunidade que exerça um modo de vida tradicional. Nesse sentido, ANTUNES (2007 apud NASCIMENTO, 2002, p.19) define tais populações como aquelas que, em princípio, habitam as florestas nacionais, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, ou seja, com aqueles denominados povos da floresta, que, reconhecidamente, tenham uma forma de vida peculiar e característica, distinguindo-os na comunidade nacional. Visto isso, passaremos a apresentar os principais instrumentos nacionais que dispõem sobre o acesso aos componentes da biodiversidade

2 A tutela jurídica da biodiversidade no Brasil

Primeiramente faz-se necessário a seguinte indagação, como adverte Santilli (2005, p.197): Porque conferir tutela jurídica aos conhecimentos associados à biodiversidade? Nada mais válido dizer que tais conhecimentos ganharam proporções importantíssimas, principalmente na seara dos produtos farmacêuticos, agrícolas e químicos. A criação de uma proteção jurídica irá coibir a utilização indevida por terceiros, além de proporcionar uma garantia para os interessados na busca dos recursos genéticos e/ou conhecimentos tradicional e também aos detentores de tais conhecimentos e recursos.
Nesse contexto de afirmação de direitos, a Convenção de Diversidade Biológica teve formidável desempenho para dar corpo jurídico as regras que disciplinam as regras de acesso a biodiversidade, na qual, estão elencadas no respectivos decretos: Decreto nº 2.519/98, a Medida Provisória nº 2.186-16/2001 e os Decretos nº 3.945/2001; 4.339/2002; 4.946/2003; 5.439/2005; 5.459/2005; 6.159/2007.
Na órbita nacional, percebe-se que a Republica Federativa do Brasil criou um arcabouço normativo que admite às populações tradicionais a prática de direitos atrelados aos seus conhecimentos sobre a biodiversidade, haja vista, que esse rol normativo regula a pesquisa, a repartição das benfeitoras e o uso da biodiversidade. (NASCIMENTO, 2007, p. 84)
No que tange ao Decreto nº 2.519/98, fora o mando que promulgou a CDB em que nomeia a legislação nacional competência para regular o acesso à biodiversidade (art.15). Quanto a MP nº 2.186-16/2001 assegura o acesso aos recursos genéticos bem como ao conhecimento tradicional associado. A medida por sua vez, contém capítulos específicos que protegem o conhecimento tradicional, senão vejamos o caput do art. 8º:
Fica protegido por esta Medida Provisória o conhecimento tradicional das comunidades indígenas e das comunidades locais, associado ao patrimônio genético, contra a utilização e exploração ilícita e outras ações lesivas ou não autorizadas pelo Conselho de Gestão de que trata o art. 10, ou por instituição credenciada.

A então MP exige que os benefícios decorrentes da exploração econômica de produtos ou processo de ampliação pelos componentes dos produtos genéticos serão compartilhados de forma justa e equitativa. Assim:

Toda vez que se identificar um potencial uso econômico do produto ou do processo advindo do acesso ao patrimônio genético, ou de informação oriunda de conhecimento tradicional, mesmo que tal constatação seja posterior, é necessário a formalização de contrato de utilização de patrimônio genético e de repartição de benefícios. (CERQUEIRA, 2007, p. 42)

Além disso, a então medida em seu art. 30 prevê, que a violação das normas no que tange ao acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado estabelece infração administrativa e reprime o transgressor a diversas sanções. Contudo em preceitos normativos são obscuros quanto a sua exigência.
Nota-se, porém é que apesar das normas administrativas existirem no arcabouço jurídico há dificuldades de ordem prática que ensejam o ordenamento administrativo inteiramente impotente para a proteção do bem jurídico almejado. O Brasil por ser um país que abarca 20% da biodiversidade no planeta mostra-se ineficiente no que tange a conservação da biodiversidade e na extração de benefícios do uso sustentável de suas próprias riquezas. Nesse diapasão só faz corroborar a ideia de que a criminalização a biopirataria ocasionará num esforço imprescindível ao aparelho jurídico de proteção. (NASCIMENTO, 2007, p.85).
Porém nada obsta que esses instrumentos penais existam e que haja o reconhecimento de sua finalidade. Contudo, a incriminação de certas condutas lesivas, tais como o comportamento relacionado à biopirataria assume uma feição exigível no que concerne a complementação do ordenamento jurídico, levando à baila o reforço ao arcabouço normativo existente, que não se pode negar quanto a sua deficiência para certas ocasiões e inexistência para outras. (NASCIMENTO, 2007, p.86).

3 A biopirataria no Brasil

Em 2003 instaurou-se a Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar o Tráfico de Animais e Plantas Silvestres Brasileiros, a Exploração e Comércio Ilegal de Madeira e a Biopirataria no País ? CPIBIOPI, tendo o Deputado José Sarney Filho como seu Relator. A referida CPI, entre outras atividades, investigou denuncias de exploração ilegal de recursos biológicos.
Os recursos biológicos são considerados como fonte de riquezas e alternativas de crescimento econômico para os países que, assim como o Brasil, detém um vasto patrimônio biológico. Este potencial econômico, no entanto, é alvo constante de exploração ilegal, e este uso não autorizado de componentes da biodiversidade ou a apropriação dos conhecimentos tradicionais representam grande ameaça ao desenvolvimento.
Diante dessa exploração indevida do patrimônio genético que um país detém, surgiu a expressão biopirataria. O termo não abrange apenas a manipulação ilegal da fauna e da flora, mas a apropriação e monopolização do conhecimento que as populações tradicionais detêm do uso dos recursos biológicos. Nesse sentido, a despeito da falta de definição jurídica da expressão, Juliana Santili (2005, p.197) conceitua a Biopirataria como atividade que envolve o a apropriação de recursos genéticos de um determinado país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais recursos genéticos (ou a ambos) sem o devido respeito aos princípios da Conversão da Biodiversidade, isto é, sem autorização do país de origem e de suas comunidades locais e a repartição de benefícios.
Por ser detentor de um patrimônio que constitui uma inestimável fonte de riquezas naturais, o Brasil atrai constantemente a cobiça internacional e, por isso, figura entre os campeões da biopirataria. Fatos históricos demonstram que esta exploração desenfreada de seus recursos naturais vem desde o descobrimento, estendendo-se ao longo dos séculos.
Os inúmeros casos de biopirataria que são divulgados na mídia incitam o debate sobre os riscos e prejuízos decorrentes da perda da biodiversidade para um país. Conforme ilustra SANTILLI (2005, p. 205), não obstante a CDB coibir esta prática, "há casos de apropriação indevida de um recurso que pertence a outro país e às suas comunidades locais, por meio do uso de um instrumento legal, o direito de propriedade intelectual, especialmente a patente, consagrado pelas legislações nacionais e internacionais. Segundo HATHAWAY (2008, p. 182) "o recurso mais utilizado no roubo dos recursos da diversidade cultural e biológica é a patente, ou uma das outras formas de ?propriedade intelectual ?a disposição no mercado." São vários os casos de patenteamento de elementos pertencentes ao patrimônio biológico brasileiro por outros países, como no caso do cupuaçu, da andiroba e tantos outros veiculados na mídia.
Acontece que a maioria dos países que detém patrimônio megadiverso, assim como o Brasil, são países em desenvolvimento e ainda carecem de tecnologia. Desta forma há certa dominação dos países que detém a biotecnologia e, portanto, são os maiores consumidores da biodiversidade, e aqueles possuidores de vasto patrimônio biológico.
O professor Gonzalo Enriquez (2006, p. 43), em depoimento à CPIBIOPI afirmou que "a inércia governamental tornou o Brasil refém dos países detentores das tecnologias de ponta, que buscam de forma arbitrária a transferência de recursos genéticos para suas indústrias, principalmente a farmacêutica."
Diante desse cenário de dominação surge a importância de se estabelecer o quanto antes mecanismos eficazes de controle ao acesso à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais associados, e assim garantir a conservação desse patrimônio e a repartição dos benefícios conforme estabelecido na CDB. O relatório final da CPIBIOPI , que trás o resultado de trabalhos investigativos de vários casos, estabelece algumas medidas objetivando evitar essa perda do patrimônio brasileiro, entre elas urgência na aprovação do Projeto de Lei nº 7.211/02 (que prevê o tipo penal de biopirataria) e tipificar como crime a apropriação dos conhecimentos tradicionais de comunidades locais, no entanto, hoje, alguns anos após a CPI, nada foi feito nesse sentido.

4 A necessidade de criminalizar a biopirataria no Brasil

Não obstante o disposto na CDC, que em reconhecimento ao direito soberano dos Estados sobre seus recursos naturais, concedeu a estes, autoridade para determinar o acesso a seus recursos genéticos através de legislação nacional, em nosso país, o que vemos é um grande vazio legislativo. Nesse sentido, HATHAWAY (2008, 181), ao citar a existência de uma única medida provisória, revela uma carência de normas que disciplinem o "acesso aos componentes do patrimônio genético". Ressaltando, ainda, que "como a violação dessa medida provisória não é crime, a biopirataria no Brasil não é crime".
Ainda sobre a omissão legislativa brasileira no que tange o acesso a diversidade biológica, SANTILLI (2005, p.191) relembra que o texto da Lei nº 9.605/93, responsável pelos crimes ambientais, foi aprovado pelo Congresso Nacional, contemplando no art. 47, o crime de biopirataria, embora não utilizasse essa expressão. O então Presidente da República, Fernando Henrique, no entanto, vetou o referido dispositivo legal sob alegação que o mesmo era muito abrangente. Cabe ainda frisar que vários projetos de lei que visam regular o acesso ao patrimônio genético e combater biopirataria foram apresentados, no entanto nenhum foi pra frente.
Em razão dos inúmeros casos de apropriação dos recursos naturais brasileiros sem autorização estatal e dessa falta de legislação específica, que justificam a urgência na implementação de instrumentos jurídicos que possam garantir a proteção jurídica da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais associados, que observa-se a necessidade criminalização da biopirataria, e por essa razão, defende-se aqui criação de uma lei com esse objetivo.
Contudo, quando se vislumbra a possibilidade de tutela penal, faz-se mister a identificação do bem jurídico que será tutelado no caso de criminalização da biopirataria. Nesse sentido, Luiz Régis Prado (2005, p. 102) considera que o "pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção dos bens jurídicos". Para ele, a noção de bem jurídico é indispensável para que ocorra tutela penal.

Em um Estado democrático e social de Direito, a tutela penal não pode vir dissociada do pressuposto do bem jurídico, sendo considerada legítima, sob a ótica constitucional, quando socialmente necessária. Isso vale dizer: quando imprescindível para assegurar as condições de vida, o desenvolvimento e a paz social, tendo em vista o postulado maior da liberdade e da dignidade da pessoa hiumana. A noção de bem jurídico implica a realização de um juízo positivo de valor acerca de determinado objeto ou situação social e de sua relevância para o desenvolvimento do ser humano. (PRADO, 2005, p. 104)

Visto isso, poderíamos então, dizer, em linhas gerais, que o bem jurídico a ser tutelado neste caso seria o meio ambiente. Nesse contexto, cabe ressaltar que a Constituiçao Federal em seu art. 225 incumbiu o legislador infraconstitucional da tarefa de assegurar a defesa e a preservação do meio ambiente equilibrado, admitindo, caso se faça necessário, a intervenção da tutela penal. Nessa conjuntura, PRADO, (2005, p. 80), assinala "a necessidade de proteção jurídico-penal, com a obrigação ou mandato expresso de criminalização"
Não obstante isso, NASCIMENTO (2007, p. 77) leciona que "a noção de tutela do bem jurídico meio ambiente é ainda uma idéia vaga e fluida, quando se toma como referencial a biopirataria." Diante desta afirmação, faz-se necessário delimitar o bem jurídico que será tutelado na intervenção penal no caso da biopirataria. Assim, no que tange a biopirataria, ainda que de certa forma sempre se vise proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a tutela incidiria, de forma mais exata, sobre o patrimônio genético da biodiversidade e/ou sobre os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, elementos, ainda que estes elementos integrem o conceito bem ambiental em seu aspecto amplo e difuso. (NASCIMENTO, 2007, p. 77)
Deste modo, quando falamos da necessidade de criminalizar a biopirataria o objetivo é punir o acesso e a apropriação da biodiversidade nos casos que estes ocorrem sem a anuência do Estado. Portanto, neste crime, o bem jurídico a ser tutelado pelo Direito Penal seria a biodiversidade, representada pelos seus elementos naturais e pelos conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético.
Sobre a tutela do Direito Penal à biodiversidade, NASCIMENTO (2007, p. 92) alerta que:

No momento presente, não criminalizar a biopirataria seria um erro, pois os demais mecanismos estabelecidos para realizar o referido controle se mostram ineficientes e pouco importa se a ineficiência é por inoperância do próprio aparelho estatal. O que é relevante, neste caso, é que o Direito Penal, mais do que os outros meios de controle, exerce também uma função intimidadora ou de prevenção geral que necessariamente contribui para a preservação de um bem juridicamente protegido


Nesse contexto, diante da falta de instrumentos jurídicos eficazes para inibir e até mesmo punir essa atividade ilícita que segundo NASCIMENTO (2007, p. 92), "atenta contra os interesses nacionais e também se constitui em uma prática violadora de direitos humanos", defende-se aqui a necessidade de tutela penal, ressaltado a função preventiva da norma penal, como mecanismo de controle indispensável ao combate a biopirataria.

Considerações Finais

Diante do que fora delineado ao longo deste trabalho, podemos perceber que, embora haja um arcabouço normativo que vise à tutela da biodiversidade no Brasil, é sabido que há uma ineficiência quanto a sua execução no plano fático, haja vista, que os países detentores de uma vasta biodiversidade ? especificamente nosso país ? tornam-se impotentes no que concerne o amparo da mesma, além de ser inerte na fiscalização da extração dos benefícios de uso sustentável de suas próprias riquezas.
Contudo, não há o que negar sobre a existência desses instrumentos sancionatórios e a conscientização da preservação da biodiversidade e de seus componentes. É dentro dessa órbita, que no ano de 2003 fora instaurada uma CPI que tinha como escopo a investigação de exploração ilegal de recursos biológicos. Não obstante a isso, sobressaíram inúmeros debates acerca da necessidade de criminalizar a exploração indevida de patrimônio genético ? biopirataria ? como sendo uma forma de minimizar os prejuízos causados à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais associados.
Desta feita, ao advertirmos sobre a necessidade de criminalização à biopirataria o desígnio é coibir o acesso e a apropriação da biodiversidade sem o consentimento do Estado.


REFERÊNCIAS

ATUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10 ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2007.
HATHAWAY, David. A biopirataria no Brasil. In: BENSUSAN, Nurit. Seria melhor mandar ladrilhar?: Biodiversidade ? como, para que e por quê. 2. ed. São Paulo: Peirópolis, 2008.

LEMER, Lucy. A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA ? CDB: A tutela jurídica da diversidade biológica.

NASCIMENTO, Danilo Lovisaro do. A biopirataria na Amazônia: uma proposta jurídica de proteção transnacional da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais associados. 2007. Dissertação (Mestrado Interinstitucional em Direito) ? Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.

PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA BIOPIRATARIA (CPIBIOPI). Câmara dos Deputados. Presidente Dep. Antônio Carlos Mendes Thame e Relator Dep. José Sarney Filho. Brasília: Centro de Documentação e Informação, 2007. p. 40. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/comissao/index/cpi/Rel_Fin_CPI_Biopirataria.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2011.

SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005.