1. INTRODUÇÃO

A evolução dos fatos até chegarmos ao constitucionalismo nos mostra os pactos forais e cartas de franquia, contratos de colonização, as Leis Fundamentais do Reino e as doutrinas do Pacto social, sempre objetivando os direitos e as garantias individuais.

A partir de 1791, passam as Declarações de direitos a fazer parte das constituições escritas, o que levou à afirmação de que a sociedade cuja organização não tiver tais declarações e a separação de poderes não tem Constituição.

Não basta, porém, o texto escrito, à eficácia do mesmo, se não houver um controle de constitucionalidade, ou seja, a verificação da adequação dos atos e, principalmente, das leis à Constituição.

Para que haja esse controle faz-se necessário a criação de órgãos adequados, competentes e com competência para a verificação da constitucionalidade; a legitimação de partes capazes, em nível de compreensão de tão importantes questões, facilitando o acesso de todas as camadas da sociedade a decisões que façam valer os seus direitos, constitucionalmente protegidos.

Neste trabalhos mostraremos alguns aspectos importantes desta matéria já amplamente versada na doutrina.


2. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

A idéia de controle de constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à de rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais.

Em primeiro lugar, a existência de escalonamento normativo é pressuposto necessário a supremacia constitucional, pois, ocupando a constituição a hierarquia do sistema normativo é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo. Além disso, nas constituições rígidas se verifica a superioridade da norma magna em relação àquelas produzidas pelo Poder Legislativo, no exercício da função legiferante ordinária. Dessa forma, nelas o fundamento do controle é o de que nenhum ato normativo, que lógica e necessariamente dela decorre, pode modificá-lo ou suprimi-la.

A idéia de interseção entre controle de constitucionalidade e constituições rígidas é tamanha que o Estado onde inexistir o controle, a Constituição será flexível, por mais que a mesma se denomine rígida, pois o Poder Constituinte ilimitado estará em mãos do legislador ordinário.

A supremacia constitucional adquiriu tamanha importância nos Estados Democráticos de Direito, que Cappelletti afirmou que o nascimento e expansão dos sistemas de justiça constitucional após a Segunda Guerra Mundial foi um dos fenômenos de maior relevância na evolução de inúmeros países europeus.

O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado Direito.


3. INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS


O princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a Constituição. Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais quando a Constituição assim determina constitui também conduta inconstitucional, pois viola-se a imperatividade da norma quer quando se faz aquilo que a norma proíbe, quer quando se deixa de fazer alguma coisa que a norma determina.

De fato, a Constituição de 1988 reconhece duas formas de inconstitucionalidade: a inconstitucionalidade por ação e a inconstitucionalidade por omissão (art. 102, I, "a", e III, "a", "b" e "c", e art. 103 e seus parágrafos).


4. ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE


A análise da constitucionalidade das espécies normativas (art.59 da CF) consubstancia-se em compará-las com determinados requisitos formais e materiais, a fim de verificar-se sua compatibilidade com as normas constitucionais, podendo ser formalmente inconstitucional ou materialmente inconstitucional.

Diz-se que uma lei é formalmente inconstitucional quando foi elaborada por órgão incompetente (inconstitucionalidade orgânica) ou seguindo procedimento diverso daquele fixado na Constituição (inconstitucionalidade formal propriamente dita). Pode, então, a inconstitucionalidade formal resultar de vício de elaboração ou de incompetência.

A inconstitucionalidade material reporta-se ao conteúdo do ato normativo. Importa verificar se ele é compatível com o conteúdo da Constituição. Em não o sendo, o ato normativo será materialmente inconstitucional.


5. CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE


Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais.

Ressalta-se que, se possível for, a fim de garantir-se a compatibilidade das leis e atos normativos com as normas constitucionais, deverá ser utilizada a técnica de interpretação, isto é seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição.

A divergência entre os estudiosos e o aprofundamento do estudo sobre o

controle da constitucionalidade das leis, deu lugar ao surgimento de duas técnicas diferentes: o controle exercido por um órgão político e o exercido por um órgão jurisdicional.

A primeira técnica, onde o controle é exercido por um órgão político, é adotada

pelos sistemas constitucionais que reconhecem "que o controle da constitucionalidade das leis tem efeitos políticos e confere ao órgão exercitante uma posição de preeminência no Estado". Por essa razão, o controle é confiado a um corpo político, normalmente desvinculado do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário. Esse corpo político deverá ser uma assembléia, um conselho ou um comitê constitucional.

O primeiro país a adotar o sistema de controle através de um órgão político foi a França. Sieyés, legislador e jurista francês, pai desse sistema, o viu instituído em seu país e ali, o órgão controlador, tinha a incumbência de "cuidar, interpretar e remediar o sentimento nacional de desconfiança contra os tribunais do ancien régime". A França teve várias experiências malogradas em relação ao controle da constitucionalidades das leis mas em 1958 instituiu, na sua Carta Política, o Conselho Constitucional, composto por 09(nove) membros eleitos para um mandato de 09(nove) anos, sem direito a reeleição.

Os soviéticos, por sua vez, através da Constituição de 1936, de inspiração

istalinista, também, adotaram o controle constitucional exercido por um órgão político.

A segunda técnica de controle da constitucionalidade das leis é a que utiliza um órgão jurisdicional, como controlador. Os críticos dessa técnica afirmam que "o juiz ou tribunal, investidos nas faculdades desse controle, assumem uma posição eminentemente POLÍTICA". Por outro lado, os seus defensores dizem que esse controle "exercido no interesse dos cidadãos(...) se compadece melhor com a natureza das constituições rígidas e sobretudo com o centro de sua inspiração primordial - a garantia da liberdade humana, a guarda e proteção de alguns valores liberais que as sociedades livres reputam inabdicáveis".

Como se vê, a grande diferença que há entre uma e outra técnica é que a primeira relega a "segundo plano a proteção direta das liberdades individuais", enquanto que a segunda tem como prioridade a "garantia da liberdade humana e a guarda e proteção de valores considerados inabdicáveis, pelas sociedades livres".


6. OS SISTEMAS DE CONTROLE JUDICIAL


Os sistemas constitucionais conhecem dois critérios de controle da constitucionalidade: o controle difuso (ou jurisdição constitucional difusa) e o controle concentrado (ou jurisdição constitucional concentrada). Verifica-se o primeiro quando se reconhece o seu exercício a todos os componentes do Poder Judiciário, e o segundo, se só for deferido ao tribunal de cúpula do Poder Judiciário ou a uma corte especial.

O controle efetuado por órgão jurisdicional, dá-se de duas formas: Por via de

exceção, que é também chamado controle concreto e por via de ação, controle abstrato.

A primeira forma, por via de exceção, ocorre quando, no curso do processo, é levantada uma tese de inconstitucionalidade da lei que se quer aplicar à parte autora da objeção. Nesse caso, a sentença que declara a inconstitucionalidade da lei não a anula mas a torna inaplicável àquele caso específico. "É o controle por via incidental".

A segunda forma, por via de ação, dá-se mediante ajuizamento de ação de

inconstitucionalidade prevista, formalmente, no texto da constituição. Nesse caso, se a lei impugnada perde sua validade constitucional, perante o tribunal, tem-se essa como anulada e o efeito da anulação será aplicado a todos os casos, isto é, erga omnes.


7. SISTEMA BRASILEIRO DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE


O sistema brasileiro de controle é o jurisdicional instituído coma Constituição de 1891 que, sob a influência do constitucionalismo norte-americano, acolhera o critério de controle difuso por via de exceção, que perdurou nas constituições sucessivas até a vigente.

As constituições posteriores, contudo, foram introduzindo novos elementos, de sorte que, aos poucos, o sistema se afastara do puro critério difuso com a adoção de aspectos do método concentrado, sem, no entanto, aproximar-se do europeu. A Constituição de 1934, mantendo as regras do critério difuso em seu art.76, "a" e "b", trouxe três inovações importantes: a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art.7º, I, "a" e "b"), a regra de que só por maioria absoluta dos votos dos seus membros os tribunais poderiam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público (art.179) e a atribuição ao Senado Federal de competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional em decisão definitiva.

Essas três inovações se incorporaram definitivamente no Direito Constitucional brasileiro. Sob a Constituição de 1946 foram introduzidas duas outras novidades por meio da EC 16, de 6.12.65, que criou uma nova modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, de caráter genérico, ao atribuir ao Supremo Tribunal federal para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual, apresentada pelo Procurador ? Geral da República (art. 2º, "k"), e estatuiu que a lei poderia estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato municipal, em conflito com a constituição estadual (art. 19). Esta última não prosperou exatamente igual. Mas a Constituição de 1969 instituiu a ação direta interventiva para a defesa de princípios da constituição estadual, promovida pelo Chefe do Ministério Público do estado e de competência do Tribunal de Justiça (art.15, § 3º, "d").

A Constituição de 1988 introduziu mais duas novidades: previu a inconstitucionalidade por omissão (art.103, § 2º) e ampliou a legitimação para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, por ação ou omissão (art.103). Antes, essa legitimação sé pertencia ao Procurador-Geral da República. Agora, além dele, cabe também ao Presidente da República, às Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas dos Estados, ao Governador de Estado, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a partido político com representação no Congresso Nacional e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Pena tão ter incluído o cidadão.

Em suma: à vista da Constituição vigente, temos a inconstitucionalidade por ação ou por omissão, e o controle de constitucionalidade é o jurisdicional, combinado os critérios difuso e concentrado, este de competência do Supremo Tribunal Federal. Portanto, temos o exercício de controle por via incidental e por ação direta de inconstitucionalidade. De acordo com o controle por via incidental, qualquer interessado poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade, em qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que seja o juízo. A ação direta de inconstitucionalidade compreende três modalidades: 1) a interventiva, pode ser federal por proposta exclusiva do Procurador-Geral da República e de competência do Supremo Tribunal Federal (arts. 36, III, 102, I, "a", e 129, IV), ou estadual por proposta do Procurador-Geral da Justiça do Estado (arts. 36, IV, e 129, IV); interventivas, porque destinadas a promover a intervenção federal em Estado ou do Estado em Município, conforme o caso; 2) a genérica: a) de competência do Supremo Tribunal Federal, destinada a obter a decretação de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo, federal ou estadual, sem outro objetivo senão o de expurgar da ordem jurídica a incompatibilidade vertical; é ação que visa exclusivamente a defesa do princípio da supremacia constitucional (arts. 102, I, "a", e 103, incisos e § 3º); b) de competência do Tribunal de Justiça em cada Estado, visando a declaração de inconstitucionalidade, em tese, de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2º), dependendo da previsão nesta; 3) a supridora de omissão: a) do legislador, que deixa de criar lei necessária à eficácia e aplicabilidade de normas constitucionais, especialmente nos casos em que alei é requerida pela Constituição; b) do administrador, que não adote as providências necessárias para tornar efetiva norma constitucional (art.103, § 2º).

A constituição mantém a regra segundo a qual somente pelo voto da maioria absoluta de sus membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (art. 97), regra salutar que vem, como foi visto, do art. 179 da Constituição de 1934.


8. CONTROLE POR VIA INCIDENTAL


O Controle incidental ocorre quando, no curso de qualquer ação judicial, uma das partes pretender a aplicação de uma lei e a outra poderá defender-se dessa pretensão alegando a inconstitucionalidade da referida lei. Procedente a alegação a lei não será aplicada pelo juiz à relação jurídica em litígio. O controle por via de exceção é entendido no sentido de defesa e esta pode ser tanto do autor como do réu.

As características deste sistema são: os efeitos apenas para as partes litigantes: na demanda em que se reconhecer a inconstitucionalidade, o afastamento do ato impugnado não beneficia quem não for parte; a lei continua em vigor em relação aos que não participam da causa; a lei não é anulada nem desfeita, mas se lhe nega aplicação na causa em que ela foi apreciada; o reconhecimento da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei por decisão judicial tem por objeto a existência ou não de uma obrigação, não sendo este reconhecimento o objeto da ação; não suscetibiliza o legislador, porque não anula a lei e não fere a separação de poderes, como ocorreria se o juiz julgasse a lei; está na função normal do juiz escolher entre as normas legais aplicáveis ao caso em julgamento e julga o pedido aplicando a lei se constitucional ou a Constituição se inconstitucional alei; qualquer juiz pode negar-se a aplicar lei que ele considere inconstitucional.

Foi o sistema criado pela jurisprudência norte-americana e teve início no famoso julgamento do caso "Mabury v. Madison", realizado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1803, quando Jonh Marshal lançou as bases para a instituição do controle por vida de exceção, incidental.

O sistema passou a ser adotado em vários países pela jurisprudência ou introduzindo através de legislação constitucional expressa. No primeiro caso temos o Canadá, África do Sul, Grécia, Austrália, Romênia e no segundo, Portugal em 1911 e 1913, Irlanda em 1937, Brasil em 1891.


9. CONTROLE POR VIA DE AÇÃO


O Controle por Via de Ação caracteriza-se por ser exercido através de uma ação judicial com a finalidade específica de examinar a constitucionalidade da lei, sem que nenhuma relação jurídica esteja em discussão. A declaração de inconstitucionalidade resulta na anulação da lei, com efeito ?erga omnes". Desta maneira, uma única decisão resolve a questão definitivamente. Localiza-se em um único órgão a discussão sobre a lei. Este é determinado pela Constituição e pode ser o mais alto Tribunal ou outro especialmente destinado a este fim ( No Brasil, cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir em relação a leis que ferem a Constituição Federal, e cabe aos Tribunais de Justiça locais decidir em relação a leis que ferem a Constituição Estadual) . A ação direta, chamada de controle principal, tende a generalizar-se pelas vantagens oferecidas, eliminando o período de incerteza que o sistema tradicional acarreta. Por outro lado traz a segurança do alcance e da compreensão de normas jurídicas.


10. PAPEL DO SENADO FEDERAL


O Supremo Tribunal Federal, decidindo o caso concreto poderá, incidentalmente, declarar, por maioria absoluta de seus membros, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo do Poder Público.

A partir disso, poderá oficiar o Senado Federal, para que este, nos termos do art. 52, X, da Constituição, através da espécie normativa resolução, suspensa a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

O Regime Interno do Senado Federal prevê, em seu art.386, que o Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade, total ou parcial de lei mediante: comunicação do Presidente do Tribunal; representação do Procurador-Geral da República; projeto de resolução de iniciativa da comissão de constituição, justiça e cidadania.

A comunicação, a representação e o projeto acima referidos deverão ser instruídos com o texto da lei cuja execução se deva suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento. Uma vez lida em plenário, a comunicação ou representação será encaminhada à comissão de constituição, justiça e cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução da lei, no todo ou em parte.

Ressalta-se, por fim, que essa competência do Senado federal aplica-se à suspensão no todo ou em parte, tanto de lei federal, quanto de leis estaduais, distritais ou municipais, declaradas, incidentalmente, inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.


11. INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

E O

MANDADO DE INJUNÇÃO


A inconstitucionalidade por omissão verifica-se nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou executivos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais. Muitas destas, de fato, requerem uma lei ou uma providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se efetivem na prática. A Constituição, por exemplo, prevê o direito de participação dos trabalhadores nos lucros e na gestão das empresas, conforme definido em lei, mas, se esse direito não se realizar, por omissão do legislador em produzir a lei aí referida e necessária à plena aplicação da norma, tal omissão se caracterizará como inconstitucional. Ocorre, então, o pressuposto para a propositura de uma ação de inconstitucionalidade por omissão, visando obter do legislador a elaboração da lei em causa. Outro exemplo: a Constituição reconhece que a saúde e a educação são direitos de todos e dever do Estado (arts. 201 e210), mas, se não se produzirem atos legislativos e administrativos indispensáveis para que se efetivem tais direitos em favor dos interessados, aí também teremos uma omissão inconstitucional do Poder Público que possibilita a interposição da ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103).

A inconstitucionalidade por omissão já existe em outros países. A Constituição portuguesa a prevê no seu art. 283. In verbis:

"1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, dos presidentes das assembléias regionais, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exeqüíveis as normas constitucionais.

2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente".

Aí a vigente Constituição foi abeberar-se. Mas perdeu uma boa oportunidade de ir além. Ficou mesmo, aquém, por não ter instituído o Tribunal Constitucional. Prevê autoridades, pessoas e entidades que a podem propor, mas aí não incluiu o cidadão, o que é uma falha, pois a ação popular de inconstitucionalidade é conhecida em outros países (Alemanha, por exemplo). Foi tímida, no entanto, a Constituição nas conseqüências da decretação de inconstitucionalidade por omissão. Não avançou muito mais do que a Constituição portuguesa. Apenas dispôs no § 2º do art. 103 que, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. É, sem dúvida, um grande passo. Contudo, a mera ciência ao Poder Legislativo pode ser ineficaz, já que ele não está obrigado a legislar. Nos termos estabelecidos, o princípio da discricionariedade do legislador continua intacto, e está bem que assim seja. Mas isso não impediria que a sentença que reconhecesse a omissão inconstitucional já pudesse dispor normativamente sobre a matéria até que a omissão legislativa fosse suprida. Com isso, conciliar-se-iam a princípio político da autonomia do legislador e a exigência do efetivo cumprimento das normas constitucionais.

O Mandado de Injunção é previsto, de maneira inédita, no art. 5º, LXXI da Constituição Federal, que concederse-á mandado de injunção sempre que a falta da norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. O Supremo Tribunal Federal decidiu de forma unânime pela auto-aplicabilidade do mandado de injunção, independetemente de edição de lei regulamentando-o, em face do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, que determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal. Juntamente coma a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, visa ao combate à síndrome de inefetividade das normas constitucionais.

Canotilho, ao discorrer sobre as perspectivas do mandado de injunção e da inconstitucionalidade por omissão no direito brasileiro, fez a seguinte observação:

"Resta perguntar como o mandado de injunção ou a ação constitucional de defesa perante omissões normativas é um passo significativo no contexto da jurisdição constitucional das liberdades. Se um mandado de injunção puder, mesmo modestamente, limitar a arrogante discricionariedade dos órgãos normativos, que ficam calados quando a sua obrigação jurídico-constitucional era vazar em moldes normativos regras atuativas de direitos e liberdades constitucionais; se, por outro lado, através de uma vigilância judicial que não extravase da função judicial, se conseguir chegar a uma proteção jurídica sem lacunas; se, através de pressões jurídicas e políticas, se começar a destruir o "rochedo de bronze" da incensurabilidade do silêncio, então o mandado de injunção logrará os seus objetivos".

As normas constitucionais que permitem o ajuizamento de mandado de injunção assemelham-se às da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e não decorrem de todas as espécies de omissões do Poder Público, mas tão-só em relação às normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo e de caráter impositivo e das normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, por dependerem de atuação normativa ulterior para garantir sua aplicabilidade. Assim, sempre haverá a necessidade de lacunas na estrutura normativa, que necessitarem ser colmatadas por leis ou atos normativos ( por exemplo: aus6encia de resolução do Senado Federal no caso de estabelecimento de alíquota à operações interestaduais. CF, art. 155, § 2º).

Não caberá, portanto, mandado de injunção, para, sob a alegação de reclamar a edição de norma regulamentadora de dispositivo constitucional, pretender-se a alteração de lei ou ato normativo já existente, supostamente incompatível com a constituição ou para exigir-se uma certa interpretação à aplicação da legislação infraconstitucional, ou ainda para pleitear uma aplicação "mais justa" da lei existente.

Da mesma forma, não cabe mandado de injunção contra norma constitucional auto-aplicável.

O mandado de injunção somente se refere à omissão de regulamentação de norma constitucional. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, não há possibilidade de "ação injuncional, com a finalidade de compelir o Congresso Nacional a colmotar omissões normativas alegadamente existentes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em ordem a viabilizar a instituição de um sistema articulado de recursos judiciais destinado a dar concreção ao que prescreve o Artigo 25 do Pacto de S. José da Costa Rica".

Portanto, o mandado de injunção destina-se a obter sentença que declare a ocorrência da omissão legislativa, com a finalidade de que se dê ciência ao órgão omisso dessa declaração para que adote as provid7encias necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º)

Vê-se, pois, que o alcance do mandado de injunção é análogo ao da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Nesta, uma vez declarada a inconstitucionalidade, será dada a ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias, e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. Nota-se, por oportuno, que, em se tratando de omissão legislativa inconstitucional, o Supremo Tribunal Federal limitar-se-á a dar ciência ao Poder Legislativo para que adote as providências necessárias quanto à elaboração da norma integradora. Contudo, ficará a critério desse Poder atender ou não a esta comunicação. O não-atendimento não implicará responsabilidade. O mesmo não ocorre quando a omissão inconstitucional for administrativa. Neste caso, o Supremo Tribunal Federal, a par de comunicar a inconstitucionalidade por omissão, impõe ao órgão administrativo competente a edição da norma em questão, no prazo de trinta dias, sob pena de responsabilidade.

Com relação ao mandado de injunção, sendo ele procedente, dar-se-á ciência ao órgão incumbido de elaborar a norma regulamentadora faltante, sob pena de, não a elaborando dentro do prazo estabelecido, sofrer alguma espécie de sanção, desde que esta seja possível.

Não se deve confundir o mandado de injunção com a inconstitucionalidade por omissão. A única semelhança entre esses dois institutos reside no fato de que ambos têm cabimento diante da falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. No mais são só diferenças. A primeira distinção diz respeito à legitimidade ativa. A ação de inconstitucionalidade por omissão só pode ser proposta pelas pessoas ou entidades arroladas no art. 103, d, da Constituição Federal, enquanto o mandado de injunção pode der ajuizado por qualquer pessoa que se sinta impedida de exercitar um direito constitucionalmente assegurado pela falta de norma regulamentadora que viabilize o exercício desse seu direito. Outra distinção é quanto aos efeitos da decisão proferida que, na ação de inconstitucionalidade por omissão, são erga omnes e, no mandado de injunção, são inter partes.


12. CONCLUSÃO


Em vista do que foi abordado é importante salientar que nem todas as questões constitucionais são questões de inconstitucionalidade de leis. Por isto mesmo o Supremo Tribunal Federal já afirmou, com inteira razão, que a questão de saber se há ou não, em determinado caso, um direito adquirido a ser preservado, não é necessariamente uma questão de constitucionalidade da lei. Pode ocorrer que a lei nada estabeleça a respeito do direito intertemporal, e neste caso, sua aplicação a situações em que há direito adquirido é que pode ser inconstitucional, e não a norma aplicada. A questão somente será de inconstitucionalidade da lei se ela própria determina sua aplicação contrariando direitos adquiridos.

Se uma lei aumenta a alíquota do imposto de renda e contém dispositivo determinando sua aplicação a fatos geradores já consumados, será inconstitucional nessa parte em que determina sua aplicação retroativa. Se, porém, não estabelece essa retroatividade, mas é aplicada a fatos geradores já consumados, inconstitucional será apenas o ato de aplicação. Não a lei.

Em qualquer hipótese, a questão da conformidade de uma norma com a norma superior na qual se funda é sempre uma questão relativa ao direito em tese, ao direito objetivo. Jamais uma questão de direito subjetivo.

Vê-se, por tudo isto, que a utilização, no controle da constitucionalidade das leis, de critérios próprios da atividade jurisdicional, ou de afirmação do direito no caso concreto, não pode levar a resultados satisfatórios, sendo portanto preocupante o rumo que tem sido adotado pelo Supremo Tribunal Federal, em alguns casos, como Corte Constitucional, ao que parece sob a influência nefasta do processualismo.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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CANOTILHO, J..J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.


CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.


MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.